Mariz: Moro é um autoritário
Moro considera culpado antes de julgar
publicado
01/02/2016
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O Conversa Afiada reproduz trecho de entrevista do respeitado criminalista Antonio Cláudio Mariz de Oliveira a Sonia Racy e Gabriel Manzano, do Estadão, onde também trabalha, diligentemente, e dentro da Lei vigente, o Fausto Macedo, detentor do troféu instituído pelo Conversa Afiada, o Conexões Tigre:
‘Autoritarismo do Judiciário ignora direitos e ameaça as liberdades’
(...)
No caso do manifesto contra a Lava Jato, o que especificamente está acontecendo de errado, que prejudica os denunciados?
Começo lhes dizendo que hoje está mais difícil advogar do que no tempo da ditadura. Eu ia ao balcão da Auditoria Militar, mostrava uma procuração e recebia o processo. Hoje há casos em que não se consegue o acesso aos autos. Mas, quanto à Lava Jato, torço com ardor para que as ilicitudes que sangraram a Petrobrás sejam apuradas e os responsáveis punidos, na medida de suas responsabilidades. Mas ao mesmo tempo torço para que isso ocorra dentro da lei, com respeito à Constituição e à dignidade dos acusados. E tem de ficar claro que o advogado não defende o crime, defende os direitos do acusado, previstos em lei. Eu posso até dizer pra ele “você é culpado”, mas eu vou tentar colaborar para preservar suas garantias constitucionais.
Como avalia, no processo, a atuação do juiz Sérgio Moro?
Ele é, talvez, o mais operoso juiz que eu conheci na vida. Incrível como trabalha. Segundo ponto, é muito bem preparado tecnicamente. O que acho é que ele não dá ao direito de defesa a relevância que este tem, para a obtenção da verdade. Tenho às vezes a impressão de que ele já tem uma ideia preconcebida em relação à culpabilidade de alguém. De que acha que o advogado atrapalha e que aceita sua presença no processo como uma exigência constitucional.
O sr. e outros advogados criticam também as prisões e as delações premiadas. Por quê?
Primeiro, existe um instrumento no processo civil chamado condução coercitiva. Eu mando uma intimação – eu, delegado – e você não vai. Mando a segunda, você não vai. Na terceira, eles pegam você para depor. Hoje não há mais isso. Os policiais aparecem em sua casa, fazem uma busca, e já o levam para a prisão.
E quanto às delações?
É outro problema, a prisão preventiva para delação. Afirmam que 80% delataram em liberdade, mas 20% delataram e estão presos. O que isso significa? Um desvirtuamento perigosíssimo da prisão preventiva. Porque a ação do Moro é exemplar. Um modesto juiz de cidadezinha pensa: “Caramba, se o Joaquim Barbosa fez, o Moro fez, por que eu não posso fazer?”. E se esquece de que prisão preventiva é exceção. Que, pela Constituição, todo mundo é inocente até prova em contrário. Prisão preventiva se adota para preservar a ordem, a instrução processual, a futura aplicação da lei. Mas não é, de forma alguma, uma antecipação de mérito.
Procuradores alegam também que tudo é filmado e que a grande maioria das sentenças, nesses processos, tem sido confirmada em tribunais superiores. Como explicar?
Veja, a delação é um instrumento inédito no direito brasileiro. E não há como comparar com a delação no direito americano. O direito penal dos EUA é negocial. O advogado do réu e o promotor negociam pena, detalhes. No Brasil existem a presunção de inocência, o devido processo legal, o contraditório, o direito ao juiz natural – para se evitar o tribunal de exceção. O que me choca é a delação do preso. A lei diz: a delação precisa ter dois critérios para ser válida. Efetividade de conteúdo e voluntariedade. Ora, não tenho conhecimento de que a partir de delação tenha havido diligências para se saber da efetividade do que foi dito. Não conheço.
Mas essa é uma das precondições para se reduzir a pena do delator, não?
Mas eles não estão investigando… a maioria não foi. E não há de se falar em vontade íntegra com o sujeito preso. Nessa situação, o que ele quer de fato é ir embora. Tem mais. Eles chegam, ameaçam levar o sujeito preso e, para não o levar, pedem a delação. Pra mim, delação não poderia ser de réu preso.
Por que acha que os tribunais superiores estão aceitando as sentenças?
Não sei, às vezes acho que os tribunais superiores estão se rendendo a uma movimentação que recebeu os aplausos da sociedade.
Ou seja, em sua avaliação a própria Justiça merece reparos pela situação que se criou?
O que vejo é um outro efeito nisso tudo: os juízes recém-ingressos se sentem autorizados a violentar o direito de defesa, os contraditórios, para ter resultados rápidos e que coincidam com o que eles imaginam ser o querer da sociedade. Donde eu completo dizendo que, de todos os receios que tenho quanto à atuação do Judiciário, meu maior temor é contra o autoritarismo alí instalado. Ele desatende à lei e manifesta desapreço pelo direito do cidadãos.
A advocacia dispõe de formas de lidar com isso?
Acho que a advocacia está sendo encarada hoje como algo desnecessário. Parece que o promotor e o juiz entendem que eles já cumprem esse papel – que engloba acusar, defender, julgar. Aliás, a crise da advocacia hoje, quanto à valorização, à respeitabilidade, é inusitada. E agravada pela omissão da Ordem dos Advogados do Brasil.
