O pau vai comer com a Privataria da Educação
O Golpe do Traíra na Educação, que o Paulo Pimenta chamou de autoritário (porque nasce de uma MP sem consulta popular), também é rejeitado pelos profissionais da área.
Menos de 24 horas depois de anunciado, o pacote de mudanças já gerou manifestações duras.
O Conversa Afiada reproduz as reações da Associação dos Professores do Paraná (APP - Sindicato) e da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped).
Primeiro, o manifesto da APP:
Reforma no Ensino Médio é um retrocesso
Uma Medida Provisória (MP) foi assinada nesta quinta-feira (22) pelo presidente Michel Temer, alterando conteúdo e método do Ensino Médio no Brasil. A MP já tem validade de lei, sem passar por nenhum tipo de votação no Congresso. Este é um instrumento com força de lei adotado pelo presidente da República para temas que considere de relevância e urgência. Esta nova configuração do Ensino Médio já vale para estudantes que ingressarem em 2018, ou seja, a partir de 2017 as escolas públicas de todo Brasil devem reformular a oferta do ensino.
A APP-Sindicato tem críticas contundentes a essa Medida Provisória, a começar pela imposição de uma determinação que não abriu espaço para qualquer tipo de debate com os(as) estudantes, educadores(as), comunidade escolar e sociedade em geral. Na última segunda-feira (19), o Grupo de Trabalho Educação, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, divulgou uma nota alertando riscos para uma medida “temerária e pouco democrática”.
A secretária Educacional da APP-Sindicato, professora Walkíria Olegário Mazeto, critica a absoluta ausência de debate, mostrando que a medida é totalmente autoritária. “O anúncio é de enxugamento de disciplinas e ‘flexibilização’. Essa reformulação apresentada pelo governo federal é um retrocesso, é uma mudança pra pior, tanto em seu conteúdo como em seu método. O que é apresentar uma mudança de reformulação no ensino médio por medida provisória? E o Ministério da Educação, em seu pronunciamento, dizer que ela foi amplamente debatida com os secretários estaduais de educação? Isso não é debater com quem vai, efetivamente, fazer o ensino médio. Professores, estudantes e as escolas que terão de ser alteradas pro ano que vem pra poder cumprir esta determinação não participaram de nenhum debate”, questiona.
Walkíria explica que o ensino médio, de 3 anos, será organizado por dois momentos diferentes. “Esta medida provisória apresenta que o ensino médio vai estar organizado agora com uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em 1 ano e meio, que ainda nem sequer está definida, que pode não ter as treze disciplinas que existem hoje. No outro 1 ano e meio, o estudante faz opção formativa. Ou seja, o estudante tem que definir o que vai cursar na universidade, pois esse segundo momento do ensino médio só permite uma área de atuação, como área de exatas ou humanas, por exemplo”, explica.
Isso significa que os(as) estudantes não terão acesso a todas as disciplinas, mas sim a áreas específicas. “Se o aluno decidir mudar de profissão, ele terá que voltar para o ensino médio e fazer as disciplinas da outra área, pois não terá conteúdo suficiente para enfrentar um vestibular de outra área de atuação, já que não teve acesso aos conteúdos no ensino médio”, defende Walkíria.
Um dos pontos da MP é o ensino médio em tempo integral no período diurno. “A gente não tem contrariedade quanto ao ensino integral, mas não concordamos com a forma imposta como está sendo feita. O governo está dizendo que será ampliado para 7 horas o ensino diurno. Hoje, boa parte dos alunos do ensino médio são trabalhadores e esse é um dos principais motivos da evasão do ensino médio. Além disso, o período noturno só pode ser frequentado por estudantes maiores de 18 anos, o que indica que muitos de nossos adolescentes não poderão estudar o dia todo por causa de seus empregos e não poderão estudar à noite por causa da idade”, comenta.
A educadora explica que existem pontos críticos e que devem prejudicar os(as) estudantes nesta determinação, veja:
– A determinação por Medida provisória, válida por 60 dias, prorrogável por mais 60. Após este período, pauta do Congresso é trancada e MP deve ser votada pelos(as) deputados(as), no Congresso Nacional.
