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Por que o PIB aplaude o Bolnossauro?

Desejo de controle, de subjugação…
publicado 08/07/2018
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Créditos: Duke

O Conversa Afiada reproduz artigo do historiador Durval Muniz de Albuquerque Jr., na Agência Saiba Mais:

(O professor Albuquerque já tratou aqui da invenção da identidade cultural do Nordeste e rebateu a opção da Míriam Lúcia pelo etno-neolibelismo.)

Bolsonaro ou o desejo masoquista


Muita gente ficou chocada com o que teria sido um dos grandes acontecimentos da semana: os aplausos entusiastas dos empresários reunidos na sede da Confederação Nacional da Indústria para o candidato a presidente Jair Bolsonaro. Mesmo diante do notório despreparo do postulante ao cargo máximo da República, suas bravatas e frases sem nenhum sentido ou cheia de preconceito e racismo como “não quero colocar um busto de Che Guevara no Palácio do Planalto” ou “hoje estão tirando a nossa alegria de viver, não podemos mais contar piadas sobre afrodescendentes, sobre cearenses, sobre goianos”, mereceram, da nata da burguesia, da dita elite empresarial brasileira, efusivos aplausos. Que a elite brasileira é autoritária e se identifica com o autoritarismo do capitão, não é novidade; que a elite brasileira é racista e que suas blagues em relação aos afrodescendentes são partilhadas por uma patota que se julga toda branca, não é de se estranhar; que os capitães de indústria brasileira sejam machistas, misóginos, homofóbicos em sua maioria, também não é notícia nova. Mas, creio que mesmo assim, esse gesto de profundo significado simbólico e de enorme gravidade política: ver a elite empresarial de um país disposta a apoiar alguém que tem em sua ficha corrida o elogio à tortura, a suspeita de ter participado do plano que levaria a explosão de bombas de baixa intensidade para protestar contra os baixos salários dos militares, que quando na ativa foi diagnosticado em documentos do próprio Exército como alguém ambicioso e agressivo no trato com os camaradas a quem sempre queria liderar, como alguém a quem faltava lógica, racionalidade e equilíbrio na apresentação de seus argumentos, merece a busca de explicações mais profundas, tanto do ponto de vista histórico, como do ponto de vista do funcionamento da vida psíquica, seja no plano individual, daqueles que a ele aderem e a ele desejam, como no plano coletivo, daqueles que a ele se dispõem a seguir e a ele se subordinar. Não há aqui qualquer contradição, pois, a vida psíquica, as subjetividades, seja dos indivíduos ou dos grupos, como os membros da CNI, se formam e se constituem historicamente e no interior de uma dada sociedade. A subjetividade não é algo interno, fechada em si mesma, solipsista, ela é produto do processo de socialização, de humanização, que se dá no contato com os outros, com a cultura, os valores, as normas, as leis, encarnadas pelas instituições sociais e, elas, por seu turno, pelos indivíduos que as compõem. A atuação de nossa libido, de nossas pulsões instituais, de nosso corpo se dá no interior do social, na relação com os outros corpos, portanto, as nossas formações de desejo nascem dessas relações. O desejo por Bolsonaro, pelo que ele representa, pelo o que ele figura, nasce de processos históricos e sociais, individuais e coletivos, que eu tentarei minimamente abordar.

Considero que o desejo por Bolsonaro, tanto no plano individual, como no plano coletivo, é de caráter sadomasoquista. Nele misturam-se de modo inseparável o desejo de domínio, de subjugação, de controle, de anulação do outro, do diferente, do distinto, a demonstração explícita de um poder sem limites, um desejo de aniquilação do outro, desejo de morte. Mas, como sabemos desde Freud, a pulsão, o desejo é sempre ambivalente, pode ser regressivo, pode voltar-se contra si mesmo, pode infletir na própria direção do sujeito do desejo e, portanto, o desejo de subjugação carrega consigo, também, o desejo de ser subjugado, o desejo de controle, o de ser controlado, o desejo de anulação do outro, o desejo de anulação de si mesmo. O desejo de destruição do outro pode se tornar desejo de autodestruição, a vontade de poder sem limites pode reverter em vontade de submissão sem limites. O desejo de aniquilação do outro pode vir a ser o desejo de autoaniquilação, o desejo de morte do outro transformando-se em desejo de mortificação de si, de nadificação do si mesmo. Para entender Bolsonaro e o que ele representa, para entender os bolsominions e o desejo que os move, para entender o que faz com que nosso empresariado diga um dane-se para qualquer escrúpulo e mostre a sua face fascista e escravagista que sempre procurou esconder sob o verniz de seus paletós e gravatas e de sua pretensa educação superior, é preciso entender o que leva as pessoas como indivíduos ou coletividades a buscar a sujeição, como desde a infância internalizamos o poder à medida mesmo que nos tornamos gente, que nos tornamos sujeitos.

