Moro não é um Juiz de Direito!
Sen-sa-cio-nal! Procurador Rômulo Moreira freia o 'salvador da pátria', o redentor!
publicado
03/08/2016
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O Conversa Afiada republica excepcional artigo extraído do GGN do Nassif:
Como não ser um Juiz de Direito? Fácil, leia as decisões de Sérgio Moro
Como foi amplamente noticiado pela imprensa, acabou de ser concedida a liberdade provisória a um casal de réus, com arbitramento de fiança, na chamada Operação Lava-Jato que, como o próprio nome indica, deseja fazer uma “limpeza” ou uma “lavagem” moral no Brasil. Acho até que, talvez, o que se queira mesmo é fazer uma limpeza em si mesmo (Freud explica). Como a repressão é tremenda (e o inconsciente acaba quase sempre vencendo), cuidemos dos outros. Assim, ficamos em paz com o nosso consciente e, de quebra, ainda recebemos prêmio da Rede Globo e aparecemos em manchetes de jornal. Tudo muito bom, portanto. Só não tem nada a ver com Processo Penal. Tem a ver com a psicanálise!
Segundo a imprensa, o Juiz Sérgio Moro “fez duras críticas ao ´álibi` do casal nas ações penais“. Penso até que ele usou o significante sem saber mesmo o seu significado técnico-jurídico (eu até o perdoaria, se se tratasse do padeiro aqui ao lado de minha casa, que não é Juiz de Direito e não dá palpite quando não entende do assunto. É um sábio.).
Também o Juiz afirmou tratar-se de “uma trapaça que não pode ser subestimada“, devendo ser censuradas em ambos os acusados (que serão julgados por ele, pasmen!) “a naturalidade e a desfaçatez com as quais receberam, como eles mesmo admitem, recursos não-contabilizados.”
Em um claro pré-julgamento esse arremedo de Juiz de Direito (pois não demonstra ser um Magistrado imparcial), afirma que o (tal) álibi “não é provavelmente verdadeiro e ainda que o fosse não elimina a responsabilidade individual.”
Não contente em dizer tantas asneiras, o Juiz Sérgio Moro faz uma comparação absolutamente impertinente, digna de um neófito em Direito: “Se um ladrão de bancos afirma ao Juiz como álibi que outros também roubam bancos, isso não faz qualquer diferença em relação a sua culpa.” Que brilhante!
Por fim, uma última pérola do Magistrado incompetente (nos termos do art. 70 do Código de Processo Penal): “É possível reconhecer, mesmo nessa fase, que, mesmo se existente, encontra-se em um nível talvez inferior da de corruptores, corrompidos e profissionais do crime.” Enfim, já estão todos condenados, ou como corruptores ou como corrompidos. E o que seriam mesmo “profissionais do crime“? Veja, ele próprio é um profissional do crime, ou não? Não é um Juiz criminal? Eu, por exemplo, Procurador de Justiça criminal, sou um profissional do crime, pois dedico boa parte do meu tempo e do meu estudo ao estudo do … crime. E ganho uma fortuna com isso.
Não é possível que o Supremo Tribunal Federal, quando instado a fazê-lo, não reconheça que o Juiz Moro está ultrapassando todos os limites. Óbvio que não espero de Gilmar Mendes qualquer decisão nesse sentido, pois de imparcialidade ele entende tão pouco como Moro. Tampouco vou fazer referência ao Conselho Nacional de Justiça, pois, afinal de contas, é órgão de controle externo e não um Colegiado com competência para ensinar Juiz a trabalhar (e não para que não cometam asneiras processuais – o mesmo vale para o Conselho Nacional do Ministério Público).
