Projeto de Weintraub é "privatização informal" do ensino
Jair Messias na posse de Abraham Weintraub, 9/IV/2019 (Créditos: Valter Campanato/Agência Brasil)
O Conversa Afiada reproduz, do Opera Mundi, análise de Breno Altman sobre o programa "Future-se", do ministro da "Educassão" Abraham Weintraub.
(Weintraub é aquele ministro bolsonário que não volta tão cedo ao Pará...)
A transcrição da fala de Altman foi feita pela equipe do portal Dilma.com.br:
O plano Future-se muda profundamente a vida das universidades federais e do conjunto dos institutos federais de ensino superior. Eles escondem a inspiração das medidas que estão incluídas neste programa, mas a nós cabe lembrar: é mais uma das inspirações nas medidas que o antigo ditador chileno Augusto Pinochet tomou em seu país.
Trata-se de uma espécie de privatização branca das universidades. Uma privatização informal. Trata-se de um programa que desloca as universidades públicas federais e os institutos federais de ensino superior do âmbito da ação estatal para o controle das grandes corporações privadas.
Vamos entender exatamente como isto ocorre e como este programa, de fato, é um desmonte do sistema público federal de ensino superior.
As universidades, hoje, são autarquias do estado, fazem parte do estado brasileiro. Às universidades federais são garantidos dois direitos fundamentais. Primeiro, a autonomia, autonomia financeira, pedagógica, administrativa. E o segundo direito é o sustento do ensino público federal. Ou seja, o orçamento da União deve financiar as universidades federais e demais institutos federais de ensino superior. Estes dois direitos fundamentais salvaguardam o financiamento e o funcionamento das universidades federais.
O governo Jair Bolsonaro quer mudar isso, sem alterar artigos da Constituição, mas driblando sua eficácia.
Antes de lançar o programa Future-se, o que o governo Bolsonaro vem fazendo é um corte brutal dos recursos para o ensino superior federal. Este corte oscila entre 16% e 55%, segundo dados da Associação Nacional dos Reitores. É um corte médio de mais de 30% sobre os recursos destinados às universidades. É um corte muito grande, que na prática vai estrangulando as universidades públicas federais. Não é à toa que os estudantes e professores fizeram aquelas grandes jornadas de protesto em maio e que convocam para nova jornada para o dia 13 de agosto.
Deixando as universidades a pão e água, agora o governo Bolsonaro lança um programa, de adesão voluntária – “quem quiser adere, ninguém é obrigado a aderir” – mas é claro que as universidades, estranguladas, estão sendo extorquidas, chantageadas para aderir a este programa de qualquer forma.
E o que este programa propõe?
Fundamentalmente, o deslocamento da direção das universidades, o deslocamento da direção das universidades públicas do âmbito estatal para o âmbito privado, sem privatizar essas universidades formalmente. Elas continuam, formalmente, como instituições do estado brasileiro, como autarquias, mas elas passam a receber uma autonomia especial. Eles estão dizendo “vamos dar maior autonomia financeira para as universidades”.
E no que consiste esta autonomia?
As universidades passarão a estar livres para captar recursos de múltiplas maneiras, com a iniciativa privada, com as empresas. No entanto, para que as universidades possam aderir a este programa, as universidades têm que aceitar a contratação de uma organização social.
O que é uma organização social?
É uma organização não-governamental, determinada legalmente, que funciona como uma fachada para a iniciativa privada. A organização social não é uma organização do estado, não é uma organização de representação da sociedade, É uma organização que pode ser constituída, por exemplo, por empresários ou empresas , e que se destina, no caso concreto, a administrar uma universidade, a cuidar da implantação do programa Future-se nas universidades. Essas organizações sociais poderão estar controladas por empresários e empresas. É o primeiro passo para que uma universidade possa se filiar ao Future-se.
O Future-se, a partir do estabelecimento de uma organização social como gestora da universidade que quiser aderir ao programa, prevê vários mecanismos de arrecadação. As universidades poderão estabelecer parcerias público-privadas com as empresas, as universidades poderão recorrer aos chamados namings rights, que é dar a prédios das universidades o nome de empresas ou empresários, como acontece com estádios de futebol, as universidades poderão aceitar doações, as universidades poderão ser eventualmente beneficiadas por fundos que se criem com ativos, com imóveis da União cedidos especialmente para este objetivo. Um fundo imobiliário no qual o capital privado apostaria recursos para ter direito a concessões de utilização desses imóveis para uso privado, e o resultado dos direitos que forem pagos por essas concessões seriam transferidos para as universidades públicas. São vários mecanismosde arrecadação.
O que as empresas tem a ganhar com isso?
Em que condições seria feita essa transferência de recursos privados?
Ora, as empresas estarão livres para condicionar estes recursos a retribuições por parte da universidade pública federal.
Vamos dar um exemplo.