Que chances a OAB perdeu, a seu ver, de atuar bem?
Me parece que ela, quando colocou no armário a bandeira da redemocratização, perdeu a bandeira. E sua grande falha, em relação à advocacia, foi não esclarecer à população qual é o nosso papel.
No caso do manifesto contra a Lava Jato, o que especificamente está acontecendo de errado, que prejudica os denunciados?
Começo lhes dizendo que hoje está mais difícil advogar do que no tempo da ditadura. Eu ia ao balcão da Auditoria Militar, mostrava uma procuração e recebia o processo. Hoje há casos em que não se consegue o acesso aos autos. Mas, quanto à Lava Jato, torço com ardor para que as ilicitudes que sangraram a Petrobrás sejam apuradas e os responsáveis punidos, na medida de suas responsabilidades. Mas ao mesmo tempo torço para que isso ocorra dentro da lei, com respeito à Constituição e à dignidade dos acusados. E tem de ficar claro que o advogado não defende o crime, defende os direitos do acusado, previstos em lei. Eu posso até dizer pra ele “você é culpado”, mas eu vou tentar colaborar para preservar suas garantias constitucionais.
Como avalia, no processo, a atuação do juiz Sérgio Moro?
Ele é, talvez, o mais operoso juiz que eu conheci na vida. Incrível como trabalha. Segundo ponto, é muito bem preparado tecnicamente. O que acho é que ele não dá ao direito de defesa a relevância que este tem, para a obtenção da verdade. Tenho às vezes a impressão de que ele já tem uma ideia preconcebida em relação à culpabilidade de alguém. De que acha que o advogado atrapalha e que aceita sua presença no processo como uma exigência constitucional.
O sr. e outros advogados criticam também as prisões e as delações premiadas. Por quê?
Primeiro, existe um instrumento no processo civil chamado condução coercitiva. Eu mando uma intimação – eu, delegado – e você não vai. Mando a segunda, você não vai. Na terceira, eles pegam você para depor. Hoje não há mais isso. Os policiais aparecem em sua casa, fazem uma busca, e já o levam para a prisão.
E quanto às delações?
É outro problema, a prisão preventiva para delação. Afirmam que 80% delataram em liberdade, mas 20% delataram e estão presos. O que isso significa? Um desvirtuamento perigosíssimo da prisão preventiva. Porque a ação do Moro é exemplar. Um modesto juiz de cidadezinha pensa: “Caramba, se o Joaquim Barbosa fez, o Moro fez, por que eu não posso fazer?”. E se esquece de que prisão preventiva é exceção. Que, pela Constituição, todo mundo é inocente até prova em contrário. Prisão preventiva se adota para preservar a ordem, a instrução processual, a futura aplicação da lei. Mas não é, de forma alguma, uma antecipação de mérito.
Procuradores alegam também que tudo é filmado e que a grande maioria das sentenças, nesses processos, tem sido confirmada em tribunais superiores. Como explicar?
Veja, a delação é um instrumento inédito no direito brasileiro. E não há como comparar com a delação no direito americano. O direito penal dos EUA é negocial. O advogado do réu e o promotor negociam pena, detalhes. No Brasil existem a presunção de inocência, o devido processo legal, o contraditório, o direito ao juiz natural – para se evitar o tribunal de exceção. O que me choca é a delação do preso. A lei diz: a delação precisa ter dois critérios para ser válida. Efetividade de conteúdo e voluntariedade. Ora, não tenho conhecimento de que a partir de delação tenha havido diligências para se saber da efetividade do que foi dito. Não conheço.
Mas essa é uma das precondições para se reduzir a pena do delator, não?
Mas eles não estão investigando… a maioria não foi. E não há de se falar em vontade íntegra com o sujeito preso. Nessa situação, o que ele quer de fato é ir embora. Tem mais. Eles chegam, ameaçam levar o sujeito preso e, para não o levar, pedem a delação. Pra mim, delação não poderia ser de réu preso.
Por que acha que os tribunais superiores estão aceitando as sentenças?
Não sei, às vezes acho que os tribunais superiores estão se rendendo a uma movimentação que recebeu os aplausos da sociedade.
Ou seja, em sua avaliação a própria Justiça merece reparos pela situação que se criou?
O que vejo é um outro efeito nisso tudo: os juízes recém-ingressos se sentem autorizados a violentar o direito de defesa, os contraditórios, para ter resultados rápidos e que coincidam com o que eles imaginam ser o querer da sociedade. Donde eu completo dizendo que, de todos os receios que tenho quanto à atuação do Judiciário, meu maior temor é contra o autoritarismo alí instalado. Ele desatende à lei e manifesta desapreço pelo direito do cidadãos.
A advocacia dispõe de formas de lidar com isso?
Acho que a advocacia está sendo encarada hoje como algo desnecessário. Parece que o promotor e o juiz entendem que eles já cumprem esse papel – que engloba acusar, defender, julgar. Aliás, a crise da advocacia hoje, quanto à valorização, à respeitabilidade, é inusitada. E agravada pela omissão da Ordem dos Advogados do Brasil.
Que chances a OAB perdeu, a seu ver, de atuar bem?
Me parece que ela, quando colocou no armário a bandeira da redemocratização, perdeu a bandeira. E sua grande falha, em relação à advocacia, foi não esclarecer à população qual é o nosso papel.