Nassif: o Brasil espera pelo momento de sair da hibernação
(Divulgação/Governo de São Paulo)
Por Luis Nassif, no GGN - Terminou o que poderia ter sido o pior ano da vida do país. Provavelmente outros piores virão.
Meses atrás me convidaram para entrar em um grupo de Amigos de Poços de Caldas, quase 7 mil pessoas e, surpreendentemente, muitos do meu tempo e da minha geração. Um grupo agradabilíssimo, porque se proibiu qualquer referência à política.
Alguns deles fizeram parte do êxodo mineiro dos anos 70, radicando-se nos Estados Unidos. São os mais apegados à terra brasilis. Colecionam fotos antigas da cidade, fotos de amigos, bebem cada informação sobre a terra com a sofreguidão dos náufragos de país.
E aí me pergunto: um país que provoca tanta saudade assim nos seus, mesmo nos que foram buscar fora daqui as oportunidades negadas, vai regredir, se tornar refém de fundamentalistas pirados, ser dominado por milícias e integralistas da era da pedra lascada?
Jamais. Este país tem história, tem valores que foram transmitidos a uma elite familiar, e não se confunda com elite sócio-econômica, mas os brancos, os portugueses, os negros, índios, quilombolas, os turquinhos, italianinhos, judeus, polacos, alemães, franceses, japoneses de todas as extrações sociais, cada qual em seu círculo consolidando a ideia de brasilidade, impondo suavemente as regras sociais sobre a malta que, durante algum tempo, submergiu, dando a impressão de ter se tornado fantasmas do passado.
O país civilizado não morreu. E deixa saudades. Não a saudade dos que não esperam o retorno, mas a saudade dos que o têm vivo na memória e na esperança de um retorno.
Os violentos de nascença não tem remédio. Mas há uma legião de desinformados que resolveu tomar o porre da violência, como viciados em drogas ou pornografia. Enquanto a liberação das drogas reduz a violência, essa liberação dos limites sociais trouxe o ódio.
Antes, os avanços da civilização tornaram proibitivos acessos de violência em ambientes públicos, ofensas gratuitas, a solução de conflitos pessoas ou políticos a bala. Foram tempos em que a educação, o conhecimento, o respeito a terceiros eram atributos que conferiam status aos seus praticantes. E criavam complexos de inferioridade nos brutos, nos que só dispunham da grosseria como forma de comunicação e da violência como forma de participação.
Hoje em dia, o país é comandado por milicianos. Mas a pátria vive, acorrentada, humilhada, mas viva.
E, de repente, me dá vontade de beijar os olhos de minha pátria, de mimá-la, como disse Vinicius de Moraes no imortal “Pátria Minha”, a pátria que floresceu longe dos palácios do Rio e de Brasília, que se fez pátria em tantos cantos do país, que germinou na mais bela música do planeta, que se fez democrática nos botecos da vida, a música que permitiu, ainda nos anos 20, os filhos da elite rural, na Semana de 22, entenderem que havia um país vivo, por baixo do mofo dos salões.
Minha pátria imortal apenas dorme, entorpecida pelos brutos que escaparam da jaula quando uma elite corrupta desmoralizou a política, e outra elite corrupta montou operações supostamente moralistas, oportunistas, malandras, para destruir qualquer sentimento de brasilidade, qualquer sinal da solidariedade que é o cimento que une pessoas na construção de um país. Minha pátria vive em cima dos escombros das instituições falidas, de todas elas, da política, da jurídica, da midiática, da empresarial, da militar.
Minha pátria resiste na lembrança da mão quente de minha mãe me acariciando o rosto, nos cuidados dela e de meu pai com os filhos. Nas músicas que ela cantava para os filhos, e que passamos a cantar para nossos filhos, que as cantarão para nossos netos. São as lembranças da amabilidade dos nossos pais, das conversas com vizinhos, das reuniões em torno de pais e avós nas datas comemorativas. E a lembrança da emoção que sentiram quando o Brasil rompeu as amarras da inferioridade e se tornou campeão no futebol. Era a construção do orgulho nacional, de um país que mal saia da infância, e se fortalecia com a beleza de Marta Rocha, os feitos de Pelé, Eder Jofre, Mequinho, Maria Esther Bueno. Era o país que se orgulhava do internacionalismo do Rio de Janeiro e suas bossas novas, e das canções que brotavam do fundo da terra.
Este país não morreu. Apenas aguarda o momento em que sairá da longa hibernação.
Quando renascer, terá de mãos dadas os empreendedores de startups e os empreendedores sociais do MST e do MTST, a modernidade sadia dos mercados, não esta que suga os recursos do país, e a pujança dos pequenos negócios, o agronegócio e a agricultura familiar.
Levarei meus últimos anos sonhando com este país, lutando pela busca da utopia que nunca se realizou, da primeira nação democrática e igualitária dos trópicos.
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