Requião: auxílio-moradia desmoraliza o País!
Do site do Senador Roberto Requião (MDB-PR):
O senador Roberto Requião leu, nesta sexta-feira (23), no plenário, o seu relatório à proposta de emenda constitucional que extingue o auxílio moradia para juízes, procuradores, parlamentares, ministros, secretários estaduais e municipais. O senador disse decidiu apresentar seu relatório, mesmo que a tramitação da PEC esteja impedida pela intervenção no Rio de Janeiro, diante das reações corporativas dos detentores do privilégio à proposta de proibição do pagamento do auxílio.
Para o senador, o auxílio moradia e outros penduricalhos que, à margem da lei, concedem aumentos salariais indevidos a membros do Judiciário e da Ministério Público, desmoraliza os poderes ao criar privilégios e castas no serviço público.
Veja o pronunciamento [acima] e conheça o texto do relatório.
TEXTO DO RELATÓRIO
PARECER Nº , DE 2018
Da COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA sobre a Proposta de Emenda Constitucional nº 41 de 2017, primeiro signatário, Senador Randolfe Rodrigues, que Altera o art. 39 da Constituição Federal, para vedar o pagamento de auxílio moradia aos membros de Poder.
Relator: Senador ROBERTO REQUIÃO
I – RELATÓRIO
Vem ao exame desta Comissão a PEC 41 de 2017, que se destina a alterar “o art. 39 da Constituição Federal, para vedar o pagamento de auxílio moradia aos membros de Poder.”
A PEC contém apenas dois artigos.
O primeiro propõe alterar o disposto no § 4º do art. 39 da CF, incluindo em seu texto atual a vedação de “pagamento de auxílio-moradia ou equivalente”.
O texto atualmente vigente, incluído pela EC 19, de 1998, determina que:
- 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.
Os citados incisos X e XI limitam-se a prescrever que os subsídios devem ser fixados por lei (inciso X) e a definir seus tetos (inciso XI).
O art. 2º cuida exclusivamente de estabelecer a vigência a partir da publicação da EC.
Não foi apresentada qualquer emenda à proposição.
ANÁLISE
Regimentalmente, cabe à CCJ o exame das propostas de EC, em conformidade com o que dispõe o art. 356 do Regimento Interno do Senado.
Quanto à admissibilidade, a PEC nº 41, de 2017, preenche o requisito do art. 60, I, da nossa Carta Magna, tendo sido subscrita por mais de um terço dos membros desta Casa.
Não se vislumbra, também, qualquer óbice à sua aprovação, porquanto não se fazem presentes as circunstâncias que prejudicariam a aprovação da PEC, previstas no art. 60, I, e §§ 1º, 4º e 5º da Constituição Federal, o nos arts. 354, §§ 1º e 2º, e 373 do Regimento Interno do Senado Federal.
O exame formal do texto revela que a proposta mantém pleno respeito às cláusulas pétreas constitucionais, não havendo qualquer razão jurídica que recomende ou impeça sua aprovação. Verifica-se, ainda, que sua matéria apresenta perfeita harmonia com os princípios e os valores defendidos pela Constituição Federal.
No mérito, a proposta é mais que salutar, pois gera uma especificação do texto constitucional, de modo a evitar sua violação, por meio de uma aplicação inadequada ampliada do inciso XI do art. 39 da Carta Magna, que define os limites de remuneração dos agentes e dos servidores públicos.
A história da aprovação judicial da concessão de auxílio-moradia merece ser rapidamente examinada, pois revela sua patente injuridicidade: decorre de medida liminar proferida na Ação Originária nº 1.773, de 2014, em que foi posto como argumento para deferimento do benefício o fato de que:
… a concessão não encerra a iniquidade, porquanto, mesmo após a sua implementação, o juiz federal passará a receber remuneração mensal aquém de vários seguimentos que atuam na esfera judicial. É que a concessão visa a servir de instrumento de moralização destinada [sic] a assegurar a independência do Poder Judiciário e evitar o indesejável crescimento do elevado número de juízes federais que se exoneram dos seus cargos para ocupar outros de natureza pública, tornando a magistratura mera carreira de passagem.
