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Collor critica Itamaraty e alerta para instabilidade

"O estado de direito significa a existência em um Estado de normas jurídicas que regulamentam a convivência social, inclusive do ponto de vista das relações de poder"
publicado 26/06/2012
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O Conversa Afiada reproduz discurso do Senador Fernando Collor pronunciado nesta terça-feira, no Senado, sobre a crise no Paraguai.

PRONUNCIAMENTO
(Do Senhor FERNANDO COLLOR)

Sr. Presidente,
Sras. e Srs. Senadores,
Para o entendimento da atual crise política no Paraguai ocasionada pelo impeachment do Presidente Lugo, o primeiro passo deve ser a colocação da necessidade de precisão conceitual, pois interesses de caráter político-ideológico têm levado a distorções que impedem a clareza da análise. Alguns conceitos são básicos, denominadores comuns, longamente estabelecidos, sem os quais não é possível a comunicação válida.
Em síntese, o estado de direito significa a existência em um Estado de normas jurídicas que regulamentam a convivência social, inclusive do ponto de vista das relações de poder. É o contrário de situação de anarquia ou, de fato, onde não existem regras e predomina a força sem limitações legais. O estado de direito pode ser ou não democrático, mas pressupõe sempre a existência e o respeito às regras.
Uma quebra da legalidade significa a desobediência das normas estabelecidas no estado de direito, e principalmente as que regem o exercício e a substituição do poder político no nível mais alto, ou seja, a chefia de estado e de governo. Já a legitimidade significa que um regime ou um governo conta com o apoio e o consentimento da população ou, pelo menos, que não há contestação séria à sua existência. Trata-se de cenário que não se confunde e vai além da mera popularidade de governos e governantes.
No caso em tela, Sr. Presidente, a vigente Constituição do Paraguai prevê a existência do instituto do impeachment, mecanismo de origem anglo-saxônica – do século 14 na Inglaterra e do século 18 nos Estados Unidos – que permite o “removal from office” do governante por razões políticas ou penais, por parte do corpo legislativo. A Constituição do Paraguai estatui na sua Seção 6 (Del Juicio Politico), artigo 225, que o Presidente da República, bem como outros mandatários e altos funcionários, poderão ser submetidos a julgamento político por mau desempenho de suas funções, por delitos cometidos no exercício de seus cargos ou por delitos comuns.
A acusação é formulada pela Câmara de Deputados, por maioria de dois terços. Cabe ao Senado, por maioria qualificada também de dois terços, julgar publicamente os acusados. Declarados culpados, sua competência restringe-se ao afastamento dos respectivos cargos. No caso de supostos crimes, os antecedentes serão enviados para a justiça comum. O vice-presidente assume imediatamente, com todas as atribuições. No caso, a Constituição paraguaia não estabelece detalhes, não prevê um rito pormenorizado para o processo de impeachment.
Assim, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, na medida em que há um estado de direito, há norma vigente que prevê o impeachment, e a norma foi cumprida, não há que se falar em golpe de estado ou quebra da legalidade, o que só ocorreria se houvesse a desobediência às normas legais com o uso da força. O conceito de golpe de estado é limpidamente o de uma substituição do governante fora da norma legal, normalmente com o uso ou ameaça atual de utilização da força física. Até porque, ontem mesmo a Suprema Corte do Paraguai rejeitou a ação de inconstitucionalidade impetrada pelo ex-presidente Lugo para anular seu julgamento, assim como o Tribunal Eleitoral descartou antecipar a eleição, garantindo, assim, o mandato do atual presidente até agosto de 2013. Ademais, a inexistência clara de uma contestação importante ou significativa em relação à medida do legislativo paraguaio, mostra que tampouco trata-se de ação ilegítima.
É evidente que os opositores ou seguidores e partidários do ex-presidente Lugo, interna ou externamente, utilizam-se de argumentos para fazer proselitismo de suas posições político-ideológicas, sem respeito às considerações aqui expostas, que estão claramente assentes no direito e na ciência política.
