Wanderley: crimes da direita não redimem pecados da esquerda
Professor reflete sobre a vergonha e a redenção à esquerda
publicado
03/10/2015
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O Conversa Afiada reproduz reflexão do professor Wanderley Guilherme dos Santos:
VERGONHA E REDENÇÃO À ESQUERDA
Em sessenta e cinco anos de história brasileira, os grupos políticos à esquerda amealharam algumas dolorosas derrotas. Logo ao início dos anos 50, feroz oposição liderada pelo Partidão ao segundo governo de Getulio Vargas só cessou quando a oposição conservadora emudeceu perante o suicídio presidencial, em agosto de 1954. A memória seletiva da esquerda tradicional apagou a ferida de que a morte de Getulio não calou apenas a direita.
Triunfalismo na interpretação da vitória sobre a tentativa golpista de impedir a posse de João Goulart, em 1961, estimulou radicalismo esquerdista crescente que, somado à míope presunção antecipada de poder, manietou o governo trabalhista e pariu a anestesia de todos os setores da esquerda, espectadora aturdida da marcha patusca de Mourão Filho, em 31 de março/ 1 de abril de 1964, transformada em vitória da reação, quarenta e oito horas depois, sem enfrentar resistência séria. A versão canônica da esquerda some com vários personagens do enredo e coloca fuzileiros navais americanos, que não estavam no roteiro, dando sentinela às portas do palácio do Governo, recebendo os golpistas que atravessavam a rua, vindos do Congresso. A derrota perdurou por 21 anos.
A partir de 1969, com o início da segunda edição do golpe civil-militar, registrada como Ato Institucional nº 5, veteranos de organizações revolucionárias convocaram a paixão de generosa juventude e acreditaram na via armada para o socialismo. A desilusão com as históricas lideranças progressistas, particularmente com o Partidão, cobriu de simpatia o apelo heroico e, a acreditar no testemunho posterior e memorialístico de sobreviventes, o estoque natural de solidariedade dos dezoito anos fez com que muitos ingressassem na rebelião acompanhando amigos de geração ou colegas de colégios e universidades. Para alguns mais lúcidos, a guerra foi perdida quando se deram conta de que “reagrupamentos de forças” escondiam contundentes derrotas físicas e, mais friamente, quando a taxa de recrutamento de combatentes ficou sistematicamente abaixo da taxa de perdas por desaparecimento, morte e prisão. Duríssimos momentos em que a rendição significava aparente e irreparável traição emocional aos companheiros mortos pela causa que estavam prestes a confessar perdida. Desde 1974, a tentativa revolucionária, como opção coletiva, estava destruída. Os militares, no entanto, fizeram dos mortos fantasmas a assustar conservadores e liberais por mais 11 anos.
De todas as desventuras, inclusive menores, os grupos à esquerda saíram feridos, mas não envergonhados. O rubor nunca fez parte do cardápio do campo progressista da política. Até recentemente. Por maior que seja o exagero e a falsificação do noticiário, por extensa que se prove a arbitrariedade do judiciário curitibano, não é possível à esquerda fingir que não é com ela. Reinterpretar a história para ficar bem na foto é estratégia eficaz enquanto a emoção não entrega os pontos. E não há cremes e batons que disfarcem o embaraçoso corado da face, o caminhar desorientado, o desânimo vocal. Trata-se de uma prostração histórica, não da batalha circunstancial de uma eleição ou outra. Vitórias eleitorais serão importantes, mas insuficientes para convencerem bons filhos a retornarem à casa antiga. A ruptura com os seduzidos pelos nefandos hábitos da direita privada, sempre pronta a expropriar clandestinamente os recursos públicos, é inevitável. Difícil e triste, pois exige autocondenar a negligência com que cada um se deixou encantar por um punhado de bravos, que o foram, quando deixaram de o ser. Crimes da direita não redimem pecados da esquerda.
