Suicídio do reitor: "Agora, é claro, não aparecerá responsável".
Auler: delegada Erika e juíza Janaina também são inimputáveis?
publicado
15/10/2017
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O Conversa Afiada reproduz do blog do Marcelo Auler:
“Na verdade foi criado ao redor dele um aparato tal
que, a meu ver, o deixou sozinho e abandonado”.
Padre William Barbosa Vianna
que, a meu ver, o deixou sozinho e abandonado”.
Padre William Barbosa Vianna
Preocupado em não descumprir a ordem judicial que o impedia de acessar documentos do caso em que foi envolvido e de voltar à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) – à qual esteve ligado nos últimos 12 anos e desenvolveu uma “carreira meteórica” até ser eleito reitor – Luis Carlos Cancellier de Olivo, 59 anos, o Cau, isolou-se em casa, após deixar o presídio na tarde de sexta-feira, dia 15 de setembro.
Temia, como admite seu irmão mais velho, Acioli, descumprir a ordem do juízo: “ele morava a cerca de 20 metros da universidade. Atravessava a rua e entrava na universidade. Ou seja, se atravessasse a rua descumpria a ordem e corria o risco de ser preso”, resume o primogênito da família, 67 anos, doutor em engenharia mecânica e aeronáutica pelo ITA que, mesmo aposentado, continua a residir em São José dos Campos (SP).
Há uma semana, no domingo (08/10), durante a missa de sétimo dia em intenção do reitor, o padre William Barbosa Vianna se queixou de não ter tido acesso a Cau para lhe prestar assistência religiosa. Coordenador da Pastoral Universitária, ele é professor e chefe do Departamento de Ciências da Informação da UFSC.
A revelação, feita na homilia do ato religiosos na capela ecumênica da UFSC, surpreendeu a muitos dos cerca de 200 presentes e foi interpretada por jornalistas como se a proibição tivesse partido da Polícia Federal. Esta interpretação acabou se tornando “verdade” ao ser reproduzida com insistência, não apenas nas redes sociais. Só não foram checar com o padre o que realmente ocorreu.
Na realidade, em momento algum da homilia o religioso identificou autores do impedimento. Ao Blog, falou de um “aparato tal que, a meu ver, o deixou sozinho e abandonado”:
“O que está sendo divulgado, que eu falei sobre a Polícia Federal, não é verdadeiro. Até porque, tanto a polícia quanto os hospitais conhecem os procedimentos e nós, em geral, não temos problemas nas delegacias, presídios e hospitais. A situação foi específica. Ela se deu durante o período em que ele estava na casa dele, depois de ter sido preso e solto. Agora, é claro, não aparecerá nenhum responsável“.
A afirmação – “é claro, não aparecerá responsável” – envolve, na verdade, uma série de circunstância que contribuíram para o isolamento do reitor e a tragédia em si. Mas, em sã consciência não há como afirmar que a assistência religiosa a evitaria. Fica-se no campo da suposição.
Onde algum crime? - Cancellier foi preso em casa, no início da manhã de uma quinta-feira (14/09), acusado de tentar dificultar a investigação administrativa – não a criminal, deixe-se claro – no âmbito da Corregedoria da UFSC, em torno dos gastos nos programas de Ensino à Distância (EAD) e Universidade Aberta do Brasil (UAB).
Foi acordado por policiais federais de São Luiz do Maranhão, deslocados para a Operação Ouvidos Moucos, como relatou o jornalista Renan Antunes, de Florianópolis, na reportagem Deduragem de colegas foi o que mais doeu no reitor da UFSC e o fez desistir, publicada no Diário do Centro do Mundo – DCM.
Segundo Antunes, 105 agentes foram mobilizados para o cumprimento de sete mandados de prisão, cinco mandados de condução coercitiva e 16 de busca e apreensão.
As acusações de tentativa de interferência nas apurações no âmbito da Corregedoria Geral da UFSC são tênues. Antunes, na referida reportagem, diz que partiram de possíveis desafetos do reitor. A advogada de Cancellier, Nívea Dondoerfer Cademartori, garante que ele nem mesmo sabia que era investigado/suspeito.
No Código Penal não há referencia a muito falada Obstrução da Justiça. Este crime está contido na Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/13). No Código Penal há sim o capítulo III “Dos Crimes Contra a Administração da Justiça”, no qual não se encaixa o comportamento do reitor, tampouco a suspeita levantada contra o reitor na investigação administrativa.
Já a obstrução prevista na Lei das Organizações Criminosa (veja ilustração ao lado) é específica para as chamadas Orcrins.
No entendimento de um desembargador federal e de um subprocurador da República, não há como ser adaptada para casos de Processos Administrativos:
“O parágrafo fala em investigação criminal. Não é possível jamais estender. A tipicidade é restrita. Não comporta analogia”, explicou o desembargador.
Portanto, além de tênue, a acusação contra o reitor não caracterizava um crime.
