Saiu no Globo, notícia sepultada no pé da pág. 29:
“Maioria dos trabalhadores teve aumento real em 2010.”
“Segundo DIEESE, 89% das categorias conseguiram reajuste superior à inflação, MELHOR RESULTADO EM 15 ANOS” – ênfase minha, pha.
“Do total, ao menos (sic) 96% das categorias conseguiram ao menos repor a inflação”.
“José Lopez Feijóo, vice presidente da CUT, acredita que “os sindicatos conseguirão fechar boas campanhas salariais” (este ano).
(De resto, a notícia do Globo é muito parecida com o que o Globo fez no dia do Pibão de 7,5% - foi a maior desgraça que se abateu sobre nós.)
Que horror, não, amigo navegante ?
Esse Nunca Dantes...
Mas, não é só isso.
Hoje, a newsletter econômica do Bradesco, assinada pelo competente Octavio de Barros, Diretor de Pesquisas do banco, mostra os motivos por que o Nunca Dantes botou tanta grana no bolso do trabalhador.
De 2005 a 2010, a renda real (descontada a inflação) do trabalhador brasileiro cresceu 19%.
Que horror !
Leia as explicações do Barros:
Ganhos de rendimento do trabalho são explicados principalmente por aperto no mercado de trabalho e aumento da escolaridade, enquanto que o salário mínimo perdeu relevância nos últimos anos
O mercado de trabalho tem apresentado transformações estruturais significativas nos últimos anos, relacionadas ao forte crescimento da economia, ao aumento da escolaridade da força de trabalho, à formalização do emprego, à mudança do mix setorial da economia em direção aos serviços financeiros e imobiliários em detrimento da indústria. Nesse contexto, houve aumento significativo da renda média proveniente do trabalho. Entretanto, apesar das opiniões correntes no mercado, a valorização real do salário mínimo não foi o principal fator propulsor desse movimento. Isso pode ser observado pelo fato de que a participação do salário mínimo na massa de rendimentos do trabalho tem caído de maneira significativa, em especial entre 2007 e 2010. Buscamos nesse texto apontar quais seriam os atuais fatores preponderantes sobre os ganhos de renda. Além disso, concluímos que o cenário prospectivo para o rendimento real está mais atrelado ao ritmo de geração de emprego nos próximos meses do que aos reajustes previstos para o salário mínimo em 2011 e 2012.
Ressaltamos, entretanto, que o reajuste do salário mínimo possui impacto relevante em outro componente do rendimento total das famílias, o de pensões e aposentadorias do INSS. Esses recursos são reajustados em sua maioria de acordo com o aumento do salário mínimo, e são extremamente relevantes para a massa total da economia – estima-se que representem algo próximo a 30%. Aqui, porém, damos destaque para a contribuição do salário mínimo para a renda do trabalho, já que esse componente perdeu importância para explicar o crescimento acelerado de tal renda.
Dinâmica recente do mercado de trabalho
O primeiro aspecto a ser analisado em relação ao mercado de trabalho envolve a evolução da população economicamente ativa (PEA) e da população ocupada. Utilizando informações anuais para o Brasil, com base na PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), verificamos que o crescimento da PEA é mais estável ao longo dos anos do que o da população ocupada. Isso se deve ao fato de que o primeiro é mais determinado pela demografia e por fatores estruturais da economia (como, por exemplo, a decisão das pessoas de estudar mais), enquanto que o segundo responde a questões conjunturais de maneira mais direta. Assim, em 2009, o crescimento da população ocupada foi mais fraco, em função da crise do final de 2008.
Analisando a evolução mensal de características da população das regiões metropolitanas da PME (Pesquisa Mensal de Emprego), é possível perceber que o aumento da ocupação observado nos últimos anos se deu de forma mais intensa entre as pessoas com maior escolaridade. Os empregados no setor privado com 11 anos ou mais de educação (Ensino Médio concluído) aumentaram sua participação na população ocupada de maneira significativa, passando de 38% em março de 2002 para 54% em dezembro de 2010. Em contrapartida, houve redução da participação do grupo com menor escolaridade, com menos de 8 anos de educação (de 26,8% para 15,2% no mesmo período). Entretanto, a taxa de desemprego caiu de maneira consistente para todos os grupos de educação. Parte desse movimento é explicada pelo aquecimento do mercado de trabalho (especialmente para as pessoas com maior educação) e parte pelo próprio aumento da escolarização da população que atua como amortecedor para o aumento da PEA no médio prazo, postergando a entrada de estudantes na PEA .
Adicionalmente, o rendimento médio do trabalho habitualmente recebido tem se elevado de maneira consistente em termos reais nos últimos anos. Em 2005, a média anual observada foi de R$ 1.255, enquanto que a média de 2010 foi de R$ 1.491, ambos em valores de dezembro de 2010 (crescimento de 18,7% no período). Esse é um dos fatores que está impulsionando a mobilidade social no país. Estudos verificaram que cada ano adicional de educação proporciona um aumento médio de 13% da renda do trabalho, controlando pelas características dos indivíduos. O aumento médio dos anos de educação da população tem sido de 0,2 ao ano. Com isso, uma parte significativa do aumento do rendimento médio do trabalho se deve à maior escolarização da população.