Será que há alguma dúvida quanto à parcialidade do Magistrado de Curitiba? Acho que não precisa ser nenhum “calouro” do curso de Direito. Diante desse tipo de declaração (infeliz, despropositada, impertinente e, sobretudo, burra – porque sujeita a uma forte contestação na Superior Instância), haverá alguma dúvida que o casal “beneficiado” pela concessão da fiança já está condenado? Aqui a defesa fará um mero papel decorativo, salvo se o Supremo Tribunal Federal tiver a coragem (que eu duvido!) de lhe afastar por suspeito de julgar o processo.
Aliás, o Juiz Sérgio Moro, que no caso Banestado já havia demonstrado seus pendores para acusador e sua incapacidade para presidir um processo complexo e de apelo midiático, neste caso da Lava-Jato comete erros a mancheias, cada vez mais grosseiros e recorrentes.
São vários, a começar por se arvorar Juiz competente para processar e julgar todo e qualquer caso penal relativo à corrupção que envolva a Petrobrás, independentemente do local onde o suposto crime tenha se consumado, afrontando as regras impostas pelo Código de Processo Penal (o art. 70, acima referido). Ele sustenta uma conexão processual entre inúmeros crimes e dezenas de acusados, fenômeno jurídico nem sempre existente, usurpando a competência de outros Juízos federais. Outro absurdo que esse Magistrado pratica é o abuso na decretação de prisões preventivas e temporárias, com fundamentações muitas vezes genéricas, quando sabemos que as prisões provisórias – anteriores a uma sentença condenatória definitiva – devem ser decretadas excepcionalmente. O Juiz Sérgio Moro, ao contrário, transformou em regra o que deveria ser uma exceção, o que é um retrocesso em relação à Constituição Federal. E o mais grave: tais prisões, revestidas de uma suposta legalidade, são decretadas, na verdade, na maioria das vezes, com uma finalidade: coagir o preso, ainda sem culpa certificada por uma sentença condenatória, a delatar. Isso é fato e é gravíssimo. Deixa-se o investigado ou o réu preso durante meses, trancafiado em uma cela minúscula, praticamente incomunicável, sem que se demonstre legalmente a necessidade da prisão, pressionando-o a firmar um “acordo” de delação. Ora, quem não se submeteria? E quem não falaria o que os inquisidores queriam? Isso é muito complicado. A Lei nº. 12.850/13, que trata da delação premiada, exige expressamente a voluntariedade do delator. Será mesmo que estas delações que estão sendo feitas em Curitiba são voluntárias no sentido próprio do vernáculo? Se não o são, até que ponto podem ser críveis? Vejam os benefícios que estes delatores estão tendo em relação às suas penas. Sem falar em outros que sequer estão previstos em lei, contrários à lei, inclusive.
O Juiz Sérgio Moro deslumbrou-se! Muito difícil para um jovem não sucumbir a tantos holofotes e ao assédio da grande mídia e de parte da população, especialmente da classe média, da qual ele faz parte. Mas, isso não o isenta e a História não o perdoará, ao contrário do que ele e muitos acreditam. Assim, ficou difícil impedi-lo de tais abusos. Tudo que ele faz, todas as suas decisões têm uma presunção de legalidade e de justeza, o que é um equívoco, obviamente. Como frear um “salvador da pátria”, o redentor! E é óbvio que assim o sendo, a tendência é que as decisões do Juiz Sérgio Moro sejam confirmadas pelos demais órgãos do Poder Judiciário que, muitas vezes, não ousam ser contra majoritários, como tinham que ser em uma República e em um Estado Democrático de Direito. O Magistrado, ao contrário do que já se disse, não tem que decidir conforme “a voz das ruas” ou para atender ao clamor popular. Isso é pura demagogia e, portanto, inaceitável. Magistrado tem que ter compromisso, exclusivamente, com a Constituição Federal, isso é o que o legitima, já que ele não tem a legitimidade popular. Os Juízes brasileiros têm que ter essa consciência: como eles não são votados, a sua legitimidade decorre da fundamentação de suas decisões e tal fundamentação, por sua vez, decorre da observância das leis e das regras e dos princípios constitucionais. Passar em um concurso público, marcando um “x” e discorrendo sobre a doutrina do jurista “A” ou “B” ou sobre o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal sobre tal ou qual matéria, não lhes dá nenhuma, absolutamente nenhuma, legitimidade constitucional para exercer a sua jurisdição. Neste sentido, considero que, ao ratificarem as decisões do Juiz Sérgio Moro, todas as demais instâncias do Poder Judiciário brasileiro, inclusive o Supremo Tribunal Federal, cometem abusos. E, repito: a História não os perdoará!