Ironia do destino - Mas, ainda assim a prisão com os agravantes de afastá-lo do cargo e proibir seu ingresso na Universidade foram decisões da juíza da 1ª Vara Criminal Federal de Florianópolis, Janaina Cassol Machado. Atendeu aos pedidos da delegada federal Erika Mialik Marena. Tratou-se da primeira grande operação da delegada, desde que chegou à cidade, no início do ano, transferida de Curitiba, onde coordenou a Operação Lava Jato.
Os pedidos contaram ainda com o parecer favorável do Ministério Público Federal (MPF).
Tão absurda como a decisão de prender alguém suspeito de tentar interferir em uma investigação administrativa sem motivos fortes para isso, como, depois, foi atestado por outra juíza, foi impedirem o retorno do reitor e dos demais envolvidos à UFSC. Não bastaria impedi-los de se envolverem com as investigações em torno dos programas sob suspeitas – a Universidade Aberta do Brasil (UAB) e o Ensino a Distância (EAD)?
Curiosamente o pedido da delegada demorou 50 dias nas mãos da juíza. Janaína alegou que isso demonstra sua preocupação em estudar o caso. Pode ser. Mas, ao que parece, revela um pouco mais. Que não existia, aparentemente, qualquer pressa em executar as prisões. Provavelmente por não serem fatos nítidos, preto no branco, que permitissem uma concordância imediata.
Ainda assim elas foram concedidas e os professores da universidade impedidos de retornar ao trabalho.
Depois, a demora foi da Polícia Federal: 16 dias para prender sete pessoas que, ao que se supõe, jamais se oporiam a atender qualquer intimação. Menos ainda resistiram a uma ordem de condução coercitiva/prisão. Não formam bando de assaltantes ou traficantes armados.
Mas, para encarcerá-los foram mobilizados mais de 100 homens de outros estados e de regiões do país longínquas. Movimentação típica das grandes operações que atrai a atenção da mídia e gera destaque nos noticiários. Relembre-se, por pertinente, o questionamento de Antunes, na reportagem do DCM:
“Em nome da PEC da economia, não tinha ninguém mais de perto pra tarefa??? A turma da terra de Sarney foi trazida a Floripa só para a perigosa missão de meter o reitor num uniforme laranja de presidiário?”
Na matéria ele classifica como “ironia do destino” Cancellier ser preso pela ex-coordenadora da Operação Lava Jato.
Militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) na sua juventude, assessor do senador Nelson Wedekin (PMDB/SC) entre 1985/2000, o reitor, na descrição de Antunes, não era daqueles a quem se poderia classificar como “esquerdistas”, “petralha”:
“(…) abandonou a militância de esquerda e deu uma guinada pro outro lado – segundo vários relatos, Cau nunca escondeu que votou em Aécio, apoiou o impeachment, alinhou com Temer e se dizia fã de Sérgio Moro”.
Celas comuns – Embora a decisão fosse por uma prisão temporária de cinco dias, prorrogáveis, a juíza Janaína, ainda atendendo ao pedido da própria delegada, lhe facultou a possibilidade de “liberar os presos após seus interrogatórios, em sendo constatada a ausência dos perigos aqui descritos”.
Foram expedidos sete mandados de prisão. Seis deles atingindo professores da UFSC. Além do reitor Cancellier, foram alvos da operação os professores Marcos Baptista Lopez Dalmau (Doutor em Engenharia de Produção pela UFSC), Gilberto de Oliveira Moritz (Doutorado em Engenharia de Produção pela UFSC), Eduardo Lobo (Pós-doutorado pela PUC-SP em Educação e Novas Tecnologias), Rogério da Silva Nunes (Doutorado em Administração pela USP), Marcio Santos (atual coordenador UAB; Coordenador EAD Física de 06/12 a 01/15). O sétimo foi para o servidor celetista Roberto Moritz da Nova.
Depois de passarem pela Polícia Federal, todos eles, inclusive os com diplomas universitários, foram remetidos à Penitenciária de Santa Catarina. Ali, após as revistas e passarem a trajar macacões de cor laranja, dividiram celas comuns, no setor de segurança máxima. Ficaram isolados dos demais presos, mas distantes daquilo que a legislação determina como “prisão especial” para os detentores de diplomas universitários. Certa ou errada, a lei existe e, teoricamente, deveria ser cumprida. No caso, parece ter sido esquecida.
Na sexta-feira (15/09), diante da licença por motivos de saúde de Janaína, quem despachou os pedidos de relaxamento das prisões, inclusive de Cancellier, foi a juíza Marjôrie Cristina Freiberger, “substituta na Titularidade Plena”, como registra a decisão.
Antes de tomar uma posição, ela questionou a delegada. Esta se mostrou contrária à libertação dos presos alegando que “ainda seriam ouvidas dezenas de pessoas, inclusive as beneficiárias das bolsas suspeitas“. Mencionou, como descreveu a juíza Marjôrie, “indícios de existência de uma verdadeira organização criminosa“.