A açodada reação diplomática do Brasil foi no sentido de criticar o impeachment de Lugo como uma ruptura democrática e um golpe de estado. Outras considerações foram no sentido de não se ter seguido o devido processo legal, da rapidez do processo, do exíguo tempo para a defesa, o que são problemas da legislação interna de outro país. Essa reação não contribuirá para o relacionamento com o novo governo, que já manifestou, como é natural, desejo de aproximação com o Brasil, inclusive prometendo proteção a nossos centenas de milhares de nacionais, os chamados brasiguaios que, vale ressaltar, já solicitaram ao governo brasileiro o reconhecimento do novo presidente do Paraguai, Federico Franco.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, a diplomacia brasileira tradicionalmente interferiu no processo político paraguaio, por óbvias razões estratégicas, mas sempre de maneira o mais possível discreta e bilateralmente. Mantemos em Assunção uma Embaixada bem equipada e uma missão militar eficiente. Na situação atual, parece que o governo brasileiro foi tomado de surpresa pela ação do Congresso paraguaio. Duas explicações são possíveis. Ou nossa representação não informou adequadamente sobre a evolução da crise – que não foi uma conspiração das casernas na surdina, mas um processo legislativo –, ou os centros de poder em Brasília não souberam tomar decisão no sentido de tentar influir para algum desfecho de compromisso, como, por exemplo, uma composição com Lugo para diminuir seu ímpeto radicalizante ou pedir mais calma à oposição parlamentar ao presidente.
O ex-presidente Lugo conta com clara simpatia no Planalto, no Itamaraty e na Defesa e poderia ter sido contido. O Congresso paraguaio tem grandes interesses em bom relacionamento com o Brasil e também poderia ter sido objeto de tentativas de convencimento para soluções menos radicais. Ou seja, a diplomacia brasileira não antecipou o cenário e não antecipou uma ação preventiva como o fez no passado por inúmeras e discretas vezes. Um Paraguai próspero, pacífico e tranquilo é sempre de interesse para o Brasil, obviamente.                                                                         
Outro erro, Sr. Presidente, é a multilateralização da questão com sua colocação no âmbito da UNASUL, que faz com que o Brasil perca sua capacidade individual de manobra. Suscitar também a cláusula democrática de Ushuaia, no âmbito do Mercosul, aumenta o alcance da crise e tende a radicalizá-la.
O Brasil passou a estar a reboque de iniciativas mais radicais como a da Argentina – de retirada de Embaixador –, da Venezuela – também de retirada de Embaixador e do corte no fornecimento de petróleo –, e das críticas da Bolívia, do Equador e de Cuba.
A suspensão da participação do Paraguai nas próximas reuniões de cúpula – ainda mais com a eventual presença do ex-presidente Lugo – e as declarações sobre possibilidades de retaliações econômicas significam acuar o novo governo e podem prolongar a crise, sendo que o nosso interesse deve ser sua resolução da forma mais rápida e pacífica possível.
Embora a chamada para consultas do Embaixador brasileiro seja manifestação diplomática adequada de mostrar insatisfação, a reunião em Brasília com a participação do Ministro da Defesa, do assessor internacional do Planalto, do Itamaraty e do diretor de Itaipu para definir posição, foi vista pelo novo governo, naturalmente, como forte e descabida forma de pressão. A regionalização e o prolongamento da situação farão com que Lugo – cuja base política é tênue – possa assumir a liderança da esquerda mais radical, valer-se dos sentimentos menos favoráveis ao Brasil, e se voltar para o apoio externo dos países que criticam o novo governo. Os atuais detentores do poder, Sr. Presidente, tampouco poderão ceder terreno sob ataque.
A presente situação econômica paraguaia, com queda do PIB depois de um período de crescimento econômico, não é também de molde a facilitar uma situação política que está sendo agravada pela atuação regional. Problemas fundiários valorizados e estimulados pelo governo Lugo são fonte de atrito. Há um incipiente movimento guerrilheiro – o Exército Popular Paraguaio – que tem feito sequestros e ataques a postos policiais e delegacias em regiões remotas – aliás, ontem mesmo, os “sem-terra paraguaios, os chamados ‘carperos’, invadiram uma fazenda no distrito de Capiibary de propriedade de dois brasileiros. Há o problema de Itaipu – da qual 20% da energia consumida no Brasil é dependente – e, sobretudo, de forma subjacente mas perene, o latente sentimento histórico antibrasileiro que era utilizado por Lugo para ajudar sua legitimação. Seguramente, Sr. Presidente, ainda cabe à diplomacia brasileira uma iniciativa de moderação e bom senso para prevenir um muito provável cenário de instabilidade.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores.
Muito obrigado.