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Nassif: Lava Jato é a ultradireita bolsonarista

Operação vai mais além das arbitrariedades do regime militar
publicado 08/03/2020
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(Créditos: Lézio)

O jornalista Luis Nassif, do GGN, é preciso e perspicaz com a História do Brasil, especialmente na Política. E ao se tratar da Lava Jato, Nassif em suas análises traz o texto e o contexto das arbitrariedades da operação, e sempre afirmativo na contribuição que o site The Intercep Brasil revelou sobre o tema. Sem tatear, Nassif diz que a Lava Jato transformou-se em mera bandeira para militância digital de ultradireita, à direita do próprio bolsonarismo, e nos seus desdobramentos, Jair Bolsonaro – o grande contemplado.

Nassif assevera: “A reação da Lava Jato foi de uma violência típica dos regimes ditatórias – e bem de acordo com o pensamento do presidente que ela ajudou a eleger: denunciou Pedro Serrano, um dos mais respeitados constitucionalistas brasileiros, por tentativa de obstrução da justiça.

A Vazajato divulgou que o compartilhamento de mensagens sinalizou que Deltan Dallagnol foi avisado das irregularidades em curso feitas, e continuou nelas.

Por Luis Nassif:

Agora, o sonho da Lava Jato institucionalmente acabou. Tornou-se apenas bandeira para uma militância digital de ultradireita, à direita do próprio bolsonarismo. Bolsonaro, o grande beneficiado, através do Procurador Geral da República Augusto Aras, reduziu o combustível que alimentava a fogueira. Ao mesmo tempo, o substituto de Sérgio Moro, juiz Luiz Antônio Bonat, é duro nas sentenças, mas legalista. E os arremedos de estrelismo da juíza substituta Gabriela Hardt  se esgotaram com a própria mediocridade das sentenças e do seu protagonismo midiático.

Depois da Vazajato, seu grande parceiro, a mídia, mantém um silêncio obsequioso em relação a esse esvaziamento. Provavelmente, hoje em dia, pensaria duas vezes antes de dar visibilidade à manipulação das delações e das narrativas, como ocorreu em todo o período.

O inventário dos abusos começou com a Vazajato, mas está longe de terminar.

Em 2016, em solenidade na OAB, de homenagem aos advogados que atuaram na defesa dos presos políticos da ditadura, o advogado Técio Lins e Silva alertou:

Nessa rememoração do passado, faço um desabafo: naqueles tempos nós éramos recebidos por todos os ministros dos tribunais militares, não tínhamos quaisquer dificuldades de falar com auditores. Hoje, qualquer ligação pode ter um grampo, isso quando somos atendidos. O habeas corpus que nos foi retirado naquela época, hoje encontra limitações insuportáveis. São as mesmas dificuldades do exercício do direito de defesa, mas sob outras vestimentas.

Nenhum dos abusos superou as denúncias da Lava Jato contra o advogado constitucionalista Pedro Serrano.

A legislação em vigor obriga que toda a cooperação internacional seja formalizada através do DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional) do Ministério da Justiça. Uma das peças da defesa dos réus era procurar demonstrar irregularidades nos procedimentos.

Advogado da Odebrecht no campo civil, Pedro Serrano foi até o Ministério da Justiça atrás de informações sobre a remessa dos sistemas de computação da Odebrecht que estavam armazenados na Suíça. Havia suspeitas fundadas de que a Lava Jato recebeu antes da formalização do acordo, escondeu dos advogados de defesa e, pior, havia suspeitas de que teria adulterado o conteúdo.

A reação da Lava Jato foi de uma violência típica dos regimes ditatoriais – e bem de acordo com o pensamento do presidente que ela ajudou a eleger: denunciou Pedro Serrano, um dos mais respeitados constitucionalistas brasileiros, por tentativa de obstrução da justiça.