A palavra sujeito, na língua portuguesa, possui uma ambiguidade que é preciso ser aqui ressaltada e entendida para que possamos caminhar na direção da compreensão do fenômeno do desejo fascista, da formação das subjetividades e dos sujeitos fascistoides, do qual Bolsonaro é apenas uma encarnação. Alguém para se tornar sujeito, isto é, para estar no princípio de suas ações, de suas atitudes, de ser responsável pelo que diz e faz, por ser, pretensamente, a origem de tudo o que lhe acontece e de tudo que faz acontecer, de tudo que realiza e constrói, tem que se sujeitar às normas e às leis que regulam a vida social, têm que subjetivar, internalizar, encarnar os códigos sociais e culturais que definem a própria condição de humano. Ou seja, para se tornar sujeito todo ser humano se sujeita, para se subjetivar todo ser humano se assujeita a forças e regras que lhe vêm de fora e que uma vez apreendidas passam a lhe constituir, passam a ser seu dentro, passam a constituir seu próprio desejo. Dobrado pelos poderes que o cercam, esse corpo se humaniza ao introjetar as interpelações, as ordens, os comandos, os ditames que lhe vem do social através dos outros que nasceram primeiro que ele, que o antecederam, que são seus ancestrais. Mas por que nos sujeitamos, por que assumimos essa servidão voluntária, para ser sujeitos?

A criança humana ao nascer é um ser profundamente frágil e desamparado. Ela depende dos outros, dos pais e, mais ainda da mãe, que a amamenta e cuida, para continuar viva. O bebê ao mamar, ao compartilhar o calor do corpo materno, ao escutar sua voz, ao precisar de seus cuidados, vai fazendo o aprendizado doloroso da fragilidade, da dependência, da necessidade dos outros, que caracteriza a vida humana. Ao correr risco de vida se aquele outro corpo se ausenta, falta, vai para longe, a criança desenvolve o apego e, portanto, a dependência em relação ao outro. As relações libidinais, pulsionais, desejantes do corpo da criança vão sendo moldadas nesses encontros com o corpo da mãe e com outros corpos cuidadores. O apego necessário à sobrevivência será aquilo que socialmente, mais tarde, se chamará de amor. Eu amo aquele corpo que satisfaz os meus desejos, que me cuida, que me socorre sempre que choro ou grito, eu amo no outro a mim mesmo, pois sem ele sei que nada sou ou nada consigo ser. Mas, como o desejo é ambivalente, se descobrir dependente, apegado, carente de alguém é também motivo de desenvolvimento de sentimentos agressivos em relação àquele corpo, àquele outro, até porque ele não pode estar o tempo todo à minha disposição, ele é disputado e amado por outros seres, inclusive pelo pai, uma espécie de rival do amor infantil.

A proximidade sempre constatada entre amor, agressividade e ódio, advém dessa ambiguidade de um desejo que quer ser satisfeito, mas que por ser satisfeito se sabe desejo, se descobre carência e falta de algo. Imagine os traumas psíquicos que o desamor, o abandono, a agressão, a violência, podem causar na formação da subjetividade infantil. Se em casa, na vida familiar, não há ninguém com quem se apegar, a quem amar, a carência, a falta, o medo de morrer levará a que essa criança e, depois, o adulto que ele vier a se tornar, a se apegar a todo aquele que lhe prometa a segurança, a continuidade da vida mesma, que sempre lhe esteve ameaçada desde muito cedo. Numa sociedade em que a maioria das crianças nasce em lares carentes: carentes financeiramente, carentes de estrutura familiar, carentes de ordem e de autoridade, carentes de vida simbólica e cultural, não é de estranhar o sentimento generalizado de insegurança, o medo generalizado de morrer, a vontade de proteção, de segurança, de ordem, o desejo de autoridade e de leis. Numa sociedade onde a insegurança vivida na vida familiar, na vida doméstica, se prolonga de forma assustadora para fora de casa, se a morte espreita a vida em cada esquina, aqueles corpos que, muitas vezes, são sobreviventes de uma vida que esteve assombrada pela possibilidade de morrer a cada dia, tende a se sujeitar, a se tornarem sujeitos de ações, ideias, propostas, formas de vida, formas de atuação social que prometam reduzir essa fragilidade de seu viver: o que pode ser desde a adesão a grupos armados, compostos de milicianos e traficantes, às forças armadas do Estado até a qualquer liderança que lhes prometa acabar com a carência de ordem, de segurança, com a vulnerabilidade que constitui a vida mesma de nosso corpo, mas que é potencializada por dadas condições sociais, raciais e de gênero no Brasil.

Não é uma anomalia que negros, mulheres e homossexuais se identifiquem, desejem a figura de Bolsonaro, pois ela representa uma espécie de revanche, de possibilidade de reparação dos danos sofridos desde a infância por corpos fragilizados, carentes, dependentes, marginalizados, subordinados, e que não viram seu apego e seu amor correspondidos, nem em nível pessoal, nem em nível coletivo. Os fascistas sempre arrebanharam os frágeis, os carentes, os mal amados, os inseguros, os revoltados e rebeldes sem causa, os agredidos que se tornaram agressivos, os traumatizados que querem infundir traumas, os sofridos que querem se comprazer com o sofrimento alheio, os negados que querem gozar com a negação e a nadificação do outro, os que nunca foram ninguém, que nunca tiveram importância para ninguém e que querem se fazer, na marra, na força, reconhecidas, querem que suas existências como sujeitos sejam visibilizadas, os que foram sempre assujeitados querem se fazer visíveis como aqueles que assujeitam. A malta fascista costuma ter as almas e os corpos traumatizados, ela transforma o desejo de vida em desejo de morte, pessoal e coletiva. Com a imagem de si degradada pelas experiências que a formou como sujeito, tendo seu narcisismo, seu amor por si mesmo rebaixados, tendo sua relação com seu próprio corpo e sua própria vida marcadas pela abjeção de si, esses sujeitos são capazes de muita raiva, ódio, até o limite da autodestruição e da destruição coletiva. O fascista termina por amar mais a morte que a vida, o que não significa que ele conscientemente queira morrer, seja um suicida, mas todos esses processos se passam no inconsciente e lá a pulsão de morte, os desejos tristes podem levá-lo a procurar se colocar em situações pessoais e coletivas destrutivas.