Os impactos dessa Operação Lava-Jato serão desastrosos. Aliás, já estão sendo. Cada decisão do Juiz Sérgio Moro, devidamente “chancelada” pelos Tribunais e, por fim, pelo Supremo Tribunal Federal (que nem sempre decide contra majoritariamente, como deveria ser) passa a servir de paradigma para outras decisões de Juízes em todo o Brasil. Se um sujeito processado na Operação Lava-Jato passou um ano preso até delatar, e o Supremo Tribunal Federal nada fez, o Juiz de Direito de Cícero Dantas, aqui no Sertão da Bahia, também vai se sentir no direito de fazer o mesmo. É essa também a minha preocupação. Esse sujeito é que vai ficar esperando preso dois anos por uma sentença, mesmo porque, muitas vezes, nem tem Juiz na Comarca para julgá-lo e ele fica esquecido na Delegacia de Polícia, porque, aliás, também não tem Promotor de Justiça nem Defensor Público. A Justiça Estadual brasileira é um caos! É outro mundo. Não tem Magistrados suficientes, nem membros do Ministério Público. Quanto à Defensoria Pública, melhor nem falar (com relação a ela, os Estados não têm o menor interesse em aparelhá-la, afinal de contas, elas cuidam dos necessitados). Não há, sequer, funcionários. A Justiça Comum Estadual não funciona. Finge-se que trabalha. Sugiro que o Conselho Nacional de Justiça faça uma inspeção nas Comarcas do interior do Brasil, não nas grandes cidades e não somente nas Corregedorias dos Tribunais. Pergunte aos cidadãos o que eles acham do serviço prestado pelo Judiciário nestas pequenas e médias cidades. Sugiro o mesmo para o Conselho Nacional do Ministério Público. Mas, o que tem isso a ver com a Operação Lava-Jato? Tem tudo a ver, sabe porquê? Por que a “República de Curitiba” não é a República do Brasil. Esta existe e é formada por uma Nação: o povo brasileiro.
Claro que a prática de um delito exige a punição pelo Estado (até que se encontre algo mais humano para se fazer com quem o fez e se procure entender porquê o fez), mas não se pode punir a qualquer custo. Há regras a serem observadas. Regras e princípios constitucionais. E no Brasil, hoje, isso não ocorre. E a Operação Lava-Jato é um exemplo muito claro disso. Vivemos um verdadeiro período de exceção. Hoje, não há Estado Democrático de Direito. Isso é balela! Conduz-se coercitivamente que não pode sê-lo. Invade-se domicílio que não pode ser invadido. Determina-se interceptações telefônicas de quem não pode ser interceptado. Prende-se quem tem imunidade constitucional. Ministro da Suprema Corte dá declarações em relação a processos que serão julgados pela Corte Constitucional (inclusive de natureza político-partidária, como Gilmar Mendes). Aqui faz o que o Judiciário quer ou o que o Ministério Público pede. Dane-se a Constituição Federal! Estamos vivendo dias verdadeiramente sombrios. A nossa única esperança, que era o Supremo Tribunal Federal, virou uma desesperança. Apelar mais para quem? Isso sem falar na pauta conservadora que assola o País. Vejamos, por exemplo, o prestígio de um Bolsonaro, um homem que não se envergonha de fazer homenagens a um torturador e menospreza uma conduta tão violenta quanto o estupro. Bem, mas aí é outro assunto.
