A Câmara parece que se mancou e aprovou um suave aperto aos lavadores de dinheiro.
Mas, não chega nem perto do problema: no Brasil, o crime de lavar dinheiro compensa.
É o que mostra esta reportagem da Carta Maior - lavador de dinheiro não vai em cana :
Na população carcerária brasileira de 512 mil pessoas, não há um só caso de lavagem de dinheiro, crime que não raro envolve gente de colarinho branco. Para dois juízes federais e um procurador da República, lei de 1998 precisa ser reformada e dotada de regras mais duras e efetivas. Segundo Ministério da Justiça, impunidade ameaça bloqueio de bens no exterior.
André Barrocal
BRASÍLIA – O Brasil tem hoje 512 mil pessoas presas cumprindo pena ou à espera de julgamento. Há 1,8 mil diplomados, 15 vezes menos do que o número de analfabetos, e 535 corrompedores, sete vezes mais do que o total de servidores públicos comprados. O perfil da população carcerária ajuda a entender porque, no país, não existe ninguém detido por lavagem de dinheiro, crime tipicamente cometido por gente de colarinho branco, com influência política e poderio econômico.
Essa é uma situação que juízes federais, Ministério Público e ministério da Justiça querem mudar. Eles cobram do Congresso a reforma da atual lei da lavagem, inserindo nela regras mais duras e efetivas contra os autores. “Urge uma atualização do nosso arsenal legislativo, que está extremamente carente de eficácia”, afirma o juiz Sérgio Fernando Moro, da sessão Judiciária do Paraná.
Moro condenou, em 2003, dirigentes e executivos do Banestado, banco que parte da elite nacional usou para mandar ao exterior, ilegalmente, dinheiro muitas vezes com origem irregular e que, um dia, poderia voltar ao país devidamente ensaboado. Todos os condenados estão soltos, pois recorreram a tribunais superiores. “É escandalosa a morosidade da Justiça, a estrutura é totalmente esclerosada”, diz.
“Hoje o crime econômico compensa. Não tem nenhuma ação penal que avance no Brasil e isso é de conhecimento internacional”, afirma o desembargador Fausto de Sanctis, que condenou o banqueiro Daniel Dantas.
A angústia dos dois juizes não acabaria apenas mudando-se a lei 9.613, de 1998, mas seria um começo. Projeto prestes a ser votado na Câmara amplia, por exemplo, as possibilidades de confisco de bens dos “lavadores”, o que ajudaria a inibir este tipo de crime.
“A punição é muito mais dolorosa quando se alcança o patrimônio”, diz o procurador Vladimir Aras, do grupo de trabalho sobre Lavagem de Dinheiro e Crimes Financeiros da Procuradoria-Geral da República.
O projeto tem mais dos dispositivos considerados importantes contra lavanderias. Um é o fim da lista de crimes praticados antes da lavagem, lista esta que precisa ser observada para que se caracterize a lavagem propriamente dita.
Na legislação atual, há oito situações que podem dar origem a lavagens, como lesão aos cofres públicos (sonegação de impostos, por exemplo) ou ao sistema financeiro. A lista seria uma amarra, porque deixaria de fora situações que também levariam a lavagens.
Outro dispositivo relevante seria um maior constrangimento daqueles setores econômicos que, por suas atividades, têm obrigação de colaborar na identificação de crimes de lavagem.
A lei de 1998 criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e mandou 12 setores prestarem informações a órgãos públicos sobre operações estranhas com as quais se deparem. É o caso dos bancos, que precisam relatar movimentações volumosas de quem não costuma fazer isso.
O projeto aumenta para 18 o número de setores obrigados a prestar informações. Entram na dança auditores, contadores, consultorias, juntas comerciais, empresas que transportam valores e até quem negocia jogadores de futebol. Além disso, a proposta eleva de R$ 200 mil para R$ 20 milhões, o teto da multa aplicada a empresa ou pessoa física que não contribuir como devia.
Para o chefe do Departamento de Combate a Ilícitos Financeiros do Banco Central (BC), Ricardo Liao, uma multa deste tamanho “vai inibir um pouco ou vai fazer refletir um pouco mais”, aqueles que deveriam prestar informações mas acabam tentados a não fazê-lo porque o cliente que denunciariam seria poderoso ou parceiro em negócios futuros, por exemplo.
A falta de combate efetivo à lavagem de dinheiro dentro do Brasil está a ponto de causar problemas internacionais ao país. Como ninguém é condenado de forma definitiva, as autoridades de outros países começam a pensar duas vezes, antes de atender pedido de bloqueio de bens.
“Os criminosos se aproveitaram da globalização, ninguém mais guarda dinheiro aqui no Brasil”, disse o chefe do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional do ministério da Justiça, Ricardo Saadi. “Por causa da falta de sentenças transitadas em julgado, teremos problemas logo.”
Fornecedor dos dados sobre população carcerária que abriram esta reportagem, ele se pergunta: "Será que a lei serve para todos no Brasil ou só para a população mais baixa?"
Saadi, Moro, de Sanctis, Liao e Aras participaram nesta terça-feira (25) de audiência pública na Câmara dos Deputados sobre o projeto de reforma da lei de lavagem.