Mas seria esse o caso de nosso empresariado industrial? Não duvido que, individualmente, muitos possam ter experimentado essa trajetória, mas creio que outras variáveis ligadas à produção de subjetividades e a produção coletiva dos desejos expliquem a vontade por Bolsonaro dos nossos capitães da indústria. Creio que nesse sentido as reflexões do filósofo alemão Hegel sobre as relações entre o senhor e o escravo explique melhor essa formação de uma consciência infeliz entre nossas elites, já que elas advém de uma sociedade que viveu a escravidão por cerca de quatrocentos anos e em sua esmagadora maioria são descendentes ou seus ancestrais estiveram relacionados com elites escravocratas. Hegel lembra que o escravo era uma mercadoria, portanto tinha assim a sua condição de humano negada. Assim como a criança que não encontra as condições de se humanizar, o escravo seria uma coisa, um objeto entre objetos, não tendo aquilo que caracteriza fundamentalmente o ser sujeito de sua própria existência: o direito de exercer o domínio sobre si mesmo, de decidir suas próprias ações e reações, de poder expressar o que sente e pensa sem estar sujeito à punição e ao castigo. A vida do escravo, assim como a da criança, era uma vida precária, uma vida humana negada em sua humanidade, o que a disponibilizava para a sevícia, os maus tratos, a tortura e a morte. A educação escravista, que ainda ressoa em nossas camadas populares, era uma educação visando a dessubjetivação do negro africano aqui aportado, ela visava esvaziar aquele corpo da formação subjetiva anterior, ela visava reconfigurar aquela subjetividade, fazê-lo aprender a se sujeitar e, portanto, deixar de ser sujeito social e culturalmente reconhecido. Se a criança que não passa por um processo regular de socialização permaneceria como esvaziada de subjetividade e, portanto, de humanidade, o escravo era esvaziado à força, da subjetividade e, portanto, da humanidade de que era portador. Nossas elites se formaram no aprendizado de como esvaziar os outros de seu ser humano, elas se incomodam, portanto, a cada vez que aqueles fadados a serem objetos, a serem mercadoria, reivindicam seu direito de ser humano, seu direito de ser sujeito e não apenas assujeitado. Quando negros, índios, empregadas domésticas, nordestinos, pobres querem ser gente, essas elites se veem ameaçadas em sua própria humanidade, temem passar de sujeitos a assujeitados e tratam de acabar com a festa na senzala.

Mas, para Hegel, havia um problema em tudo isso: o escravo era posto a trabalhar e, ao trabalhar, afirmava a capacidade humana de transformar a natureza, de criar, de inventar o que não está dado ou posto no mundo. O escravo se redescobria humano ao ver que suas mãos, que suas habilidades, que sua inteligência, que sua imaginação, eram capazes de criar coisas que ainda não existiam no mundo. O escravo se descobria assim ativo no mundo e, portanto, sujeito de seu trabalho. E mais, o escravo via o seu senhor se apropriar daquilo que ele produzia com o seu trabalho. O escravo podia perceber que o senhor dependia de seu trabalho. Numa reversão dialética, como costuma também a acontecer com as crianças (com o tempo os pais precisam do apego e do amor de seus filhos para viverem, inclusive na velhice precisarão do amparo que um dia lhes deram), os escravos, mesmo sendo considerados coisas, eram eles que acabavam por conferir humanidade a seu senhor que, por não trabalhar, por nada criar e inventar com suas próprias mãos, por não produzirem as coisas de que precisavam, nem mesmo a comida e a bebida, podiam ter a sua humanidade negada. Quando se apropriava do fruto do trabalho de seus escravos, os senhores se apropriavam de sua humanidade e tornavam-na a humanidade deles. Era necessário que essa dependência dos senhores de seus escravos até mesmo para existirem como humanos fosse negada, fosse encoberta por toda uma produção discursiva, cultural, conceitual, amparada no racismo, que tornasse o próprio corpo, a própria carne dos escravos suspeita de não humanidade, de animalidade. As teorias de superioridade racial, que ainda ressoam nas piadas de Bolsonaro sobre afrodescendentes que, segundo ele, “não servem nem para procriar”, era a tentativa de mascarar que o escravo era “os pés e as mãos do senhor”, que o escravo era o corpo do senhor, era ele que lhe dava a vida e a riqueza, a segurança e o amparo e, muitas vezes, lhe dava, inclusive o sexo e o amor.

