MPF vai pra cima do Ministro (sic) do Trabalho
Criador, ao fundo, e criatura: por que investigar trabalho escravo? (Reprodução/Repórter Brasil)
Do Ministério Público Federal:
O Ministério Público Federal no DF (MPF/DF) propôs à Justiça ação de improbidade administrativa contra o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira de Oliveira. A atuação dele – de forma deliberada em desrespeito às normas legais – resultou no enfraquecimento das estruturas e serviços públicos de fiscalização e combate ao trabalho em condição análoga à de escravo e no desmonte da política pública de erradicação do trabalho escravo. Assinam a ação as procuradoras da República Ana Carolina Roman, Anna Carolina Maia, Marcia Brnadão Zollinger, Melina Castro Montoya Flores e o procurador da República Felipe Fritz Braga.
Desde que foi nomeado para o cargo, em 12 de maio de 2016, tomou inúmeras medidas administrativas para, de algum modo, enfraquecer a política pública de erradicação do trabalho escravo, dentre elas: a contenção das atividades do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) e da fiscalização do trabalho; a negativa de publicidade da lista suja do trabalho escravo e esvaziamento das discussões da Conatrae; e a publicação da Portaria nº 1.129/2017.
Para os procuradores, não há que se falar em aprimoramento do Estado brasileiro, muito menos em segurança jurídica, quando o conceito de trabalho escravo, os efeitos da lista suja e a fiscalização do trabalho são restringidos. “O que se vê, claramente, é um grave retrocesso social”, afirmam.
Grupo Móvel – Criado em junho de 1995, tornou-se referência internacional em matéria de enfrentamento ao trabalho escravo, sendo considerado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como a base de toda a estratégia de combate ao trabalho escravo. Já resgatou cerca de 50 mil trabalhadores. Também é responsável por garantir aos trabalhadores resgatados o pagamento do Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado (GSDTR), a proteção temporária em abrigos, capacitação profissional e inclusão deste público nos projetos do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico).
A ação aponta que o ministro, de forma omissa e deliberada, deixou de repassar os recursos orçamentários necessários para o desempenho das operações do GEFM, apesar do compromisso de incrementar em 20% as ações planejadas de inspeção previsto no Plano Plurianual da União (PPA). Em 2015, foram 155 operações; em 2016, 106; e em 2017 há registro de apenas 18 operações realizadas pelo grupo. Por isso, ele é acusado de improbidade administrativa (art. 11 da Lei nº 8.429/19912).
Segundo Ana Roman, a manutenção das atividades do Grupo Móvel, como eixo central da política pública de erradicação do trabalho escravo, é dever que se impõe ao ministro do Trabalho, a fim de se evitar um retrocesso social.
Lista suja – Uma das medidas mais emblemáticas e eficazes no combate à escravidão contemporânea adotada em 2003, é resultado de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, que colocou o país como referência na luta global contra o trabalho forçado. Estar na lista suja significa restrição de crédito e da própria atividade comercial. Além de ser uma medida de transparência, configura-se em instrumento inibidor da prática e de proteção àqueles que se encontram em vulnerabilidade econômica e social.
Em março deste ano, completaram-se dez meses de conduta omissa do ministro para retardar a divulgação do cadastro, a despeito do dever jurídico imposto pela Portaria Interministerial MT/MMIRDH nº 4/2016. Nesse período, uma ação do Ministério Público do Trabalho e uma recomendação do Conselho Nacional dos Direitos Humanos não foram suficientes para promover a divulgação. Ao contrário, em dezembro de 2016, o ministro editou a Portaria nº 1.429, a qual instituiu grupo de trabalho para dispor sobre as regras relativas à lista suja. “Claramente a criação do referido GT teve caráter protelatório. Já havia a portaria interministerial disciplinando o assunto”, afirmam Anna Maia.
Segundo a ação, a criação do GT também teve o intuito de afastar as principais instituições responsáveis por debater as políticas públicas voltadas ao assunto, a exemplo da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae). Isso permitiu a elaboração de novas normas sem a participação e acompanhamento dos especialistas e técnicos ligados ao tema, bem como manter sob supervisão direta do ministro as discussões.
“Apenas no final de março de 2017 – após quase um ano de injustificada omissão e, mesmo assim, somente por força de decisão judicial – o Ministério do Trabalho publicou o cadastro de empregadores envolvidos com a submissão de pessoas a condições análogas às de escravo”, argumentam as procuradoras. Ainda assim, o cadastro, publicado em 23 de março, com 85 empregadores, foi retirado ao ar e, duas horas depois, voltou com apenas 68 nomes, cuja diminuição da lista não contou com respaldo técnico da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae). Por retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, o ministro é acusado de improbidade administrativa.