Valeu-se do recurso corriqueiro de manipulação da narrativa. Os procuradores obtiveram do executivo Marcelo Odebrecht a explicitação da estratégia de defesa – justamente a de procurar demonstrar a ilegalidade cometida nas provas com os sistemas operacionais da Odebrecht. Era uma estratégia legal, válida. Mas trataram de conferir o tom de conspiração, devido às ligações anteriores de Serrano com o Ministro da Justiça José Eduardo Cardoso. Depois, juntaram artigos jornalísticos, nos quais Serrano criticava a Lava Jato, para reforçar a tese de tentativa de obstrução. Enquadraram como crime a liberdade de expressão.

Serrano esteve com Cardoso em agenda pública, registrada, fez os pedidos que o Ministro teria obrigação de atender, e não foi atendido. Teve que recorrer a outros instrumentos legais para obter as informações.

A narrativa da Policia Federal e do MPF foi outra:

A troca de mensagens divulgada pela Vazajato mostrou que Deltan Dallagnol foi alertado pelas irregularidades que estavam sendo cometidas, e perseverou nelas. Segundo reportagem da mesma UOL que, acima, endossou a versão da Lava Jato:

“Em 10 de março de 2015, Dallagnol é alertado pelo procurador regional da República Vladimir Aras —que comandava a SCI (Secretaria de Cooperação Internacional) do MPF— sobre o risco de cometer violações ao usar informações passadas por autoridades de Mônaco à revelia do DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional), órgão do Ministério da Justiça que atua como autoridade central em grande parte das cooperações do Brasil como outros países. No diálogo, Dallagnol expõe o ponto central do que seria a “lavanderia de provas” que havia criado: usaria as remessas informais de informações do exterior para sustentar o ritmo acelerado de operações”.

Ou seja, cometeu flagrantemente uma ilegalidade, mesmo tendo sido alertado pelo colega responsável pela cooperação internacional. E quando os advogados dos réus foram atrás de informações sobre as ilegalidades cometidas, manipularam uma delação e denunciaram os advogados por tentativa de obstrução da Justiça.

Provavelmente, nem na pior fase da ditadura se recorreu a tal expediente.

No final do ano passado, o Ministro Gilmar Mendes ordenou ao juiz da Lava Jato que trancasse as investigações contra Serrano.

Esta semana, a 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 1ª Região entendeu que o Ministério Público Federal é obrigado a fornecer à defesa documentos sobre investigações em cooperação jurídica internacional entre Brasil e Suíça, mesmo em casos sigilosos ou que envolvam diligências feitas pelo país europeu.

Tratava-se de outro caso, de um empresário ligado ao PSDB mineiro, mas baseou-se na Súmula Vinculante 14 do Supremo. E tirou o tema do TRF4, tribunal que passou a atuar ostensivamente em apoio a todos os atos da Lava Jato.

“Configura-se em omissão ilegal do magistrado não determinar que o MPF ou o DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional) confiram acesso ao impetrante à parte da cooperação com a Suíça sobre os motivos que levaram o governo daquele país a bloquear os bens do impetrante. Aqui, não há que se falar em sigilo total do referido termo de cooperação jurídica internacional ao argumento de não estar finalizado, ou pendente homologação de termo de colaboração premiada ou haver diligências pendentes. Por óbvio, as diligências pendentes não serão reveladas ao impetrante, bem como os eventuais termos de colaboração premiada pendentes de homologação. Todavia, é imperiosa a liberação dos documentos já encartados que digam respeito ao bloqueio de bens de Thiago Brugger da Bouza pelo governo da Suíça, sob pena de mácula à Súmula Vinculante n. 14 do STF”, disse na decisão.

A Sumula 14 é de 2009, antes que Luis Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin e Luiz Fux implantassem o estado de exceção na corte:

Súmula Vinculante 14

É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos
elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório
realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao
exercício do direito de defesa.

Data de Aprovação

Sessão Plenária de 02/02/2009

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