Bresser: Privatifaria da Eletrobras é para não cometer crime
O Conversa Afiada reproduz artigo publicado pelo professor Luiz Carlos Bresser-Pereira em seu perfil no Facebook:
Brasil à venda
Os jornais informam hoje que também a Eletrobrás será privatizada. Mas não se imagine que esteja fazendo isso porque a “administração privada é mais eficiente”. Isto é tolice. Não faz sentido econômico vender empresas monopolistas lucrativas como a Eletrobrás, porque a instituição que regula a eficiência das empresas privadas – um mercado competitivo – não existe nesse caso.
Por que, então, está o governo vender o patrimônio público? Não é apenas por motivos ideológicos, porque para se legitimar perante as elites brasileiras liberais e dependentes esse governo se dispõe servilmente a privatizar tudo. Há duas outras causas de o Estado e o Brasil (este incluindo o setor privado) estarem vendendo o patrimônio nacional.
O motivo que provavelmente desencadeou essa decisão foi o fato que a Constituição, no seu artigo 167, define como “crime fiscal” o governo incorrer em deficit público superior à despesa de capital, ou seja, ao investimento público. Com esse dispositivo o constituinte sabiamente buscou impedir que o governo aumentasse de forma irresponsável a despesa corrente. Resultou, também, do dispositivo constitucional a proibição que os governos em geral reduzam a sua receita irresponsavelmente. Ora, é isto que governo que está aí e o imediatamente anterior vem fazendo a partir de janeiro de 2015 através da adoção de uma política ortodoxa de corte da despesa pública (principalmente do investimento público) e uma política de frouxidão em relação à apreciação cambial, as quais que agravaram e tornaram mais longa a crise econômica iniciada em 2014. Mas o constituinte não previu que o governo encontrasse uma saída para o problema: vender o estoque de capital do Estado, as empresas públicas.
Esse é o motivo mais direto da decisão de vender a Eletrobrás. Há um motivo mais profundo que não se origina apenas neste governo, mas em todos os governos brasileiros desde há muito tempo: são os deficits público e os deficits em conta-corrente altos e crônicos em que incorrem com a legitimação ou o beneplácito dos “seus” respectivos economistas que implicam em aumento da dívida pública e da dívida privada, e são pagos com venda de patrimônio.
Para os economistas ortodoxos, deficits em conta-corrente são uma boa coisa porque representam “poupança externa” que aumentaria investimento; para os desenvolvimentistas populistas ou keynesianos vulgares os deficits públicos são igualmente uma boa coisa porque implicam “aumento da demanda” que faria crescer o investimento. Na verdade, bons economistas sabem que deficits públicos altos e crônicos são mero populismo fiscal, e, desde 2001, eu tenho demonstrado deficits em conta-corrente são geralmente mero populismo cambial: eles aumentam muito mais o consumo do que o investimento.
Há, porém, uma outra consequência que eu não tenho salientado, mas que me ocorreu diante desta venda geral do Brasil – esta venda que não se limita às empresas e outros ativos públicos; mas inclui também as empresas nacionais incessantemente vendidas a empresas multinacionais. Deficit público e deficit em conta-corrente representam endividamento adicional. Como pagar a dívida? Seria com as receitas extras que resultariam do aumento da taxa de investimento. Mas como já vimos que isso geralmente não acontece, a “solução” é vender o patrimônio nacional, tanto público quanto privado. É o país empobrecer, em termos absolutos, como está acontecendo nos últimos três anos; é ficar cada vez mais para trás, como está acontecendo há quase quarenta anos, desde que o Brasil parou de fazer o alcançamento.