Portaria 1.129/2017 – Editada em 13 de outubro deste ano sem consulta às áreas técnicas, a portaria dispõe sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo para fins de concessão de seguro-desemprego a pessoas resgatadas em fiscalizações do Ministério do Trabalho. Reduziu o conceito de trabalho em condições análogas às de escravo por considerar apenas a atividade que for exercida com violência ou restrição à liberdade de locomoção. Atualmente, o conceito, estabelecido no Código Penal, abrange as hipóteses de submissão a trabalhos forçados, jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho e restrição da liberdade do trabalhador – que são as formas contemporâneas de trabalho escravo.
O conceito previsto em lei busca proteger a dignidade do trabalhador, evitar sua objetificação, enfrentando a questão além da restrição física da liberdade, como as precárias de alojamento, fornecimento insuficiente ou inadequado de alimentação ou água potável, maus-tratos, violência psicológica, precarização da saúde, aliciamento de trabalhadores e exploração do trabalhador migrante, retenção de salário como forma de reter o trabalhador, isolamento geográfico, servidão por dívida, entre inúmeros outros aspectos.
A portaria condiciona a autuação das infrações à descrição detalhada que aponte, obrigatoriamente: a existência de segurança armada diversa da proteção ao imóvel; o impedimento de deslocamento do trabalhador; a servidão por dívida; e a existência de trabalho forçado involuntário pelo trabalhador. O auto de infração ainda deve conter o boletim de ocorrência lavrado pela Polícia Federal, que não utiliza esse instrumento e nem sempre está presente em todas as fiscalizações. Ou seja, a portaria restringe o poder de polícia administrativa dos auditores-fiscais do trabalho, que podem exercer a fiscalização em qualquer estabelecimento, independente de mandado judicial.
A portaria também estabelece que a inscrição do empregador na lista suja, bem como a divulgação, fica a critério do ministro do Trabalho. Há, nesse caso, violação ao princípio da impessoalidade. Prevê ainda, no parágrafo único do art. 5º, mecanismo que permite retirar do cadastro os empregadores que tenham sido autuados antes da publicação da portaria, configurando em verdadeira anistia.
O retrocesso imposto pela portaria abordou a possibilidade de celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou de acordo judicial com empregadores sujeitos a constar da lista suja, ao excluir a necessidade de ciência ao MPT dos termos firmados, ao excluir a previsão acerca dos compromissos que deveriam ser assumidos pelo empregador, ao revogar a publicidade do TAC e ao permitir que empregadores, mesmo reincidentes, possam firmar novos acordos.
Segundo a ação, a tônica de todo o teor da Portaria nº 1.129 é reduzir o alcance dos efeitos administrativos adversos aos empregadores que submetem trabalhadores a condições análogas à de escravo. A portaria cria requisitos não reconhecidos pela legislação ordinária ou jurisprudência do tema, revoga dispositivos da Portaria Interministerial e ainda nega benefícios de seguro-desemprego a inúmeros trabalhadores resgatados em situações degradantes e torna remota a possibilidade de inclusão de empregadores na lista suja. O ministro não poderia revogar unilateralmente dispositivos de portaria conjunta.
Para os procuradores da República, a edição da portaria pelo ministro tive o objetivo de atender os interesses da bancada ruralista do Congresso Nacional, de forma a influenciá-los na votação oferecida pelo então procurador-geral da República contra o Presidente da República Michel Temer e outros Ministros de Estado, inclusive o chefe da Casa Civil.
Violações – A gestão do ministro à frente do Ministério do Trabalho violou diversos princípios da administração: moralidade pública e administrativa, impessoalidade, legalidade, eficiência, publicidade, interesse público. Houve também ofensa à cidadania, à dignidade da pessoa humana, aos direitos fundamentais, além dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa previstos na Constituição.
Para os procuradores, o ministro atuou - ainda que por uma insistente omissão – de forma deliberada e suas ações não foram pontuais e não decorreram de manifestações isoladas da administração pública, não podendo ser percebidos como meras irregularidades apartadas. “Tratam-se de ilegalidades conectadas pela gestão do ministro do Trabalho e voltadas a uma mesma finalidade que não é o interesse público, mas impor o retrocesso na política pública de erradicação ao trabalho em condição análoga a de escravo, em prol de alguns poucos interesses privados”, concluem.
Pedidos – A ação pede a condenação do ministro às sanções civis e políticas previstas no artigo 12, inciso III, da Lei nº 8.429/1992, que são: ressarcimento integral do dano; perda da função pública, se houver; suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos; pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente; e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.