Não é difícil pensar a partir desse raciocínio, tão bem desenvolvido em recente livro da filósofa norte-americana Judith Butler (a odiada filósofa que causou manifestações patéticas dos coxinhas e bolsominions quando veio ao Brasil e é acusada de ser a introdutora da “ideologia de gênero entre nós), o comportamento de nossos empresários industriais. Se os aplausos entusiastas a Bolsonaro se transformaram em vaias quando o candidato Ciro Gomes expressou sua disposição em modificar a reforma trabalhista aprovada pelo governo golpista que, como sabemos, foi uma das exigências para que a FIESP se tornasse um dos carros chefes do golpe contra a democracia (não podemos esquecer que os apoiadores de Bolsonaro hoje, apoiaram o golpe e a ditadura militar de 1964), isso se deve ao fato de que todo empresário sofre daquilo que Hegel chamou de consciência infeliz e Nietzsche, outro filósofo alemão, chamou de má consciência, por saberem que suas vidas, suas existências como sujeitos econômicos, políticos e culturais dependem da existência e do trabalho do outro, da existência e do trabalho do trabalhador, dos quais eles se apropriam. A defesa da propriedade do trabalho de outrem, da apropriação privada do trabalho alheio, é condição fundamental para a formação dessa consciência culpada, que precisa constantemente construir justificativas ideológicas de superioridade social, educacional, civilizacional, de classe, de raça, de gênero para se tornar minimamente justificável. As blagues do capitão com aqueles que normalmente formam a classe trabalhadora (afrodescendentes, cearenses, goianos) soa assim como um bálsamo para ouvidos marcados pelo desejo de justificar as desigualdades e as hierarquias de fortuna e de condição social, buscando, sempre que possível naturalizá-las, desresponsabilizando a ordem social em que vivem, as leis e normas, os códigos e regras que fundam essa desigualdade na constituição dos sujeitos humanos desde o berço, o que facilita a naturalização ou mesmo a responsabilização do divino por tais diferenças de destino. Mas sempre que o trabalhador exerce seu trabalho (por isso o desemprego nada significa para a classe empresarial, é uma espécie de vitória para o ser mesmo humano do empresário sempre que o desemprego vem desumanizar o trabalhador), ele reafirma sua humanidade e sua relevância social perante uma classe que para ser relevante precisa concentrar em suas mãos a riqueza produzida por outrem, se apossando da mais valia, do sobretrabalho. O empresário se apossa do conteúdo de humanidade que há naquela riqueza para se sentir humano e poder dizer que sua função social é fornecer trabalho, é fornecer emprego, no que quer dizer que mesmo sendo o principal beneficiado de um modo de produção desumano é ele que concede humanidade ao trabalhador e não o reverso. Por isso toda reivindicação trabalhista, toda vez que a classe operária se coloca como sujeito de sua vida e de seu trabalho, incomoda profundamente uma classe que vive de parasitar a humanidade alheia. Assim como os escravos afirmavam sua humanidade não apenas trabalhando, mas resistindo de todas as formas à escravidão, criando arte, cultura, religião, formas de vida, o que incomodava os senhores que tinham que reconhecer a contragosto essas manifestações de humanidade, sob pena de instaurar o permanente conflito e afrontamento aberto em suas senzalas, o que inviabilizaria sua produção. Toda vez que o senhor tinha que se curvar a um desejo do escravo (assim como cada vez que nos rendemos aos desejos de uma criança) estava reconhecendo sua humanidade e sua condição de sujeito. O empresário reconhece a humanidade e o caráter de sujeito do trabalhador quando ele se manifesta politicamente, quando ele faz greve, quando ele produz seus próprios modos de vida. A reforma trabalhista tira direitos dos trabalhadores, logo os torna menos humanos, menos sujeitos de suas vidas e mais sujeitos, subjugados, assujeitados a patrões que dependem disso para se sentirem sujeitos, para se sentirem gente.