Suponhamos uma indústria farmacêutica que resolva contribuir com um departamento de química de uma importante universidade pública federal. A empresa que assim o fizer poderá ter o direito, e terá todos os instrumentos, para colocar este departamento de química a trabalhar determinadas pesquisas cujos interesses sejam desta empresa privada. O departamento de química desta universidade deixaria de estar submetido a uma orientação pedagógica e de pesquisa geral, deixaria de fazer parte da engrenagem de produção de conhecimento inserida num plano nacional de desenvolvimento do país, dirigido pelo estado, e este departamento de química passaria a funcionar como uma e extensão do departamento de pesquisa e desenvolvimento desta suposta indústria farmacêutica que eu citei no exemplo.
Na prática, a indústria farmacêutica deste exemplo, e indústrias dos mais diferentes ramos, poderiam economizar muitos recursos nas áreas de pesquisa de desenvolvimento e inovação, estabelecendo contratos com os departamentos das universidades públicas federais.
Paulatinamente, as universidades públicas passariam a girar em torno dos interesses privados, em torno dos interesses das empresas e dos empresários que financiassem determinados setores da universidade pública federal.
Evidente que tal modelo de financiamento provocaria enormes distorções no ensino público federal. Determinados setores, particularmente nas ciências exatas e biológicas, eventualmente seriam beneficiados, porque as grandes corporações têm potencialmente mais interesse em determinados setores das ciências duras que podem resultar em avanços tecnológicos e científicos que permitam maiores lucros às empresas. Isto vale para química, vale pra engenharia de produção, engenharia de metais, biotecnologia e assim por diante.
Outros setores, que não têm interesse assim direto das empresas, ficariam subfinanciados. Não apenas na área de humanidades – filosofia, história, ciências sociais – mas também na própria área de exatas. Por exemplo: as grandes empresas não têm maior interesse no desenvolvimento de estudos sobre a matemática e a física teóricas, porque não resultam imediatamente em ganhos empresariais. Estes setores poderia ser subfinanciados.
Alguns setores de humanidades poderiam ser de interesse das grandes empresas. Particularmente aqueles estudos que ajudassem as grandes empresas a mapear potenciais clientes, a mapear redes sociais, a estabelecer estratégias de big data.
E outros setores seriam extremamente desfavorecidos porque não resultam em lucro, de curto e médio prazo, para as grandes empresas capitalistas que viessem a estabelecer parcerias com as universidades públicas federais.
Como vocês podem ver, o Future-se é um programa que privatiza a essência da universidade pública. Desobriga o estado de sustentar a universidade pública, repassa o sustento da universidade pública a grandes corporações privadas e em troca vai submetendo a universidade pública federal às necessidades e objetivos das grandes corporações capitalistas, que passam a financiar a universidade pública.
É um grave ataque à soberania nacional.
E é também um grave ataque ao acesso dos filhos e filhas da classe trabalhadora às universidades.
Embora o programa não estabeleça imediatamente o direito das universidades públicas federais de fixar a adoção de mensalidades para os alunos, é preciso ser muito ingênuo pra não ver qual é a etapa seguinte. Com esta lógica e com este tipo de autonomia financeira, em que as universidades passam a ser geridas como empresas, não é difícil calcular que logo adiante estas universidades-empresas passarão a ter o direito de cobrar mensalidades, com isso restringindo o acesso de filhos e filhas da classe trabalhadora ao ensino superior federal.
Foi assim que aconteceu no Chile de Pinochet. Pinochet não privatizou as universidades chilenas. Pinochet permitiu as universidades funcionar com autonomia empresarial e estabelecer cobrança de mensalidade.
Este modelo ocorre também em outros países. A universidade é pública, mas cobra mensalidade. A universidade é pública, mas funciona com base em pactos estratégicos estabelecidos com corporações capitalistas. A universidade é pública, mas ela não se integra a um plano nacional de desenvolvimento dirigido pelo estado. A universidade é pública, mas na prática ela é privatizada.
Este é o objetivo do programa Future-se: trilhar o caminho da privatização da universidade brasileira. Transferir o controle de setores fundamentais da universidade pública para o grande capital privado. Restringir o acesso de filhos e filhas da classe trabalhadora à universidade pública federal. E permitir que o ensino superior privado se expanda em relação à universidade pública, que passa a funcionar na lógica das necessidades dos grandes capitalistas, abrindo mercado para que o ensino superior privado, já gigante, cresça mais e mais, oferecendo ensino de má qualidade e pago, a quem, não tiver acesso aos institutos federais de excelência, que passarão a estar sob o controle de grandes corporações empresariais.
Jamais na história do nosso país o ensino superior público esteve tão ameaçado, como agora, com este programa chamado Future-se.
Nós todos, sejamos ou não integrantes da comunidade da educação, temos que estar atentos e mobilizados contra este programa. Este programa só interessa ao grande capital, às grandes empresas. Este programa não é de interesse do desenvolvimento nacional, não é de interesse da democracia e não é do interesse da transformação do Brasil num país desenvolvido e justo. Este programa é uma agressão a tudo o que o país construiu em décadas em termos de ensino público federal. Este programa privatizante do ensino superior é um golpe duríssimo contra o povo brasileiro.
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