A favor dos direitos civis e políticos de todos, não satisfaz à esquerda, contudo, refutar ilícitos de que herdaram a responsabilidade política com a denúncia de ilícitos cometidos pela processualística das investigações. A purga do desencaminhamento será amarga e lancinante. A começar pelo desconforto de reconhecer por ações e palavras que parte dos decaídos, a maior talvez, não está mais entre nós. E convocar os dispostos à longa reconstrução institucional do destacamento de vanguarda do país. A contabilidade de quantos bons filhos de boa fé sobraram é urgente.
Triunfalismo na interpretação da vitória sobre a tentativa golpista de impedir a posse de João Goulart, em 1961, estimulou radicalismo esquerdista crescente que, somado à míope presunção antecipada de poder, manietou o governo trabalhista e pariu a anestesia de todos os setores da esquerda, espectadora aturdida da marcha patusca de Mourão Filho, em 31 de março/ 1 de abril de 1964, transformada em vitória da reação, quarenta e oito horas depois, sem enfrentar resistência séria. A versão canônica da esquerda some com vários personagens do enredo e coloca fuzileiros navais americanos, que não estavam no roteiro, dando sentinela às portas do palácio do Governo, recebendo os golpistas que atravessavam a rua, vindos do Congresso. A derrota perdurou por 21 anos.
A partir de 1969, com o início da segunda edição do golpe civil-militar, registrada como Ato Institucional nº 5, veteranos de organizações revolucionárias convocaram a paixão de generosa juventude e acreditaram na via armada para o socialismo. A desilusão com as históricas lideranças progressistas, particularmente com o Partidão, cobriu de simpatia o apelo heroico e, a acreditar no testemunho posterior e memorialístico de sobreviventes, o estoque natural de solidariedade dos dezoito anos fez com que muitos ingressassem na rebelião acompanhando amigos de geração ou colegas de colégios e universidades. Para alguns mais lúcidos, a guerra foi perdida quando se deram conta de que “reagrupamentos de forças” escondiam contundentes derrotas físicas e, mais friamente, quando a taxa de recrutamento de combatentes ficou sistematicamente abaixo da taxa de perdas por desaparecimento, morte e prisão. Duríssimos momentos em que a rendição significava aparente e irreparável traição emocional aos companheiros mortos pela causa que estavam prestes a confessar perdida. Desde 1974, a tentativa revolucionária, como opção coletiva, estava destruída. Os militares, no entanto, fizeram dos mortos fantasmas a assustar conservadores e liberais por mais 11 anos.
De todas as desventuras, inclusive menores, os grupos à esquerda saíram feridos, mas não envergonhados. O rubor nunca fez parte do cardápio do campo progressista da política. Até recentemente. Por maior que seja o exagero e a falsificação do noticiário, por extensa que se prove a arbitrariedade do judiciário curitibano, não é possível à esquerda fingir que não é com ela. Reinterpretar a história para ficar bem na foto é estratégia eficaz enquanto a emoção não entrega os pontos. E não há cremes e batons que disfarcem o embaraçoso corado da face, o caminhar desorientado, o desânimo vocal. Trata-se de uma prostração histórica, não da batalha circunstancial de uma eleição ou outra. Vitórias eleitorais serão importantes, mas insuficientes para convencerem bons filhos a retornarem à casa antiga. A ruptura com os seduzidos pelos nefandos hábitos da direita privada, sempre pronta a expropriar clandestinamente os recursos públicos, é inevitável. Difícil e triste, pois exige autocondenar a negligência com que cada um se deixou encantar por um punhado de bravos, que o foram, quando deixaram de o ser. Crimes da direita não redimem pecados da esquerda.
A favor dos direitos civis e políticos de todos, não satisfaz à esquerda, contudo, refutar ilícitos de que herdaram a responsabilidade política com a denúncia de ilícitos cometidos pela processualística das investigações. A purga do desencaminhamento será amarga e lancinante. A começar pelo desconforto de reconhecer por ações e palavras que parte dos decaídos, a maior talvez, não está mais entre nós. E convocar os dispostos à longa reconstrução institucional do destacamento de vanguarda do país. A contabilidade de quantos bons filhos de boa fé sobraram é urgente.