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Celular é a primeira tela. TV Digital aberta? Hum, hum...

O futuro da televisão não sorri para a Globo.
publicado 16/09/2015
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bessinha IBC 2015

O Conversa Afiada recomenda esses dois artigos agudos do Samuel Possebon, excelente repórter da excelente Teletime, que cobriu a IBC, uma feira da indústria de televisão, em Amsterdã, na Holanda.


IBC 2015 mostra que mobile TV não pode mais ser ignorada


Demorou, mas o mercado de mobile TV parece que agora é levado a sério pelo setor audiovisual e pelos veículos tradicionais de mídia. Nos debates e palestras envolvendo grandes produtores de conteúdos audiovisuais realizados durante a IBC 2015, evento de TV que aconteceu nos últimos dias em Amsterdã, todos foram muito categóricos em afirmar que não faz sentido hoje qualquer conteúdo que não seja pensado para o ambiente mobile. Segundo o diretor da France Television, Eric Scherer, toda a indústria de mídia precisa se mover para uma estratégia "mobile first". Ele lembra que Facebbok e Google quase perderam essa onda e rapidamente mudaram suas estratégias e hoje veem o segmento mobile ser mais relevante do que o ambiente desktop, e os grandes produtores de conteúdo precisam fazer a mesma coisa. "Mobile é a primeira tela, e não apenas mais uma forma de distribuição. É um mundo totalmente novo de relacionamento, contextualização e personalização. Não é uma tecnologia apenas, é um comportamento. Vivemos a Era das Telas", disse ele.

Para ele, não se trata apenas de produzir para smartphones e tablets, mas produzir com essas ferramentas. "Hoje as pessoas passam 177 minutos por dia usando apps móveis, contra 168 minutos assistindo a TV", aponta. Segundo os dados trazidos pela France Television, a geração de até 20 anos assiste mais tempo de conteúdos de vídeo no celular do que na TV convencional, e estão produzindo por meio de plataformas como Instagram, Vine, Snapchat e Periscope.

Para Matt Stagg, diretor de estratégia da operadora de telecomunicações britânica EE e fundador da Mobile Video Alliance, 45% do uso das redes da EE hoje já são dedicados exclusivamente a vídeo, percentual que chegará a 75% em mais dois anos, diz ele. "Como operador, eu sei que o que o meu usuário quer é vídeo. A rede tem que ser preparada para isso e os serviços têm que ser interessantes".

Para a EE, as principais barreiras para a expansão ainda maior dos serviços de vídeos móveis estão relacionadas aos planos de dados. Segundo ele, 41% das pessoas acham que os planos de dados são caros para consumo de vídeo, 36% acham que o conteúdo é que é caro, 22% reclamam que a velocidade é baixa, 19% acham que a cobertura é ruim, 18% reclamam do dispositivo, 17% acham que a qualidade é ruim e 14% acham que o conteúdo é ruim. Como solução, a EE está desenvolvendo, para algumas ocasiões específicas, como jogos de futebol, um modelo de broadcast sobre a rede LTE, juntamente com a BBC. A empresa utiliza a tecnologia eMBMS.

TV de segunda categoria


POR SAMUEL POSSEBON, DA IBC 2015, EM AMSTERDÃ

A TV digital aberta já se tornou um produto de segunda categoria, pelo menos do ponto de vista tecnológico. Essa mesma TV digital que ainda luta para começar a ser implementada na maior parte das cidades brasileiras e que, com muita sorte, substituirá a TV analógica nos grandes centros em 2018, está velha.

Para sustentar essa afirmação farei duas coisas que não costumo fazer como jornalista: contar uma história pessoal e cravar uma previsão. A previsão está atrelada ao meu ponto inicial: a TV aberta perdeu o bonde da evolução, não deve se recuperar e vai sobreviver (se sobreviver) como um produto inferior entre as opções de entrega de conteúdo. A história pessoal eu uso para ilustrar essa provocação.

Há 20 anos, em 1995, eu fazia a minha primeira cobertura de um grande evento internacional. Minha estreia foi na NAB, em Las Vegas, naquela época, e até hoje, o maior evento de televisão aberta do mundo. Naquela ocasião, em um café da manhã no Hotel Bally's, entrevistei Fernando Bittencourt, que comandava a engenharia da TV Globo. Foi a primeira vez que ouvi falar em TV digital. Ele me explicou o que era a alta definição, o que era a multiprogramação, como seria possível fazer a transição tecnológica e que aquele era o passaporte para a TV aberta ter uma vantagem sobre a TV paga. Nos EUA, já se discutia como seria o desligamento da TV analógica. Bittencourt me chamava a atenção para o fato de que era necessário começar a discutir a transição para a TV digital no Brasil. Passaram-se 14 anos e em 2008, finalmente, a TV digital se tornou uma realidade, mesmo que ainda hoje falte um longuíssimo caminho a ser percorrido até que todos os municípios tenham seus sinais digitais em operação e, mais ainda, até que o sinal analógico possa ser desligado. E muita gente duvida que, no Brasil, um dia será (eu, inclusive).