Quando Bolsonaro disse que eles eram os seus patrões, o gozo só podia ser generalizado. Depois que tiveram que viver por doze anos sob o governo de um partido político que nasceu para dar aos trabalhadores a condição de sujeitos de sua própria vida política, fugindo do assujeitamento aos partidos dos patrões. Partido que levou ao poder um operário, em quem aqueles senhores não só não se viam como igual. Consciente ou inconscientemente julgavam que ele estar ali, naquele lugar, usurpava o direito exclusivo deles de serem sujeitos da ordem política. Lula, cada vez que entrava na CNI, lembrava àqueles senhores de que seu papel de sujeito havia diminuído e que a humanidade deles, que julgavam ser de outra qualidade, estava não só sendo contestada, mas rebaixada. Ter um capitão que representa a força, a virilidade, o poder, o masculino, o dominador, o branco, o rico, o heterossexual, aos seus serviços, na condição de serviçal, de subordinado, de subalterno, de pau mandado, inflama a libido e o desejo dos capitães de nossas empresas. Mesmo que masoquistamente estejam contribuindo para sua própria debacle como industriais, que estejam contribuindo para a destruição do país, que estejam contribuindo para tornar o país irrelevante no mundo e, por extensão suas empresas, que sonhem apenas em vender o que têm o mais rápido para empresas internacionais e, com o apurado, viver de dividendos da corrida rentista, o que os torna mais improdutivos, menos sujeitos e menos humanos, mesmo que estejam vendendo as riquezas do país que podiam ser a base de sua atividade, nossa elite empresarial, colonizada, formada desde os primórdios na submissão e subordinação às forças externas, colonialistas, são elites subjetivamente colonizadas, que na sua formação internalizaram o sentimento de ser menos, de ser menor, o que as fragiliza, ainda mais, perante os trabalhadores e as outras classes sociais que têm, por isso mesmo, de rebaixar, de manter na ignorância, na miséria, na carência, na insegurança, na doença, pois somente diante de corpos e mentes mais frágeis e fragilizadas é que se sentem sendo alguém e tendo força.

Ter um presidente da República como lacaio e serviçal, como é o caso do que no momento ocupa a cadeira presidencial, que seja um nada do ponto de vista intelectual e moral, é tudo que almeja uma elite formada no sadismo contra os escravos, os trabalhadores, as mulheres, os indígenas, os mais pobres, as crianças, mas que dado o caráter reversível do desejo é também uma elite masoquista, capaz de gozar ao se entregar gostosamente ao colonialismo e ao imperialismo, de se sentirem mais fortes como parasitas das forças internacionais, de se sentirem sujeitos quando se sujeitam aos ditames do capital internacional, de se sentirem humanos só quando aplicam políticas desumanas contra aqueles que os sustentam, dão a vida e a riqueza, dão o luxo e o conforto. Bolsonaro encarna, é bem a expressão dessa força ao mesmo tempo truculenta e frágil, machista e emasculada, poderosa e débil, externamente vigorosa e internamente pavorosa de tanta decrepitude, um jovem velho e decrépito como muitos dos nossos capitães de indústrias. Em seu narcisismo, os capitães de indústria se miram no espelho do capitão e se identificam com sua força fraca e sua potência impotente. Depois de passarem anos sem ter um presidente com quem se identificassem (como se identificarem com uma mulher e com um operário e nordestino? ) nossas elites industriais encontraram um homem para chamar de seu, mesmo que esse homem seja Bolsonaro, a expressão mais desabrida e descarada da má consciência, da consciência infeliz, do sadomasoquismo de nossa burguesia, que nunca foi liberal de verdade. Nosso neoliberalismo é uma nova versão do porrete, do chicote, da chibata (a senadora Ana Amélia não me deixa mentir), das algemas e dos troncos em que nossas crianças e escravos foram e são “educados” e em que querem amarrar para assujeitar e desumanizar nossos trabalhadores. Temos um elite empresarial que masoquistamente destrói o país a curto prazo, o que levará à sua própria destruição a médio e a longo prazo, mas que gozam com sua própria impotência transformada em impotência de todos. Os que não podem permitir que outros venham a ter o poder, preferem a impotência. E para impotentes, o simulacro de potência, de macheza e de hombridade de Bolsonaro seduz. Isso explica os aplausos gozosos de nossos industriais, a maioria deles sem indústrias ou fadados a perdê-las. Mas é assim que se dá o gozo masoquista: na perda de poder, na perda de humanidade, na perda do ser sujeito, contanto que esse gozo gere prazer sádico na destruição dos demais. Muita gente aposta que na última hora nossas elites não vão querer ver o circo pegar fogo: acho que tocarão fogo e ficarão em seu interior se divertindo com a morte de todos à sua volta. Em todo masoquista mora um sádico e vice versa. Cabe a esperança que o candidato sádico ao se expor a um processo eleitoral de forma masoquista venha a externalizar toda sua menoridade, sua fragilidade, sua inconsistência, sua ignorância, e que os outros percebam o engodo que ele é. Nossos industriais percebem, mas como eles também são engodos, o processo de identificação e de espelhamento é inevitável.
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