– Divide o ensino médio em dois: um para a classe trabalhadora, com foco no mercado de trabalho, e outro para as elites. Mesmo que o governo afirme que essa determinação seja para o ensino público e privado, ficará a cargo de cada Estado regular a aplicação no ensino privado. Isso indica um ensino binário: conhecimento parcial para quem vai produzir no mercado de trabalho e ensino completo para quem pode pagar por ele.
– A Medida Provisória restringe o ensino – o que vai contra o Plano Nacional de Educação – que trazia a ampliação da educação pública. A educação ser modificada nesses moldes, no ensino médio, é impedir o ingresso do(a) estudante trabalhador de frequentar a escola. Educação integral deve ser começar pelas séries iniciais e não na fase de maior evasão escolar.
– Se os(as) estudantes decidirem mudar de área em que querem trabalhar no futuro – da qual estudaram disciplinas no ensino médio -, será necessário refazer as disciplinas não cursadas no último 1 ano e meio na escola. Isso deve acontecer porque o(a) estudante não terá tido acesso ao conhecimento amplo e, sim, específico para determinada área.
Agora, a manifestação da Anped, de 16 de setembro:
Com iminência de implementação de reforma curricular no Ensino Médio, pesquisadores apontam equívocos e retrocessos em retomadas que remontam aos anos 40
O Governo decide, até o fim da semana que vem, se envia ao Congresso Nacional medida provisória referente à reforma do Ensino Médio, segundo informações do Ministro da Educação (MEC), Mendonça Filho. (fonte - agenciabrasil) A partir do baixo resultado no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), o ministro afirmou que a situação da última etapa da educação básica é crítica e prioridade no momento. A meta esperada para 2015 nas escolas públicas era de 4,3, porém o índice ficou em 3,7.
A medida provisória aparece como uma opção para o ministro, em caso de dificuldade para aprovação do projeto de lei sobre a mesma temática, que já está em tramitação no Congresso. Para Paulo Carrano, professor na Universidade Federal Fluminense (UFF), 1º Secretário da ANPEd e pesquisador na área de educação e juventude, um resultado baixo no IDEB já era esperado pelas condições das escolas atualmente, mas ressalta que, apesar dessa nota, tal índice é apenas um dos parâmetros de qualidade e não deve ser absolutizado. “Agora, esta [proposta] do ministro querer resolver a qualidade da educação por decreto chega a ser risível. Mas, exemplifica o caráter autoritário deste governo que não aposta no princípio da formulação participativa das políticas públicas. A Medida Provisória exemplifica, neste caso, a ausência de legitimidade política dos que chegaram ao poder sem o voto popular."
A nova proposta prevê uma flexibilização do Ensino Médio - as disciplinas seriam organizadas por áreas de conhecimento, com todos os alunos frequentando um ano e meio de aulas comuns e, após esse período, podendo optar por áreas específicas de estudo ou iniciar um percurso de ensino técnico profissionalizante.
Em entrevista ao portal de notícias O Globo, a secretária-executiva do MEC afirma que é preciso fazer uma mudança estrutural na organização de todo o Ensino Médio. “Seria uma forma de estimular alunos a ter mais compromisso e vontade de aprender, com a possibilidade de itinerários formativos de acordo com suas aspirações. O mais importante é que o jovem, com a nossa proposta, terá a possibilidade de um duplo diploma: de ensino técnico e de ensino médio. Hoje, ele tem que cursar o ensino médio para depois fazer um técnico, ou então cursar o médio de manhã e o técnico à tarde.”
Para Dante Henrique Moura, professor no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), essa flexibilização está relacionada ao objetivo de baratear o ensino público, comprometendo a educação das classes mais empobrecidas do país. “Os que ocupam posição mais privilegiada na hierarquia socioeconômica nunca se submeteram nem se submeterão aos limites das reformas educacionais, como foi no caso da reforma promovida pela Lei n. 5.692/1971.”, relembra.