Este ano volto a um grande evento tradicional da TV aberta, depois de duas décadas. Vim à IBC, em Amsterdã, o maior evento de TV europeu. Um evento em que um dos focos é, indiscutivelmente, a ultra alta-definição, ou UHD. Para minha surpresa, um evento que falou muito de televisão, de conteúdo, de IP, e bem menos de radiodifusão do que eu esperava. Nesse encontro, voltei a conversar com Fernando Bittencourt sobre o tema TV digital, mas agora com foco nesse novo momento. Ele não está mais na Globo, de onde se aposentou há cerca de um ano, mas sua opinião é bastante respeitada. Ele me disse (e disse isso também publicamente, em um dos painéis da IBC 2015, representando a SET – Sociedade de Engenharia de Televisão), que a chance para que a TV aberta chegue a esse novo mundo depende necessariamente de espectro. E para ter esse espectro, o modelo de TV aberta precisa mudar no Brasil, passando a abrigar talvez apenas algumas poucas emissoras, que com mais espectro terão um produto tecnologicamente competitivo para brigar com outras formas de entregar conteúdo.

Existe uma diferença grande entre o cenário que Bittencourt me narrou em 1995 e o cenário que pode ser visto em 2015. Duas décadas atrás, a TV de alta definição era uma promessa distante, tanto para a TV paga quanto para a TV aberta, que eram as duas únicas formas, fora o cinema, de exibir conteúdos audiovisuais. Tanto o cabo quanto a radiodifusão eram analógicos, e ambos saiam do mesmo ponto de largada.

Hoje, a UHD já existe (ainda que alguns aspectos ainda careçam de padronização). Com um cartão de crédito com um limite um pouco maior, é possível comprar uma TV 4K nas Casas Bahia. Por R$ 19,90 ao mês mais uma banda larga razoável, é possível assinar a Netflix, que tem uma boa quantidade de conteúdos em UHD. Os celulares high-end já filmam e exibem imagens em 4K. A Globo já filma algumas de suas novelas em ultra alta-definição. Tudo isso e muito mais: imagens em HDR, HFR, WSG, HEVC, 8K (e outras siglas que em essência significam imagens melhores) já existe e, como mostrou a IBC, é o presente e o futuro de todas as plataformas de distribuição de conteúdos de vídeo, da Internet ao cinema, passando pelos canais pagos, pelos celulares e pelos óculos de realidade virtual. Só não é realidade nas transmissões da TV aberta, e talvez nunca venha a ser.

A razão é simples: para ter isso tudo é preciso espectro. E por mais que se admita que com a evolução nas tecnologias de compressão tudo isso poderá ser feito no mesmo canal de 6 MHz que as TVs abertas têm hoje, ainda assim será preciso espectro para migrar de uma tecnologia para outra, período em que ambas precisam coexistir. E esse espectro é coisa cada vez mais rara, ainda mais em tempos de banda larga móvel e Internet das Coisas.

Voltemos à reflexão de Bittencourt (a de 2015). Suponhamos que houvesse no Brasil só três ou quatro emissoras de radiodifusão por cidade (em alguns casos há 25). Aí sim seria possível discutir uma migração da TV aberta para o UHD. Seria então necessário começar a discutir a padronização, definir o modelo etc., coisa que, como dissemos, tomou 14 anos para acontecer com a primeira geração da TV digital, que ainda engatinha no Brasil. E nessa primeira etapa ninguém precisou ser despejado do espectro. Imagine-se que o critério para escolher as três ou quatro emissoras sobreviventes e que terão acesso ao paraíso seja relevância, ou audiência, ou tamanho econômico, ou interesse público. Qualquer que seja o critério, o custo político de despejar o resto dos canais, mesmo os "teletapetes" ou "teleigrejas" que ninguém nem sabe que existem, será gigantesco, senão inviável. A não ser que a seleção (econômica) natural faça esse papel antes (o que eu também duvido).

A outra alternativa é assumir que a TV aberta de fato será um produto tecnologicamente de segunda categoria, fadado a servir apenas àqueles que efetivamente não tenham acesso a nenhuma das formas de consumir conteúdos em UHD. É um outro caminho possível, lembrando que qualidade de imagem não é tudo, e que o mais importante talvez sejam bons roteiros, boas histórias e bom conteúdo. Nada disso é um problema efetivo hoje, é só uma constatação. Mas como 20 anos passam muito rápido, não custa começar a falar já.
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