Eu até acho que a Operação Lava-Jato pode estar perto do fim. Depende do desfecho do processo de impeachment da Presidente Dilma. Se ela, efetivamente, for derrubada pelo Senado, acho que a Operação Lava-Jato acaba. Se não, acho que continua. Tem que continuar, não é? Afinal de contas, o Juiz Sérgio Moro estudou bastante nos Estados Unidos e aprendeu muito a combater a corrupção e ele tem se mostrado um aluno bem disciplinado. Na verdade, o pessoal da de Washington, D.C. não estava nada satisfeito com essa história do pré-sal, do fim das privatizações, etc. Ele estava mesmo interessado em destruir as empresas concorrentes brasileiras (como a Petrobrás e as empresas de construção civil, mundialmente conhecidas e concorrentes), preocupados com a pauta social distante dos princípios neoliberais, contrariados com a independência dos BRICS, etc. Eles são implacáveis. Eles estão sempre em guerra. E nem sempre usam as mesmas armas.
Por fim, recordo da Operação Mãos Limpas, na Itália. Lá, como aqui, pretendeu-se acabar com a corrupção e, tal como na Itália (um dos Países mais corruptos do mundo, que o diga Berlusconi, filhote da Operação Mãos Limpas), a Operação Lava-Jato não vai acabar com a corrupção, muito pelo contrário. Se ela vai acabar com alguma coisa é com algumas das maiores empresas brasileiras (e, consequentemente, com o emprego de nossos trabalhadores – o que vai permitir que as empresas estrangeiras voltem ao Brasil com os seus empregados ou pagando uma miséria à nossa mão de obra) e com os direitos e garantias individuais arduamente conquistados com a redemocratização. Há outra semelhança: pretende-se acabar também com um partido político, como ocorreu na Itália (Partido Socialista Italiano). A corrupção, ao contrário do que muitos pensam, não é um problema do Sistema Jurídico, mas do Sistema Político e do Sistema Econômico, daí porque serem fundamentais reformas políticas e econômicas. O neoliberalismo é perverso e o nosso modelo político favorece a corrupção. O resto é engodo para derrubar Presidente da República legitimamente eleita e para atender aos interesses externos.
Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.
Como foi amplamente noticiado pela imprensa, acabou de ser concedida a liberdade provisória a um casal de réus, com arbitramento de fiança, na chamada Operação Lava-Jato que, como o próprio nome indica, deseja fazer uma “limpeza” ou uma “lavagem” moral no Brasil. Acho até que, talvez, o que se queira mesmo é fazer uma limpeza em si mesmo (Freud explica). Como a repressão é tremenda (e o inconsciente acaba quase sempre vencendo), cuidemos dos outros. Assim, ficamos em paz com o nosso consciente e, de quebra, ainda recebemos prêmio da Rede Globo e aparecemos em manchetes de jornal. Tudo muito bom, portanto. Só não tem nada a ver com Processo Penal. Tem a ver com a psicanálise!
Segundo a imprensa, o Juiz Sérgio Moro “fez duras críticas ao ´álibi` do casal nas ações penais“. Penso até que ele usou o significante sem saber mesmo o seu significado técnico-jurídico (eu até o perdoaria, se se tratasse do padeiro aqui ao lado de minha casa, que não é Juiz de Direito e não dá palpite quando não entende do assunto. É um sábio.).
Também o Juiz afirmou tratar-se de “uma trapaça que não pode ser subestimada“, devendo ser censuradas em ambos os acusados (que serão julgados por ele, pasmen!) “a naturalidade e a desfaçatez com as quais receberam, como eles mesmo admitem, recursos não-contabilizados.”
Em um claro pré-julgamento esse arremedo de Juiz de Direito (pois não demonstra ser um Magistrado imparcial), afirma que o (tal) álibi “não é provavelmente verdadeiro e ainda que o fosse não elimina a responsabilidade individual.”
