Por que o PCC tem privilégios em São Paulo?
O Conversa Afiada reproduz do PiG cheiroso trechos de artigo de Maria Cristina Fernandes, de título "Governo paralelo do PCCC margeia as urnas", em que dois novos livros "jogam luzes sobre os pactos do crime organizado que reduziram a violência em São Paulo":
É possível que o Brasil conheça o nome de seus futuros governantes antes de saber quem matou a vereadora Marielle Franco. Quando o país amanhecer em 29 de outubro com a definição daqueles que comandarão seu destino pelos próximos quatro anos, terão se passado 226 dias desde a morte da vereadora pelo Psol do Rio. É no fosso que separa a máquina de filtragem das preferências eleitorais e a ineficiência do Estado no exercício do monopólio da força que se equilibra o discurso dos candidatos à Presidência.
A segurança pública tem lugar privilegiado no programa de todos, mas nenhum deles põe o dedo na ferida do governo paralelo que comanda o crime no país. Propostas sobre porte de armas, maioridade penal, metas de redução de homicídio e de investimento no setor permeiam as cartas de intenção de todos os candidatos. Mas nenhum deles se compromete a levar para o sistema penitenciário federal a cabeça do Primeiro Comando da Capital, a maior organização criminosa do país.
O dedo e a ferida estão em dois livros que acabam de chegar às livrarias: "A Guerra - A Ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil" (Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias) e "Irmãos - Uma História do PCC" (Gabriel Feltran). O primeiro encara o enrosco a partir da primeira página. Ao entrevistar o preso de uma facção criminosa rival do PCC em Santa Catarina, os autores reproduzem suas perguntas - "Por que só o Marcola não vai para o presídio federal?", "por que todas as facções têm os seus líderes no federal, menos o PCC?".
O preso faz referência a Marcos Willians Herbas Camacho, paulista de Osasco, de 50 anos, que se tornou a principal liderança do PCC. Seu rival catarinense foi entrevistado pelos autores de "A Guerra" numa prisão em Mato Grosso do Sul, parte do Sistema Penitenciário Federal, o mais eficiente do país. O uso de aparelhos celulares é limitado pela ausência de energia elétrica nas celas de seis metros quadrados. Há câmeras e monitoramento de sons espalhados por todo o estabelecimento e são acompanhados por uma rede que inclui a sede do Departamento Penitenciário Nacional, em Brasília, que inibem acordos entre presos e agentes. O contato com visitantes que não sejam parentes de primeiro grau se dá apenas no parlatório, local onde são separados por um vidro e conversam por microfones gravados.
Entre as condições para ingresso no Sistema Penitenciário Nacional, cuja primeira unidade começou a funcionar em 2006, sob protestos de entidades de direitos humanos e a inspiração do então ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, está o exercício da liderança em organização criminosa. Determinadas alas desses presídios são regidas por condições ainda mais extremadas do Regime Disciplinar Diferenciado. O preso permanece em suas celas durante 24 horas (toma banho de sol com a abertura de uma fresta). As visitas são admitidas apenas no parlatório e o contato com os advogados tem uma periodicidade mínima de 15 dias.
A lei limita a permanência no RDD a dois anos. Lideranças do Comando Vermelho, como Fernandinho Beira-Mar (12 anos), Nem da Rocinha (2011) e Marcinho VP (2007) ultrapassaram com folga o limite. O PCC tem muitos integrantes no sistema federal, mas a cúpula paulista da organização criminosa está ausente, à exceção de dois únicos presos jurados de morte pela polícia militar de São Paulo.
A explicação dada por autoridades paulistas para Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias é que o Estado já dispõe de um RDD semelhante. Os autores, no entanto, expõem duas outras teses para a exceção bandeirante. Ambas sugerem um pacto das autoridades penitenciárias, federal e paulista, com o crime. A primeira, dada por um preso do PCC em off, é a de que a transferência da cúpula da organização levaria a rebeliões que desmoralizariam o sistema federal. A explicação reforça a tese, benéfica à organização criminosa, de que é melhor deixá-la em paz para não atiçar seu poder de fogo. A outra é a de que as autoridades paulistas resistem à transferência porque a custódia de Marcola e de seus comparsas mais próximos é um instrumento de barganha do qual o Palácio dos Bandeirantes não quer abrir mão.
Os autores reproduzem a ameaça oficializada, em dezembro de 2016, em notificação do secretário de Administração Penitenciária de São Paulo, Lourival Gomes, ainda no cargo, ao sistema judiciário. Nele, o tom de ameaça não poderia ser mais explícito: "Se os presidiários adeptos da facção ou solidários com seus líderes praticarem motins ou outros tipos de incidentes graves em estabelecimentos prisionais com certeza esta Secretaria solicitará sua remoção para uma das penitenciárias vinculadas ao governo federal". A cúpula da organização segurou os motins programados, o ministério público insistiu na remoção, mas um telefonema de dentro do Palácio dos Bandeirantes teria sido determinante para sua permanência no sistema paulista.
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