Tais alegações demonstram que as razões da concessão da medida liminar não são jurídicas, mas sim, de política pública relativa à remuneração.
Parece evidente, a partir desse excerto, que o auxílio-moradia tem sido utilizado como forma de elevação salarial, em descumprimento ao ditame constitucional que atribui ao legislativo o poder de definir salários.
Não se pode conferir moralização e independência ao Judiciário por meio de auxílio-moradia. Espera-se de um juiz que mantenha comportamento moralmente ilibado, independentemente de sua remuneração ou de seu desejo de ganhar mais do que aquilo que a Administração lhe oferece.
Ampliar a remuneração de uma carreira por meio de auxílio-moradia corresponde a não reconhecer que os vencimentos e subsídios de todo o funcionalismo (nas três esferas) encontra-se defasado em razão de a inflação ter corroído o pode de compra nos últimos anos e de os reajustes não terem recomposto o real poder aquisitivo dos salários.
O país passa por uma crise fiscal que impõe a todos os agentes públicos, em homenagem ao princípio da igualdade, um esforço que não pode ser burlado por pequenos grupos de servidores, especialmente quando esses grupos recebem os melhores salários da nação, e quando o valor mensal desse auxílio-moradia ultrapassa o total da remuneração mensal de inúmeros servidores público que igualmente estão com seus vencimentos defasados.
O que se tem observado é que, comumente, membros de poder têm sido contemplados com auxílio-moradia, como forma de desvio da regra constitucional limitadora da retribuição pelo exercício do cargo.
Afigura-se aqui um verdadeiro engodo; revela-se uma falácia atribuir auxílio-moradia a agentes políticos que exercem cargo permanente.
Da mesma forma, revela-se falacioso o argumento amplamente difundido de que os subsídios de agentes políticos estriam muito aquém dos percebidos por determinadas carreiras, em certa medida, equivalentes no setor público ou na iniciativa privada. Tal entendimento desnatura a essência do serviço público, até mesmo porque várias das carreiras destinatárias de auxílio-moradia têm subsídios de valor próximo ao do teto salarial, o que, em termos da realidade do país, assegura uma vida digna ao detentor do cargo.
Destaque-se que essa situação não se confunde com os deslocamentos temporários, vez que esses devem ser cobertos por diária.
Não se está aqui, também, retirando do agente o direito de receber ajuda de custo por alteração de local de residência.
Todavia, o exercício do cargo com lotação em determinada localidade pressupõe a residência naquele local.
Certo é que conceder auxílio-moradia a alguns agentes públicos e não conceder a outros viola a regra de igualdade de todos perante a lei, mormente quando o agente possui imóvel na mesma localidade ou na mesma área metropolitana.
O agente político é espécie do gênero agente público e, nessa qualidade, uma vantagem como o auxílio-moradia configura um desrespeito ao direito dos demais.
Além disso, qualquer agente público deveria, ao aceitar o cargo, submeter-se à regra constitucional que limita sua remuneração ao teto que corresponde ao subsídio pago aos ministros do Supremo Tribunal Federal, que constitui, também, o teto dos poderes Legislativo e Executivo.
Afrontar essa regra corresponde a pôr os cargos hierarquicamente inferiores em posição remuneratória de maior valor, apontando para uma relevância superior dos cargos inferiores.
Além disso, na prática, o que se tem visto é que há inúmeros agentes públicos que, a despeito de estarem recebendo subsídio de valor próximo ao do ministro do STF, estão recebendo auxílio-moradia, o que resulta em uma forma de burlar a norma constitucional que define os limites remuneratórios.
É bem verdade que, à primeira vista, parece revestir-se de legalidade tal concessão, na medida em que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC 35), assim dispõe:
Art. 65 – Além dos vencimentos, poderão ser outorgadas aos magistrados, nos termos da lei, as seguintes vantagens:
II – ajuda de custo, para moradia, nas localidades em que não houver residência oficial à disposição do Magistrado.