Não contente em dizer tantas asneiras, o Juiz Sérgio Moro faz uma comparação absolutamente impertinente, digna de um neófito em Direito: “Se um ladrão de bancos afirma ao Juiz como álibi que outros também roubam bancos, isso não faz qualquer diferença em relação a sua culpa.” Que brilhante!
Por fim, uma última pérola do Magistrado incompetente (nos termos do art. 70 do Código de Processo Penal): “É possível reconhecer, mesmo nessa fase, que, mesmo se existente, encontra-se em um nível talvez inferior da de corruptores, corrompidos e profissionais do crime.” Enfim, já estão todos condenados, ou como corruptores ou como corrompidos. E o que seriam mesmo “profissionais do crime“? Veja, ele próprio é um profissional do crime, ou não? Não é um Juiz criminal? Eu, por exemplo, Procurador de Justiça criminal, sou um profissional do crime, pois dedico boa parte do meu tempo e do meu estudo ao estudo do … crime. E ganho uma fortuna com isso.
Não é possível que o Supremo Tribunal Federal, quando instado a fazê-lo, não reconheça que o Juiz Moro está ultrapassando todos os limites. Óbvio que não espero de Gilmar Mendes qualquer decisão nesse sentido, pois de imparcialidade ele entende tão pouco como Moro. Tampouco vou fazer referência ao Conselho Nacional de Justiça, pois, afinal de contas, é órgão de controle externo e não um Colegiado com competência para ensinar Juiz a trabalhar (e não para que não cometam asneiras processuais – o mesmo vale para o Conselho Nacional do Ministério Público).
Será que há alguma dúvida quanto à parcialidade do Magistrado de Curitiba? Acho que não precisa ser nenhum “calouro” do curso de Direito. Diante desse tipo de declaração (infeliz, despropositada, impertinente e, sobretudo, burra – porque sujeita a uma forte contestação na Superior Instância), haverá alguma dúvida que o casal “beneficiado” pela concessão da fiança já está condenado? Aqui a defesa fará um mero papel decorativo, salvo se o Supremo Tribunal Federal tiver a coragem (que eu duvido!) de lhe afastar por suspeito de julgar o processo.
Aliás, o Juiz Sérgio Moro, que no caso Banestado já havia demonstrado seus pendores para acusador e sua incapacidade para presidir um processo complexo e de apelo midiático, neste caso da Lava-Jato comete erros a mancheias, cada vez mais grosseiros e recorrentes.
São vários, a começar por se arvorar Juiz competente para processar e julgar todo e qualquer caso penal relativo à corrupção que envolva a Petrobrás, independentemente do local onde o suposto crime tenha se consumado, afrontando as regras impostas pelo Código de Processo Penal (o art. 70, acima referido). Ele sustenta uma conexão processual entre inúmeros crimes e dezenas de acusados, fenômeno jurídico nem sempre existente, usurpando a competência de outros Juízos federais. Outro absurdo que esse Magistrado pratica é o abuso na decretação de prisões preventivas e temporárias, com fundamentações muitas vezes genéricas, quando sabemos que as prisões provisórias – anteriores a uma sentença condenatória definitiva – devem ser decretadas excepcionalmente. O Juiz Sérgio Moro, ao contrário, transformou em regra o que deveria ser uma exceção, o que é um retrocesso em relação à Constituição Federal. E o mais grave: tais prisões, revestidas de uma suposta legalidade, são decretadas, na verdade, na maioria das vezes, com uma finalidade: coagir o preso, ainda sem culpa certificada por uma sentença condenatória, a delatar. Isso é fato e é gravíssimo. Deixa-se o investigado ou o réu preso durante meses, trancafiado em uma cela minúscula, praticamente incomunicável, sem que se demonstre legalmente a necessidade da prisão, pressionando-o a firmar um “acordo” de delação. Ora, quem não se submeteria? E quem não falaria o que os inquisidores queriam? Isso é muito complicado. A Lei nº. 12.850/13, que trata da delação premiada, exige expressamente a voluntariedade do delator. Será mesmo que estas delações que estão sendo feitas em Curitiba são voluntárias no sentido próprio do vernáculo? Se não o são, até que ponto podem ser críveis? Vejam os benefícios que estes delatores estão tendo em relação às suas penas. Sem falar em outros que sequer estão previstos em lei, contrários à lei, inclusive.