Ele afirma que a direção que o governo do Presidente Michel Temer está seguindo, não apenas na Educação, é um ataque aos direitos sociais e de subordinação aos interesses do mercado. “Não é à toa que no documento Ponte para o Futuro (que futuro?) está explícito que 'é necessário em primeiro lugar acabar com as vinculações constitucionais estabelecidas, como no caso dos gastos com saúde e com educação...'. Além disso, e de forma coerente com essa racionalidade, os discursos e ações do atual governo colocam a questão da desvinculação como medidas centrais, juntamente com a reforma da previdência que visa eliminar direitos da classe trabalhadora.”
Desde 2013, dois Projetos de Lei (6.840/2013 e o 5.115/2013) tramitavam no Congresso Nacional com objetivo de reformar essa etapa do ensino. Atualmente o PL 5.115/2013 foi apensado ao 6.840/2013, com o objetivo de alinhar o projeto de lei às diretrizes da Base Nacional para o Ensino Médio, que atualmente está em fase de construção.
Para diversos intelectuais, professores e pesquisadores da área, esses PLs representam um regresso de 40 anos na educação e comparam ao modelo instaurado na Ditadura da Era Vargas. Nomeado de Reforma Capanema, esse sistema se organizaria a partir de uma divisão econômico-social do trabalho. Os estudiosos ressaltam que a reforma afetará apenas a escola pública, com estes alunos sendo privados de um Ensino Médio completo, com todas as disciplinas e em seu caráter de unidade.
O professor Moura mostra preocupação com a dualidade estrutural do sistema acadêmico a partir da separação obrigatória do Ensino Médio e do Ensino Profissionalizante técnico de nível médio, resultado do PL 5.115/2013. “A proposta avança ainda mais, porque além de manter a vinculação do prosseguimento de estudos em nível superior à área do curso técnico cursado, restringe o acesso apenas aos cursos de graduação tecnológica, proibindo que os concluintes de cursos técnicos ingressem em cursos de licenciatura ou de bacharelado. Por esse aspecto, o retrocesso é, no mínimo, aos anos 1940.”
No início do ano, o MEC adiou a entrega da parte condizente ao Ensino Médio da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para março de 2017, que pela lei deveria ser entregue em junho deste ano. Isso ocorre devido a enxurrada de críticas à primeira versão do texto da BNCC, que apontaram incoerências na sua construção. A segunda versão já foi encaminhada ao MEC no final de agosto, construída a partir de um comitê gestor organizado pelo ministério, contando com consulta on-line (12 milhões de contribuições) e seminários estaduais realizados entre os dias 23 de julho e 9 de agosto. Contudo, para Dante a construção dessa reforma não dialoga de forma eficaz com os professores, que estariam “simplesmente alijados do processo em curso. Sequer os dirigentes das instituições educacionais da rede federal de EP e das secretarias estaduais de educação estão sendo comunicados do que está concebido”.
Como uma das justificativas para reforma, a secretária-executiva do MEC afirma que a maioria dos alunos saem da escola porque não veem sentido nela. “É preciso renovar as práticas pedagógicas em sala de aula, de modo que os professores trabalhem tanto conhecimentos gerais quanto habilidades socioemocionais. Os alunos precisam ter acesso às novas tecnologias, porque a escola de Ensino Médio se tornou monótona, desagradável. Não faz sentido para o jovem digital, conectado o tempo todo. Ele não tem paciência para uma aula expositiva de um conteúdo que muitas vezes não faz sentido para ele.”
Gaudêncio Frigotto, professor na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador na área de educação e ensino tecnológico, afirma que hoje existe um fetichismo tecnológico, e por mais que o professor tenha que se atualizar as escolas precisam antes de tudo oferecer recursos e condições para o professor exercer seu trabalho com qualidade. “Esses reformistas usam o argumento do aluno digital para seduzir e falsear a questão por trás disso na Reforma do EM. Se o professor tiver, como o PNE diz, 20h em sala de aula no máximo e 20h para se preparar, ele vai fazer aulas boas.”
Traíra e o Frota Filho lançam a Privataria da Educação - muito engraçado! (Crédito:Carolina Antunes/PR/Fotos Públicas)