Brasil? Leva que é de graça!
Reduzir alíquota de importações será "baque fatal"
publicado
25/04/2018
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Por Carlos Drummond, na Carta Capital:
Brasil? Leva que é de graça
Caso se concretize a intenção do Ministério da Fazenda anunciada na quarta-feira 4 de reduzir a alíquota das importações de bens de capital de 14% para 4% e a de produtos de informática e de telecomunicações de entre 6% e 16% para a média internacional, conseguirá a indústria nacional sobreviver à avalanche inevitável de produtos acabados produzidos no exterior?
Há risco de um baque fatal, alertam economistas e empresários. “Não fomos chamados para discutir essa proposta. Não há estudos sobre o impacto da medida”, reclamou aos jornais José Velloso, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). “A ideia é absurda. Com tarifas rebaixadas o País terá pouco ou nada a barganhar com os países desenvolvidos em futuras negociações”, protestou Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). (...) Brasília deixa claro, nesta e em inúmeras outras decisões do gênero, ter abdicado por completo do papel de coordenação dos agentes econômicos com vista aos interesses do País, limitando-se à função de escritório local executor de objetivos dos investidores estrangeiros. (...)
Dos grandes países com mercados de tamanho significativo, o Brasil é o único com vinculação ao capital estrangeiro sem exigência de contrapartida, chama atenção o economista Pedro Cezar Dutra Fonseca, professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
“Os Estados Unidos, a Rússia, a China, a Índia sempre usaram o seu mercado como um ativo para negociar. O Brasil foi o que mais se abriu para o capital estrangeiro. Nem sempre isso aconteceu. Getúlio Vargas não excluía o capital estrangeiro, por exemplo na Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, feita com tecnologia e capital americanos, mas dentro de determinadas linhas estipuladas pelo governo brasileiro. A partir de Juscelino Kubitschek, presidente entre 1956 e 1961, é que se consagra no Brasil esse tipo de industrialização que mais nenhuma nação grande e populosa fez.”
Por que, questiona Fonseca, a burguesia brasileira, que tinha vencido heroicamente as etapas iniciais da industrialização, quando chega nos anos 1950 resolve aceitar a internacionalização? Por que o Brasil não tem uma indústria automobilística nacional, se mesmo países com mercados menores como a Itália, a Suécia e o Japão, entre outros, implantaram o setor?
Ele mesmo responde: “Vargas tentou fazer a Fábrica Nacional de Motores e o País tinha todas as condições para desenvolver o setor. Automóvel não era mais uma tecnologia impossível de dominar, mas os empresários locais não foram adiante nisso. Repare, o Estado teve de bancar a própria FNM porque eles ou não tinham interesse, ou não tinham fôlego, ou achavam mais fácil se associar ao capital estrangeiro.”
(...) Ao menos parte da capitulação do País expressa na aceitação da entrada de capital estrangeiro sem obrigatoriedade de contrapartidas deve-se ao fator ideológico. A avalanche de privatizações, muitas vezes com desnacionalizações concomitantes desde os anos 1990 foi acompanhada do discurso da supremacia incontestável da empresa estrangeira sobre a nacional. (...)
Os projetos siderúrgicos da Usiminas, da Cosipa e da Ferro e Aço de Vitória estavam em plena implantação em meados da década de 1960, requeriam elevados aportes de valores, mas os grupos acionários privados que os conceberam originalmente não tiveram meios suficientes para atender às necessidades e o então BNDE, outra criação de Vargas, era obrigado a honrar as garantias prestadas anteriormente a financiamentos externos.
O banco público aportava também recursos para assegurar a continuidade dos empreendimentos com adiantamentos que a seguir eram convertidos em participação societária, pois as empresas privadas não conseguiam pagar as antecipações de caixa.
Não adianta esperar reflexão neoliberal sobre os feitos nacionais (...) pois eles só foram possíveis com a ação firme do protagonista empresário-Estado, o inimigo número 1 dos adeptos daquela escola. Por outro lado, não se trata também de defender uma estatização só concretizável sob o stalinismo nem o fechamento da economia, de resto impossível e altamente indesejável.
A solução, ensina Celso Furtado, é de natureza política e de economia política: manter no País o centro de decisão da empresa. Só assim é possível atuar em benefício do interesse nacional dentro da própria relação de desenvolvimento dependente e associado, o que se fez com grande êxito nos casos descritos. (...)