O Juiz Sérgio Moro deslumbrou-se! Muito difícil para um jovem não sucumbir a tantos holofotes e ao assédio da grande mídia e de parte da população, especialmente da classe média, da qual ele faz parte. Mas, isso não o isenta e a História não o perdoará, ao contrário do que ele e muitos acreditam. Assim, ficou difícil impedi-lo de tais abusos. Tudo que ele faz, todas as suas decisões têm uma presunção de legalidade e de justeza, o que é um equívoco, obviamente. Como frear um “salvador da pátria”, o redentor! E é óbvio que assim o sendo, a tendência é que as decisões do Juiz Sérgio Moro sejam confirmadas pelos demais órgãos do Poder Judiciário que, muitas vezes, não ousam ser contra majoritários, como tinham que ser em uma República e em um Estado Democrático de Direito. O Magistrado, ao contrário do que já se disse, não tem que decidir conforme “a voz das ruas” ou para atender ao clamor popular. Isso é pura demagogia e, portanto, inaceitável. Magistrado tem que ter compromisso, exclusivamente, com a Constituição Federal, isso é o que o legitima, já que ele não tem a legitimidade popular. Os Juízes brasileiros têm que ter essa consciência: como eles não são votados, a sua legitimidade decorre da fundamentação de suas decisões e tal fundamentação, por sua vez, decorre da observância das leis e das regras e dos princípios constitucionais. Passar em um concurso público, marcando um “x” e discorrendo sobre a doutrina do jurista “A” ou “B” ou sobre o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal sobre tal ou qual matéria, não lhes dá nenhuma, absolutamente nenhuma, legitimidade constitucional para exercer a sua jurisdição. Neste sentido, considero que, ao ratificarem as decisões do Juiz Sérgio Moro, todas as demais instâncias do Poder Judiciário brasileiro, inclusive o Supremo Tribunal Federal, cometem abusos. E, repito: a História não os perdoará!
Os impactos dessa Operação Lava-Jato serão desastrosos. Aliás, já estão sendo. Cada decisão do Juiz Sérgio Moro, devidamente “chancelada” pelos Tribunais e, por fim, pelo Supremo Tribunal Federal (que nem sempre decide contra majoritariamente, como deveria ser) passa a servir de paradigma para outras decisões de Juízes em todo o Brasil. Se um sujeito processado na Operação Lava-Jato passou um ano preso até delatar, e o Supremo Tribunal Federal nada fez, o Juiz de Direito de Cícero Dantas, aqui no Sertão da Bahia, também vai se sentir no direito de fazer o mesmo. É essa também a minha preocupação. Esse sujeito é que vai ficar esperando preso dois anos por uma sentença, mesmo porque, muitas vezes, nem tem Juiz na Comarca para julgá-lo e ele fica esquecido na Delegacia de Polícia, porque, aliás, também não tem Promotor de Justiça nem Defensor Público. A Justiça Estadual brasileira é um caos! É outro mundo. Não tem Magistrados suficientes, nem membros do Ministério Público. Quanto à Defensoria Pública, melhor nem falar (com relação a ela, os Estados não têm o menor interesse em aparelhá-la, afinal de contas, elas cuidam dos necessitados). Não há, sequer, funcionários. A Justiça Comum Estadual não funciona. Finge-se que trabalha. Sugiro que o Conselho Nacional de Justiça faça uma inspeção nas Comarcas do interior do Brasil, não nas grandes cidades e não somente nas Corregedorias dos Tribunais. Pergunte aos cidadãos o que eles acham do serviço prestado pelo Judiciário nestas pequenas e médias cidades. Sugiro o mesmo para o Conselho Nacional do Ministério Público. Mas, o que tem isso a ver com a Operação Lava-Jato? Tem tudo a ver, sabe porquê? Por que a “República de Curitiba” não é a República do Brasil. Esta existe e é formada por uma Nação: o povo brasileiro.
