A Previdência será a prova dos nove
Xavier sobre Bolsonaro: de mito a mitômano
publicado
12/01/2019
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O Conversa Afiada publica artigo sereno (sempre!) de seu colUnista exclusivo, Joaquim Xavier:
Com a palavra o conceituado dicionário Houaiss sobre mitomania:
“Tendência a narrar extraordinárias aventuras imaginárias como sendo verdadeiras; hábito de mentir ou fantasiar desenfreadamente”.
Praticamente o inverso de “mito”, alcunha pela qual o ex-capitão Bolsonaro, transformado em presidente, é chamado por apoiadores em algumas ruas. O percurso entre a propaganda eletrônica, sob comando do americano Steve Bannon, e a realidade poucas vezes foi percorrido tão rapidamente como agora.
Em menos de duas semanas, o governo da “famiglia” brindou o Brasil com uma coleção inesquecível de desmandos. De “aventuras imaginárias”, como a iminência de um poder marxista, à prática de “mentiras desenfreadas” -- mudança de impostos e veto a indicações de amigos e apaniguados --, pouco escapou da verborragia da turma.
Deixem-se de lado os “stand-ups” da ministra Damares. De tão grotescos deixariam Dercy Gonçalves desempregada – com a diferença de que esta era uma comediante genial, não uma ministra. Ou os despautérios do chanceler alucinado, do ministro da Educação e até do novo ministro da Marinha, para quem já houve “três guerras mundiais”.
As mentiras vão além, e são mais graves, que estes momentos pitorescos. A decantada batalha contra a corrupção e malfeitos está solenemente arquivada. Pelo menos nove ministros são alvos de investigações sobre irregularidades de tipos diversos. O filho do vice-presidente é promovido a jato e sem lavagem, atropelando os ritos da Petrobras. Bolsonaro indica amigos a torto e à extrema-direita para cargos de salários polpudos. O laranja Fabrício Queiroz e o filho do presidente fazem pouco da justissa e se negam a explicar como somas milionárias foram movimentadas pelo antigo assessor.
O ex-valentão Sérgio criminoso Moro recolhe-se a um silêncio revelador. Só para refrescar a memória: gente como Temer, Padilha, Moreira Franco, para citar alguns, perdeu o foro privilegiado a partir de primeiro de janeiro. Todos eles são alvos de uma penca de acusações de roubalheira grossa, colocadas debaixo do tapete pelo status de presidente ou ministro. Com o fim do mandato, o tapete teoricamente desapareceu. Alguém sabe de alguma medida tomada a respeito desde então?
Sejamos justos, porém: nem só de farsas vive o governo. Estas mostram um lado barulhento da encrenca em que o Brasil se meteu ao se submeter a uma malta de arrivistas, despreparados, ultradireitistas sedentos em sufocar a democracia, pilhar a nação e domesticar o povo humilde. Outro lado, mais grave, é aceleração da entrega do país ao capital internacional. O ato mais recente é o aval de Bolsonaro à compra da Embraer pela Boeing (que o ex-capitão se dizia contra, mas isto entra na sua cota mitômana). A porteira está aberta para fazer o mesmo com a Caixa, Banco do Brasil, BNDES e o que mais prestar algum serviço ao público, não aos rentistas insaciáveis.
Mas a joia da coroa ainda está em jogo: a Previdência. Paulo Guedes e sua matilha não pretendem descansar enquanto não desmontarem a aposentadoria baseada na repartição e na solidariedade de gerações. É um jogo de trilhões. É nisso que a grande finança está interessada – o resto eles deixam para ladrões de galinha deslumbrados com a chegada ao poder dentro e fora do Planalto.
O tal sistema de capitalização pinochetista proposto por Guedes, conforme explicado em dezenas de artigos de especialistas insuspeitos, implica a liquidação do direito à aposentadoria em favor dos ganhos da banca internacional. Ainda mais num país como o Brasil, em que a maioria das famílias está endividada, a miséria voltou a campear e os trabalhadores, quando empregados, mal têm recursos para custear a sobrevivência – quanto mais para “poupar” pensando no futuro.
Será emocionante acompanhar como Guedes tentará passar goela abaixo sua fórmula a mando de Washington. Qualquer pesquisa indica que o povo é contra. Também importante, no cenário de um governo tingido de verde oliva, é a resistência dos militares. Todo mundo já percebeu: quem manda de fato na quitanda montada pelo ex-capitão Bolsonaro é o general Heleno, superior na hierarquia da caserna, algoz do Haiti, homem da última palavra.