Vale lembrar que na decisão da juíza Janaína atendendo aos pedidos de Buscas e Apreensões, ao transcrever trechos do pedido feito pela Polícia Federal, há citações como “delimitar os papéis de cada investigado no grupo criminoso” e “das pessoas físicas abaixo, que, considerando a atualidade das condutas, efetivamente detêm o controle da organização” (grifos nossos).
Portanto, por tal leitura, se depreende que já se falava em organização e grupo criminoso pelo menos desde julho, quando protocolados os pedidos de prisão dos investigados e de busca e apreensão. No de prisão, a delegada solicitava também autorização para soltar os presos após os depoimentos.
A argumentação da delegada não convenceu a juíza Marjôrie da necessidade de os presos permanecerem aprisionados. Na mesma tarde da sexta-feira (15/09) ela despachou os alvarás de soltura registrando:
“No presente caso, a Delegada de Polícia Federal não apresentou fatos específicos dos quais se possa defluir a existência de ameaça à investigação e futuras inquirições“.
Em seu despacho, a juíza ainda ressaltou a mudança de posição:
“A própria Delegada da Polícia Federal no Evento 2 (Representação Busca2) requereu fosse autorizada a liberação de todos os presos após seus interrogatórios. Entretanto, após instada a manifestar-se nesse procedimento, a Delegada de Polícia Federal insistiu na continuidade da prisão em virtude do prosseguimento da investigação e necessidade da oitiva de pessoas envolvidas na operação“.
Despacho da juíza Marjôrie apontando a mudança de posição da delegada.
Perguntas sem respostas – Os motivos desta mudança de posição são desconhecidos. Afinal, o inquérito é mantido em segredo. Nem os advogados das partes tiveram acesso às peças que a polícia recolheu nas buscas. A esta dúvida – o que levou a delegada a mudar de posição – juntam-se outros questionamentos que o Blog encaminhou à dra. Erika por e-mail no dia 12 de outubro e à Assessoria de Comunicação da Superintendência Regional da Polícia Federal de Santa Catarina (SR/DPF/SC) no dia seguinte. Ambas as mensagens ficaram sem resposta. Nelas perguntamos:
1 – Se, como declarou à juíza Marjôrie, a polícia ainda pretendia “ouvir dezenas de pessoas, inclusive as beneficiárias das bolsas suspeitas”, não deveria ter aguardado tais depoimentos para, de posse de informações mais concretas, interrogar os suspeitos/investigados?
2 – Não seria mais proveitoso à apuração dos fatos, antes de partir para medidas extremas como a prisão, convocar os suspeitos/investigados?
Afinal, segundo diz Antunes na reportagem do DCM, e como também apurou o Blog junto a policiais federais, “o que já se sabe com certeza é que a PF nunca teve e não tem contra o reitor as “robustas provas nos autos”, como fez acreditar de início”.
3 – Mesmo aqueles levados coercitivamente para depor, não poderiam chamá-lo, intimá-los, antes? Era, realmente, necessário a busca deles em casa, ao acordarem, com todo o aparato de praxe em operações como estas?
4 – Como os pedidos de prisão e busca e apreensão datam de 5 de julho, como disse a juíza Janaina a Hyury Potter do Diário Catarinense – Juíza que autorizou prisão do reitor da UFSC diz que soltura traz risco de interferência no caso -, depreende-se que a Polícia Federal teve 72 dias para planejar a Operação Ouvidos Moucos. Ou, no mínimo, 17 dias, caso se considere a data em que a juíza deferiu tais medidas: 28 de agosto.
Neste prazo, sabendo que os suspeitos eram, na sua maioria, detentores de títulos universitários, não poderiam achar um local – custódia da Polícia Federal, quartel da PM, do Corpo de Bombeiros ou das Forças Armadas – que respeitasse a legislação da prisão especial para os mesmo? Precisava mandá-los direto a um presídio?
5 – Leve-se em conta que os suspeitos dormiram na noite do dia 13 sem imaginar que seriam presos no amanhecer do dia seguinte. Que foram acordados por e passaram o dia com policiais federais. Portanto, ao chegarem ao presídio, seria realmente necessária a chamada “revista íntima” na qual, nus, como descreveu Antunes no DCM, foram submetidos até à “revista anal”?
6 – Alguém realmente imaginou que eles escondiam algo no corpo? Drogas? Armas? Tiveram tempo e/ou oportunidade para isso? Ou tudo não passou de mais um ato para humilhá-los?
Reitere-se, por pertinente, a observação de Antunes na reportagem no DCM:
“A conferir se Geddel, Sérgio Cabral ou Eduardo Cunha passaram por tamanha humilhação”.
(...)
Leia o restante da matéria no blog do Marcelo Auler.