A Elite do Atraso é importantíssimo, mas...
Marília Amorim não poupa os autores alemães
publicado
09/05/2018
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Weber (E) e Habermas mereciam mais rigor
A propósito do livro "A Elite do Atraso - da Escravidão à Lava Jato", de Jessé Souza, o Conversa Afiada recebeu essa critica da profª. Marilia Amorim:
A Elite do Atraso : livro importantíssimo e problemático
O livro “A Elite do Atraso” de Jessé Souza é um livro importantíssimo e problemático. Importantíssimo para que se compreenda o Brasil de hoje, a partir da compreensão do fundamento da sociedade brasileira.
A começar pelo título e o sub-título (Da escravidão à Lava-Jato), a mensagem é clara e contundente como deve ser. O Brasil foi e é uma sociedade escravocrata e o comportamento de grande fração da nossa classe média tem origem na posição que ocupou e ocupa até hoje, de capataz.
Pensadores importantes da esquerda brasileira, como Sérgio Buarque e Raymundo Faoro contribuíram para que esquecêssemos essas origens e atribuíssemos ao Estado a posição de grande corrupto.
Legitimados por essa idéia, a elite e a classe média capataz puderam e podem dar golpes de Estado e encarcerar a esquerda em nome do combate à corrupção. Esconde-se assim que a grande corrupção está no cerne do sistema capitalista e que os grandes ladrões são os multimilionários da elite rentista.
De quebra, esses autores forneceram as bases do complexo de viralata que domina corações e mentes do nosso país: o brasileiro tende a se auto-desvalorizar e a idealizar o americano e o europeu.
No entanto, apesar disso, o livro A Elite do Atraso tem dois problemas.
O primeiro é que o autor esquece que os equívocos na área de Ciências Sociais e Humanas são inevitáveis, uma vez que não são ciências exatas. Para as gerações futuras, todos nós, pesquisadores atuais nessa área, seremos de um modo ou de outro alvos de crítica. Porque nossas pesquisas, apesar de todos os esforços para que sejam objetivas, sofrem influência do contexto e das idéias da época.
O contexto nos cega e nossos trabalhos sempre terão pontos cegos.
Mas o tom que Jessé Souza emprega para criticar Sérgio Buarque e Raymundo Faoro transforma os equívocos em intenção malévola, como se dissesse: eles quiseram nos enganar! E ainda tiraram onda de críticos!
Personaliza os autores e quase os diaboliza, sem tentar minimamente tratar das contradições.
Por exemplo, os autores em questão foram fundadores do PT.
Mas esse dado é fornecido por Jessé Souza muito en passant, em uma ou duas frases e um parêntesis.
Sérgio Buarque e sua esposa foram amigos pessoais de Lula e este frequentou a casa deles até o final.
O segundo problema é que Jessé critica, muito acertadamente, o pensamento de lógica vira-lata, mas acaba reproduzindo essa lógica: ao desqualificar integralmente esses pensadores brasileiros que, mal ou bem, foram importantes para nós; e ao idealizar seus autores alemães.
Quando fala da influência nefasta do americano Parsons que contribuiu para idealizar o capitalismo do “primeiro mundo”, esquece de criticar Max Weber, o grande guru da Sociologia do Capitalismo.
Foi Weber quem construiu a teoria sobre o fundamento Protestante do Capitalismo e seus valores supremos de honestidade e amor ao trabalho.
Mais adiante em seu livro, Jessé Souza desenvolve outras idéias de Weber sem, em nenhum momento, criticar esse pronto crucial para a idealização do capitalismo “de primeiro mundo”.
O outro alemão que ele poupa inteiramente é Habermas, autor que muitos identificam com o pensamento liberal. Jessé menciona rapidamente algumas críticas, mas sem desenvolvê-las e as qualifica, de uma só penada, de superficiais.
Em suma: abaixo Sérgio Buarque e Raymundo Faoro e ave Weber, ave Habermas!
Mas, insisto, o livro “A Elite do Atraso” é importantíssimo. Comprem, leiam e divulguem.
Marilia Amorim, professora da UFRJ e da Universidade de Paris.