Reajuste do salário mínimo perde relevância na determinação do aumento da renda média do trabalho
Concomitantemente, a variação da população ocupada entre janeiro de 2005 e dezembro de 2010 de acordo com as faixas de rendimento real habitualmente recebido do trabalho ratifica esse movimento. Ou seja, a única faixa cuja população ocupada diminuiu foi a de rendimento até R$ 550. Essa faixa é a que inclui o salário mínimo ao longo de todo o período analisado, o que indica que este perdeu participação como referência do rendimento do trabalho recebido pela população. O Gráfico 5 mostra a evolução da participação do salário mínimo na massa do trabalho da economia, segundo dados da PME. Nota-se uma queda considerável desde 2006, de forma mais acentuada entre 2007 e 2010.
Nesse período, a taxa de desemprego passou de 10% para 6%, e a participação do salário mínimo no rendimento do trabalho caiu de 33% para 20%, perdendo mais de um terço de sua importância. Ou seja, nossa premissa básica é o fato de que o salário mínimo não foi o principal motor do expressivo ganho real de rendimento dos últimos anos, e sim, foram fatores estruturais (como aumento da escolaridade) e o próprio estreitamento entre oferta e demanda no mercado de trabalho que culminaram em aumentos de salários reais superiores à inflação.
Adicionalmente, a mudança da composição setorial da massa de rendimentos do trabalho também explica o crescimento real verificado no rendimento médio. O setor de serviços (financeiro e atividades imobiliárias, aluguéis e serviços prestados à empresa), comparativamente aos demais, apresenta um dos rendimentos médios mais elevados (R$ 2.015 em dezembro de 2010), atrás apenas do setor de educação (R$ 2.179 no mesmo mês) e à frente dos demais setores, inclusive da indústria (R$ 1.614). Vale destacar que essa relação se manteve mesmo com o estreitamento do diferencial de rendimentos ocorrido nos últimos anos, ou seja, o ganho real entre dezembro de 2003 e dezembro de 2010 do rendimento médio da indústria foi de 31,2%, enquanto que o do setor de serviços foi de 10,5%. Porém, o ganho da participação do setor de serviços na composição da massa de rendimentos do trabalho – que passou de 19,8% para 22,5% no período analisado, conforme o Gráfico 6 – deve-se ao crescimento do número de ocupados no mesmo. Entre dezembro de 2003 e dezembro de 2010, a ocupação no setor de serviços cresceu 35,4%, enquanto que a da indústria ampliou-se apenas em 13,5%. Portanto, na medida em que o rendimento médio é mais elevado no setor de serviços, e que a ocupação nesse setor elevou-se consideravelmente, o ganho no rendimento médio da economia foi bastante expressivo no período.
Como já foi mencionado, o aumento da renda média real foi acompanhado pela redução da participação da faixa inferior de rendimentos, ou seja, o aumento do piso salarial. Particularmente em 2010, houve um movimento concomitante do aumento da participação da faixa superior de rendimentos, como mostra o Gráfico 7. A pergunta seguinte é identificar quais os principais setores responsáveis por esse aumento do piso salarial e redução da participação do salário mínimo na massa de rendimentos do trabalhador. O gráfico 8 sinaliza que os setores que se destacaram foram o comércio e a indústria.
A consequência desse movimento é o fato de que, para este ano, o salário mínimo não constituirá uma pressão altista para o rendimento do trabalho. E em 2012, mesmo com um reajuste real da ordem de 7,5% (conforme a regra vigente), o impacto sobre a massa será pouco significativo. Ou seja, se aplicarmos essa variação real de 7,5% sobre o valor do salário mínimo vigente desde Fevereiro de 2011 (R$ 545), o novo valor de corte será de R$ 583,15 em 2012 (valores em reais de dezembro de 2010). Com isso, o percentual de pessoas ocupadas nas Regiões Metropolitanas da PME que ganham até o valor do salário mínimo passará de 20% para 21,6% da população. Ou seja, mesmo com o forte reajuste real de 7,6% previsto para 2012, a participação do salário mínimo no total dos rendimentos será bastante inferior à verificada em 2006-2007 e, portanto, os ganhos de renda do trabalho atrelados a ele serão pequenos.
Impactos do salário mínimo na inflação
A partir da reestruturação da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) em 2002, a apropriação dos dois itens mais sensíveis ao salário, empregado doméstico e mão-de-obra (que representam 4,4% do peso do IPCA e 18% dos serviços), foi alterada. Antes de 2003, o cálculo era feito somente com base no reajuste do salário mínimo de forma direta.
Atualmente, com a utilização dos dados da PME, é possível mostrar que o IPCA segue uma boa proxy do salário médio do empregado doméstico e da mão-de-obra para a construção civil. Dessa forma, outra evidência para o “descolamento” entre o ganho médio do rendimento do trabalho e do salário mínimo pode ser visto no descompasso deste com os preços dos serviços. O Gráfico 8 mostra esta evidência: até 2007 (período em que o peso do salário mínimo era de 33% na massa de rendimentos), a correlação entre os dois era de 68%; posteriormente a correlação passou para apenas 15%.
Diante disso, acreditamos que o principal vetor que está explicando a elevação da inflação de serviços é a pressão no mercado de trabalho. E sem que haja uma desaceleração do mercado de trabalho, dificilmente veremos uma desaceleração significativa na inflação de serviços. Talvez, mudanças estruturais (como o aumento do peso de serviços na economia) levem nos próximos anos a uma inflação de serviços mais alta no que a verificada no passado recente e, até que este processo se complete, veremos a inflação de serviços em patamares superiores à meta de 4,5%.
Entretanto, do ponto de vista da inflação geral, não devemos esquecer que características peculiares ao setor de serviços (como baixa produtividade relativamente a outros setores, como a indústria) levam o segmento a aumentos superiores a média, como também é o caso em diversos países.
Octavio de Barros
Diretor de Pesquisas e Estudos Econômicos - BRADESCO
Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos