O motim é a política do Estado policial
(Reprodução/Tijolaço)
Por Helena Chagas, do blog Os Divergentes - Pode-se apontar a família Gomes como chegada a certos destemperos, e até se considerar exagerado o ato do senador Cid Gomes de subir numa retroescavadeira e invadir o batalhão de PMs amotinados. Mas seu irmão, Ciro Gomes, está coberto de razão ao responsabilizar o governo Bolsonaro pelo estado de coisas que levou um bando de policiais mascarados a disparar tiros a esmo. A bala que hoje está alojada no pulmão do senador poderia tê-lo matado – a ele ou a qualquer das pessoas ali presentes. O que se destaca no episódio é a autoconfiança dos participantes de uma greve ilegal, agindo como se o país não tivesse nem governo nem Constituição.
O que se ressalta, acima de tudo, é a incapacidade dos poderes constituídos de fazer cumprir a lei e a mensagem dúbia que é passada pelo próprio presidente da República. Jair Bolsonaro assinou o decreto de garantia da lei e da ordem e mandou o Exército para o Ceará, mas ao mesmo tempo defendeu o excludente de ilicitude para os militares que, neste conflito, matassem alguém.
Faltou pouco para Bolsonaro defender sua aplicação aos PMs que atiraram em Cid Gomes, caso ele tivesse morrido. E ainda disse que “aquele cara lá” (o baleado) não agiu corretamente. Se agiu ou não agiu corretamente, nada justifica que tenha sido atacado a balas por PMs mascarados.
O episódio, que pode se estender a outros estados, mostra que o país começa a entrar perigosamente naquele ponto em que se transforma em Estado policial. Enaltecidos pelo poder federal, ganhando a cada dia mais favores e benesses, os militares abriram o caminho da supervalorização para as forças de segurança. PMs se sentem fortalecidos por Bolsonaro para fazer greves e encarar a briga com os governadores dos estados – aqueles que, em tese, deveriam ser seus comandantes.
A banalização do uso de armas – por militares e civis – é outro ingrediente perigoso introduzido pelo atual governo. E as primeiras escaramuças do Carnaval – normalmente uma festa pacífica – começam a mostrar isso.
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Em tempo: a propósito do artigo de Helena Chagas, vale a pena ler as observações de Fernando Brito, do Tijolaço:
Helena Chagas, n’Os Divergentes, toca na questão essencial para que se perceba o perigo da escalada de pressões das forças policiais, em várias partes do país, praticamente encostando na parede os governos estaduais para exigir vantagens em suas remunerações.
Não é o “primeiro capítulo”, pois antes já conseguira impor aos governos estaduais uma política de encobrimento dos abusos cometido por parte das forças policiais onde, 99% das vezes, a culpa das mortes fica na conta dos mortos.
Agora, porém, os grupos que se acostumaram a “tocar o terror” nas periferias e favelas parece disposto a usar o mesmo método em cidades inteiras, para cobrar ao Estado recompensa em dinheiro.
Mesmo depois de tudo o que ocorreu, um deputado bolsonarista diz que será recebido pelo Exército – que assumiu parte da segurança pública em Fortaleza, “para negociar”.
É óbvio que não pode haver negociação sem a volta da disciplina e do funcionamento normal.
Mas o que temos, diz bem Helena, é um presidente da República que, diante dos disparos de PMs encapuzados, defende “o excludente de ilicitude para os militares que, neste conflito, matassem alguém”.