Regina Duarte pode acabar de vez com a Cinemateca Brasileira
Em vídeo publicado na manhã desta quarta-feira (20/V), em que informou a saída de Regina Duarte do governo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse que a ex-secretária de Cultura vai assumir a Cinemateca Brasileira em São Paulo.
"Regina Duarte relatou que sente falta de sua família, mas para que ela possa continuar contribuindo com o Governo e a Cultura Brasileira assumirá, em alguns dias, a Cinemateca em SP. Nos próximos dias, durante a transição, será mostrado o trabalho já realizado nos últimos 60 dias", escreveu o presidente em seu Twitter.
Na última sexta-feira (15/V), profissionais ligados à história da instituição, considerada a maior da América do Sul, divulgaram uma carta em que relatam a situação financeira da Cinemateca. O título do documento é "Cinemateca Brasileira pede socorro".
"A Cinemateca Brasileira, maior arquivo de filmes do país, cuja trajetória é reconhecida internacionalmente, enfrenta uma situação limite. Em meados de maio não recebeu ainda nenhuma parcela do orçamento anual, cujo montante é da ordem de R$ 12 milhões", diz o documento.
Leia a íntegra da carta.
A Cinemateca Brasileira, maior arquivo de filmes do país, cuja trajetória é reconhecida internacionalmente, enfrenta uma situação limite. Em meados de maio não recebeu ainda nenhuma parcela do orçamento anual, cujo montante é da ordem de R$ 12 milhões.
Após sofrer uma intervenção do Ministério da Cultura em 2013, que destituiu sua diretoria e retirou-lhe a autonomia operacional, vem enfrentando um processo contínuo de enfraquecimento institucional que culmina na atual ameaça de total paralisia.
A Cinemateca tem sob sua guarda o maior acervo audiovisual da América do Sul, cuja preservação demanda cuidados permanentes de técnicos especializados e manutenção de estritos parâmetros de conservação em baixa temperatura e umidade relativa.
Estão sob sua custódia coleções públicas e privadas que constituem a memória audiovisual do país. Além do seu intrínseco valor cultural, as obras dos produtores nacionais agregam valor econômico; são fonte de renda industrial que mantém a dinâmica do setor. A ameaça que paira sobre a Cinemateca não é a destruição de valores apenas simbólicos, mas igualmente tangíveis.
O contrato do Governo Federal com a Organização Social que a administra – Associação de Comunicação Educativa Roquete Pinto (ACERP) - foi encerrado por iniciativa do MEC. A atual Secretaria Especial da Cultura, responsável pela Cinemateca, tem seus vínculos administrativos divididos entre os ministérios da Cidadania e do Turismo.
Essa situação esquizofrênica dificulta a atuação do governo com a urgência necessária para impedir a falência da Cinemateca, enquanto a administração pública se dedica a desenhar uma solução de longo prazo. Se o orçamento da Cinemateca não for imediatamente repassado a ACERP, assegurando a manutenção do quadro mínimo de contratados e as condições físicas de conservação, não haverá necessidade de uma perspectiva de fôlego, pois já teremos alcançado a solução final.
O descaso da Secretaria do Audiovisual do extinto Ministério da Cultura para com a Cinemateca acarretou o incêndio de fevereiro de 2016 – o quarto sofrido pela instituição em sua história – em que se perderam definitivamente mil rolos de filmes antigos, fato que na ocasião foi relegado pelas autoridades, que não tomaram nenhuma providência de reparação ou de prevenção de novos acidentes.
Em fevereiro deste ano, as instalações da Cinemateca na Vila Leopoldina (São Paulo), que abrigavam parte do acervo, foram atingidas por uma enchente. Novamente a Secretaria do Audiovisual se absteve de suas responsabilidades, não esclareceu eventuais perdas, nem adotou medidas para proteger as coleções em perigo.
Se a indiferença com o futuro do patrimônio audiovisual brasileiro persistir, as consequências serão ainda mais graves. Sem os cuidados dos técnicos e as condições de conservação todo o acervo se deteriorará de modo irreversível.
Nesse caso, quando chegar o socorro de Brasília, as imagens do nosso passado terão se tornado espectros de nossa falência como nação.
São Paulo, 15 de maio de 2020
LYGIA FAGUNDES TELLES, ex-presidente do Conselho da Cinemateca Brasileira
ISMAIL XAVIER, ex-presidente do Conselho da Cinemateca
CARLOS AUGUSTO CALIL, ex-diretor executivo da Cinemateca, ex-Secretário Municipal de Cultura de São Paulo
RICARDO OHTAKE, ex-diretor executivo da Cinemateca, ex-Secretário de Cultura do Estado de São Paulo
DORA MOURÃO, ex-membro do Conselho, ex-presidente da CILECT – The International Association of Film and Television Schools
UGO GIORGETTI, ex-membro do Conselho da Cinemateca
JOÃO BATISTA DE ANDRADE, ex-membro do Conselho da Cinemateca, ex-secretário de Cultura do Estado de São Paulo
MARCELO ARAÚJO, ex-membro do Conselho da Cinemateca, ex-Secretário de Cultura do Estado de São Paulo
EDUARDO MORETTIN, ex-membro do Conselho da Cinemateca
SÉRGIO MUNIZ, ex-membro do Conselho da Cinemateca
WALTER SALLES, ex-membro do Conselho da Cinemateca
Professores do CTR – Departamento de Cinema, Televisão e Rádio / Universidade de São Paulo
ALMIR ALMAS
ESTHER HAMBURGER
RUBENS REWALD
PATRICIA MORAN
GILSON SCHWARTZ
LUIS FERNANDO ANGERAMI
CECÍLIA MELLO
JOÃO GODOY
FERNANDO SCAVONE
MATEUS ARAÚJO
ARLINDO MACHADO
ROBERTO MOREIRA
LUIS DANTAS
HENRI GERVAISEAU
THIAGO ANDRÉ
EDUARDO VICENTE
CRISTIAN BORGES
EDUARDO SANTOS MENDES
JOÃO PAULO AMARAL SCHLITTLER SILVA
RUBENS MACHADO JUNIOR
APACI - Associação Paulista de Cineastas
ABRACI - Associação Brasileira de Cineastas
ABC - Associação Brasileira de Cinematografia - MARCELO TROTTA, presidente
API - Associação de Produtoras Independentes
ABPA - Associação Brasileira de Preservação
ABRACCINE – Associação Brasileira de Críticos de Cinema
FÓRUM DOS FESTIVAIS - Fórum Nacional dos Organizadores de Festivais de Cinema - ANTONIO LEAL, presidente
FORCINE - Fórum Brasileiro de Ensino de Cinema e Audiovisual - ALESSANDRA MELEIRO, presidente
Festival de Documentários É TUDO VERDADE - AMIR LABAKI, diretor
Cinemateca do Museu de Arte Moderna – Rio de Janeiro
RICARDO COTA, curador
HERNANI HEFFNER, conservador chefe
Cineteca Nacional de Chile - MÓNICA VILLARROEL, diretora
Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema - TIAGO BATISTA, diretor do centro de conservação
JEAN-LOUIS COMOLLI, crítico e professor
NÉSTOR GARCIA CANCLINI, professor-investigador distinguido de la Universidad Autónoma Metropolitana e investigador emérito del Sistema Nacional de Investtigadores de México.