E, nesse mesmo sentido, caminharam o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público, ao editarem, respectivamente, as Resoluções nºs 199/2014 e 117/2014, considerando devida a “ajuda de custo para moradia” a “todos os membros da magistratura nacional” e aos “membros do Ministério Público em atividade.”
O argumento da legalidade fundada na LOMAN, todavia, não se sustenta à luz do texto constitucional. Observe-se que, em 1998, quando a EC nº 19 estabeleceu o sistema de remuneração por meio de subsídio, ficou determinado que o subsídio reuniria todas as verbas remuneratórias em um único valor, tornando inconstitucional, desde então, qualquer acréscimo remuneratório além do subsídio, tornando inaplicáveis os incisos de natureza remuneratória do art. 65 da LOMAN.
Pode alguém alegar em juízo que o auxílio-moradia não teria caráter remuneratório, mas sim, indenizatório, e que, assim, não poderia estar compreendido no conceito de subsídio.
Ledo engano – ou fraude de interesse. Ao tratar do salário mínimo como direito dos trabalhadores, a própria Constituição atribui a ele a função atender as “necessidades vitais básicas” dos trabalhadores “e às de sua família com moradia, alimentação…”
Partindo desse preceito, verifica-se que a moradia tem natureza de gasto básico do trabalhador, a ser suprido a partir da aplicação de seu salário, tornando descabida a alegação de sua natureza indenizatória.
A natureza do auxílio-moradia é, portanto, salarial e não remuneratória, ainda que a LOMAN o trate como “ajuda de custo”. Certo é que a Lei não tem o poder de alterar a natureza de um instituto definida pela própria Constituição Federal.
Não se confunda, todavia, tal situação com aquela em que a Administração Pública possui imóveis funcionais destinados a pessoas que, obrigatoriamente, exercem cargos temporários. Nesse caso, forçoso é reconhecer que, a contrário senso, a não utilização do imóvel pelos agentes públicos constituiria uma perda de eficiência por parte do poder público, na medida em que deixaria de aplicar os imóveis residenciais na função para a qual existem.
Por tal razão, proponho a aprovação do art. 2º, que admite tal hipótese, desde que o agente interessado não possua imóvel no local em que vai residir e desde que o imóvel já seja de propriedade do ente público.
Igualmente não se pode olvidar a necessidade de se conceder auxílio-moradia a detentores de mandato eletivo, por tempo determinado, uma vez que a eles não é dada a oportunidade de fixarem residência na localidade da sede do Poder em que exercerão o mandato.
Para tanto, sugiro a inserção do art. 3º do substitutivo.
Na prática, verifica-se que a presente emenda constitucional nem mesmo deveria existir, pois atribuo a ela uma natureza puramente interpretativa, já que, como dito, o conceito de subsídio nem mesmo comportaria qualquer acréscimo remuneratório, como o é o auxílio-moradia.
Todavia, o que se tem verificado é que a autonomia administrativa de órgãos da administração pública tem sido utilizada como desculpa para o exercício legiferante, na mais absoluta afronta ao princípio da legalidade quando se refere à remuneração de agentes públicos, especialmente a membros de poderes.
O exame mais simplório da divulgação de dados remuneratórios dos agentes públicos em cumprimento à Lei da Transparência revela, em algumas situações, um absoluto descaso de certos órgãos públicos para com as regras constitucionais que impõem a reserva legal ao estabelecimento do valor das remunerações, muito especialmente o inciso X do art. 37, que determina que “X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica…”
Outra burla aos princípios da economicidade e da moralidade é o pagamento de diárias em caso de deslocamento de servidor dentro da mesma região metropolitana ou a municípios muito próximos. Com vistas a evitar tal desvio, proponho a inserção do § 5º no art. 39.