Resta saber como o Congresso irá se comportar. Sobretudo como o povo, a maioria do Brasil, vai reagir a um ataque sem precedentes a seus direitos civilizatórios.
Joaquim Xavier
“Tendência a narrar extraordinárias aventuras imaginárias como sendo verdadeiras; hábito de mentir ou fantasiar desenfreadamente”.
Praticamente o inverso de “mito”, alcunha pela qual o ex-capitão Bolsonaro, transformado em presidente, é chamado por apoiadores em algumas ruas. O percurso entre a propaganda eletrônica, sob comando do americano Steve Bannon, e a realidade poucas vezes foi percorrido tão rapidamente como agora.
Em menos de duas semanas, o governo da “famiglia” brindou o Brasil com uma coleção inesquecível de desmandos. De “aventuras imaginárias”, como a iminência de um poder marxista, à prática de “mentiras desenfreadas” -- mudança de impostos e veto a indicações de amigos e apaniguados --, pouco escapou da verborragia da turma.
Deixem-se de lado os “stand-ups” da ministra Damares. De tão grotescos deixariam Dercy Gonçalves desempregada – com a diferença de que esta era uma comediante genial, não uma ministra. Ou os despautérios do chanceler alucinado, do ministro da Educação e até do novo ministro da Marinha, para quem já houve “três guerras mundiais”.
As mentiras vão além, e são mais graves, que estes momentos pitorescos. A decantada batalha contra a corrupção e malfeitos está solenemente arquivada. Pelo menos nove ministros são alvos de investigações sobre irregularidades de tipos diversos. O filho do vice-presidente é promovido a jato e sem lavagem, atropelando os ritos da Petrobras. Bolsonaro indica amigos a torto e à extrema-direita para cargos de salários polpudos. O laranja Fabrício Queiroz e o filho do presidente fazem pouco da justissa e se negam a explicar como somas milionárias foram movimentadas pelo antigo assessor.
O ex-valentão Sérgio criminoso Moro recolhe-se a um silêncio revelador. Só para refrescar a memória: gente como Temer, Padilha, Moreira Franco, para citar alguns, perdeu o foro privilegiado a partir de primeiro de janeiro. Todos eles são alvos de uma penca de acusações de roubalheira grossa, colocadas debaixo do tapete pelo status de presidente ou ministro. Com o fim do mandato, o tapete teoricamente desapareceu. Alguém sabe de alguma medida tomada a respeito desde então?
Sejamos justos, porém: nem só de farsas vive o governo. Estas mostram um lado barulhento da encrenca em que o Brasil se meteu ao se submeter a uma malta de arrivistas, despreparados, ultradireitistas sedentos em sufocar a democracia, pilhar a nação e domesticar o povo humilde. Outro lado, mais grave, é aceleração da entrega do país ao capital internacional. O ato mais recente é o aval de Bolsonaro à compra da Embraer pela Boeing (que o ex-capitão se dizia contra, mas isto entra na sua cota mitômana). A porteira está aberta para fazer o mesmo com a Caixa, Banco do Brasil, BNDES e o que mais prestar algum serviço ao público, não aos rentistas insaciáveis.
Mas a joia da coroa ainda está em jogo: a Previdência. Paulo Guedes e sua matilha não pretendem descansar enquanto não desmontarem a aposentadoria baseada na repartição e na solidariedade de gerações. É um jogo de trilhões. É nisso que a grande finança está interessada – o resto eles deixam para ladrões de galinha deslumbrados com a chegada ao poder dentro e fora do Planalto.
O tal sistema de capitalização pinochetista proposto por Guedes, conforme explicado em dezenas de artigos de especialistas insuspeitos, implica a liquidação do direito à aposentadoria em favor dos ganhos da banca internacional. Ainda mais num país como o Brasil, em que a maioria das famílias está endividada, a miséria voltou a campear e os trabalhadores, quando empregados, mal têm recursos para custear a sobrevivência – quanto mais para “poupar” pensando no futuro.
Será emocionante acompanhar como Guedes tentará passar goela abaixo sua fórmula a mando de Washington. Qualquer pesquisa indica que o povo é contra. Também importante, no cenário de um governo tingido de verde oliva, é a resistência dos militares. Todo mundo já percebeu: quem manda de fato na quitanda montada pelo ex-capitão Bolsonaro é o general Heleno, superior na hierarquia da caserna, algoz do Haiti, homem da última palavra.
Resta saber como o Congresso irá se comportar. Sobretudo como o povo, a maioria do Brasil, vai reagir a um ataque sem precedentes a seus direitos civilizatórios.
Joaquim Xavier
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