Claro que a prática de um delito exige a punição pelo Estado (até que se encontre algo mais humano para se fazer com quem o fez e se procure entender porquê o fez), mas não se pode punir a qualquer custo. Há regras a serem observadas. Regras e princípios constitucionais. E no Brasil, hoje, isso não ocorre. E a Operação Lava-Jato é um exemplo muito claro disso. Vivemos um verdadeiro período de exceção. Hoje, não há Estado Democrático de Direito. Isso é balela! Conduz-se coercitivamente que não pode sê-lo. Invade-se domicílio que não pode ser invadido. Determina-se interceptações telefônicas de quem não pode ser interceptado. Prende-se quem tem imunidade constitucional. Ministro da Suprema Corte dá declarações em relação a processos que serão julgados pela Corte Constitucional (inclusive de natureza político-partidária, como Gilmar Mendes). Aqui faz o que o Judiciário quer ou o que o Ministério Público pede. Dane-se a Constituição Federal! Estamos vivendo dias verdadeiramente sombrios. A nossa única esperança, que era o Supremo Tribunal Federal, virou uma desesperança. Apelar mais para quem? Isso sem falar na pauta conservadora que assola o País. Vejamos, por exemplo, o prestígio de um Bolsonaro, um homem que não se envergonha de fazer homenagens a um torturador e menospreza uma conduta tão violenta quanto o estupro. Bem, mas aí é outro assunto.
Eu até acho que a Operação Lava-Jato pode estar perto do fim. Depende do desfecho do processo de impeachment da Presidente Dilma. Se ela, efetivamente, for derrubada pelo Senado, acho que a Operação Lava-Jato acaba. Se não, acho que continua. Tem que continuar, não é? Afinal de contas, o Juiz Sérgio Moro estudou bastante nos Estados Unidos e aprendeu muito a combater a corrupção e ele tem se mostrado um aluno bem disciplinado. Na verdade, o pessoal da de Washington, D.C. não estava nada satisfeito com essa história do pré-sal, do fim das privatizações, etc. Ele estava mesmo interessado em destruir as empresas concorrentes brasileiras (como a Petrobrás e as empresas de construção civil, mundialmente conhecidas e concorrentes), preocupados com a pauta social distante dos princípios neoliberais, contrariados com a independência dos BRICS, etc. Eles são implacáveis. Eles estão sempre em guerra. E nem sempre usam as mesmas armas.
Por fim, recordo da Operação Mãos Limpas, na Itália. Lá, como aqui, pretendeu-se acabar com a corrupção e, tal como na Itália (um dos Países mais corruptos do mundo, que o diga Berlusconi, filhote da Operação Mãos Limpas), a Operação Lava-Jato não vai acabar com a corrupção, muito pelo contrário. Se ela vai acabar com alguma coisa é com algumas das maiores empresas brasileiras (e, consequentemente, com o emprego de nossos trabalhadores – o que vai permitir que as empresas estrangeiras voltem ao Brasil com os seus empregados ou pagando uma miséria à nossa mão de obra) e com os direitos e garantias individuais arduamente conquistados com a redemocratização. Há outra semelhança: pretende-se acabar também com um partido político, como ocorreu na Itália (Partido Socialista Italiano). A corrupção, ao contrário do que muitos pensam, não é um problema do Sistema Jurídico, mas do Sistema Político e do Sistema Econômico, daí porque serem fundamentais reformas políticas e econômicas. O neoliberalismo é perverso e o nosso modelo político favorece a corrupção. O resto é engodo para derrubar Presidente da República legitimamente eleita e para atender aos interesses externos.
Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.