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Uma Pátria Armada não faz bem à Saúde

LF Tófoli: profissionais da Saúde serão os cronistas da violência
publicado 18/01/2019
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Por Luís Fernando Tófoli, professor do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (UNICAMP), no Facebook:

Diante da cota inesgotável de asneiras que temos ouvidos nesse país sobre qualquer coisa, às vezes parece que não vale a pena olharmos as evidências científicas.

Ainda assim, eu não desisto, e gostaria de chamar a atenção daqueles que já imaginam seus canos fumegantes vingando a sensação de impotência diante da violência urbana: armas de fogo fazem mal à saúde.

Vamos dar uma olhada no que revisões de estudos científicos indicam sobre isso?

ARMAS EM CASA
Uma extensa metanálise (um tipo de revisão que usa métodos matemáticos para resumir o resultado de diversos estudos experimentais) sobre o tema foi publicada nos Annals of Internal Medicine em 2014 (http://bit.ly/2Fy3syX). Este estudo revelou que em uma casa onde está uma arma de fogo há um risco de cerca de três vezes maior de alguém morrer por suicídio e duas vezes maior de mortes por homicídio.

TAXAS DE SUICÍDIO
O instituto de pesquisa RAND Corporation, ligado ao governo americano, fez uma excelente compilação de estudos sobre leis de armas e risco de suicídio (http://bit.ly/2B0WuPt). A conclusão geral é de que a evidência disponível é suficiente para afirmar que a disponibilidade de armas de fogo está associada a maiores taxas de suicídio. Vale lembrar que os Estados Unidos, país com maior quantidade de armas em domicílios, tem as maiores proporções de suicídios consumados com tiros de armas de fogo.

MORTES POR ARMAS DE FOGO
Especificamente no caso dos homicídios, uma revisão recente (2017) de outra importante revista de Clínica Médica, o JAMA Internal Medicine, indicou uma associação entre menores taxas de homicídios por armas de fogo e uma maior restrição na venda de armas, incluindo maiores restrições à venda, elemento que foi enfraquecido de forma administrativa no famigerado recente decreto do governo Bolsonaro (https://ja.ma/2FwwCi8). Esses achados são corroborados pelos dados brasileiros do estudo de Daniel Cerqueira, economista do IPEA (http://bit.ly/2VWQcsO).

CRIANÇAS
O atual governo federal parecer ter um olhar especial para nossas crianças. Mas se parece que há um temor do que eles chamam de 'erotização infantil', a preocupação com a vida de nossas crianças parece não ser tão relevante. Quanto a isso, a Academia Americana de Psiquiatria emitiu uma declaração em 2012 (reafirmada em 2017) afirmando que a forma mais efetiva de evitar lesões por armas de fogo em crianças é a completa ausência de armas nas residências e nas comunidades (http://bit.ly/2FBVo08).

MULHERES
No caso da população feminina, não encontrei revisões, mas apresento dois estudos americanos. O primeiro indicou que as mortes de mulheres (http://bit.ly/2Mh0XBP) por arma de fogo foram mais comuns nos estados em estados com mais armas. Em um estudo comparativo sobre feminicídio em relacionamentos abusivos, percebeu-se que o acesso a arma de fogo por parte do perpetrador foi um fator de risco para este tipo específico de assassinato (http://bit.ly/2FKBVKj).

RELAÇÃO ENTRE ARMAS E CRIME
O dossiê feito pelo doutorando em Economia da UNICAMP Thomas Conti indica que 90% das revisões e 83% dos estudos empíricos que ele revisou apontaram que a ideia de que mais armas levam a menos crime não é sustentada (https://t.co/7ciQ8GJ8Iv). Também essa conclusão é reforçada por dados paulistas no estudo de Daniel Cerqueira citado acima.

REFLEXÕES
É evidente que não dá para exaurir o tema em um post, e também está claro que mais pesquisas são necessárias para maior detalhamento.

Porém, com o que já temos, não há muita dúvida que dá para afirmar duas coisas: 

1) MAIS ARMAS NÃO SIGNIFICAM MAIS SEGURANÇA;
2) MAIS ARMAS ESTÃO ASSOCIADAS A MAIORES RISCOS DE MORTE.

Há quem entenda que a questão da posse de armas tenha a ver com liberdades individuais. Nesse caso, não se pode rebater com dados, embora seja particularmente interessante nos perguntarmos por que as mesmas pessoas que querem mais armas costumam achar que a liberação das drogas ou do aborto não tem a mesma validade quando se fala sobre autodeterminação.

Na minha opinião, fica muito difícil, particularmente para os profissionais de saúde, argumentar com base em dados a favor da flexibilização das leis que controlem as armas terão um efeito benéfico no Brasil.

Apesar de 61% dos brasileiros, segundo o Datafolha, serem contrários ao aumento do armamento da população, parece que infelizmente, os profissionais de Saúde e os epidemiologistas estarão fadados, nos próximos anos, a serem os cronistas do aumento do número já absurdo de mortes por armas de fogo neste país.

Luís Fernando Tófoli
FCM-UNICAMP

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Obs.: Atualizado em 18/01 para incluir a declaração da Academia Americana de Psiquiatria e assim separar os itens MULHERES e CRIANÇAS.

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