Da mesma forma, as normas constitucionais que limitam as remunerações e os subsídios aos valores recebidos pelos ministros do STF têm sido permanentemente burladas, quando qualquer órgão ou entidade pública, ao proceder aos cálculos de processos administrativos ou judiciais que acrescentam valores a remunerações passadas, deixa de considerar os limites impostos pelo disposto no inciso XI do art. 37.
Por tal razão, impõe-se, ainda que com efeitos a partir janeiro de 2018, vedar qualquer pagamento de remunerações passadas em que o valor a ser acrescido a cada mês somado ao valor bruto que efetivamente foi recebido no respectivo mês ultrapasse o limite aplicável a cada mês.
Daí a razão para a inclusão do art. 4º na presente PEC, ressalvados os casos de valores recebidos antes de 2018.
Não recomendo a aplicação retroativa dos valores recebidos a título de auxílio-moradia, primeiro, porque, com certeza, a maior parte dos beneficiários recebeu de boa-fé; segundo, porque tal medida violaria o princípio da segurança jurídica.
III – VOTO
Feitas essas considerações, voto pela constitucionalidade e juridicidade da matéria, e, no mérito, voto pela aprovação da presente PEC, na forma da emenda substitutiva a seguir:
EMENDA Nº -CCJ (SUBSTITUTIVO)
PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 41 DE 2017
Altera o art. 39 da Constituição Federal, para vedar o pagamento de auxílio-moradia aos membros de Poder, excepcionadas determinadas situações, e dá outras disposições.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3° do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:
Art. 1º O art. 39 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 39 ………………………………………………………….. .
- 4° O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, bem como o pagamento de auxílio-moradia ou equivalente, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.
………………………………………………………….. (NR)
- 5º A Administração Pública não pagará diária a qualquer agente público quando de seu deslocamento para município que, em relação à localização em que exerce suas atividades funcionais:
I – situe-se na mesma área metropolitana; ou
II – diste até cem quilômetros.
Art. 2º Admitir-se-á o uso de imóveis funcionais pelas pessoas a que se refere o § 4º do art. 39, desde que sejam atendidas as seguintes condições:
I – os imóveis já sejam de propriedade da Administração Pública quando da publicação desta Emenda Constitucional; e
II – nem o interessado nem seu cônjuge possua imóvel na localidade onde passará a residir, assim entendido, o Distrito Federal o município ou outro município da mesma região metropolitana ou que diste até cem quilômetros do local de lotação.
Art. 3º Excepcionam-se à regra do § 4º do art. 39 quanto ao auxílio-moradia o detentor de mandato eletivo por tempo determinado, desde que:
I – nem o agente nem seu cônjuge possua imóvel no local da sede do órgão em que via exercer seu mandato;
II – resida efetivamente em local distinto da sede do órgão em que vão exercer seu mandato;
III – não exista imóvel funcional disponível.
Art. 4° Em qualquer processo em que se reconheça aos agentes públicos o direito ao pagamento de acréscimos em verbas remuneratórias ou subsídios passados, o cálculo do valor mensal devido deverá se submeter aos limites estabelecidos no art. 37, XI, da Constituição.
Parágrafo único. Todos os órgãos e entidades públicas que tinham, na data de 1º de janeiro de 2018, valores a pagar decorrentes de processos em que agentes públicos tenham obtido o direito ao recebimento de remunerações ou subsídios atrasados deverão apurar os valores devidos levando em consideração os limites constitucionais a que se refere o art. 4º desta Emenda Constitucional, observando-se as seguintes regras:
I – caso o valor apurado seja positivo, deve-se proceder ao pagamento na forma ajustada administrativa ou judicialmente;
II – caso o valor apurado seja negativo, deve-se desconsiderar tudo o que foi pago até 31 de dezembro de 2017, e promover a devolução aos cofres públicos dos valores recebidos a partir de 1º de janeiro de 2018.
Art. 5º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação, com efeitos:
I – a partir da publicação, quanto às regras dos artigos 1º a 3º; e
II – ex-tunc, quanto ao art. 4º, observado o disposto no parágrafo único.
Sala da Comissão, em
, Presidente
, Relator