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Lula: a desigualdade é um problema político

O Estado deve estar a serviço da humanidade
publicado 18/02/2020
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(Reprodução/Instituto Lula)

Via Instituto Lula - Na Itália por ocasião do encontro com o papa Francisco, Lula concedeu entrevista ao padre Enzo Fortunato, um dos organizadores do encontro A Economia de Francisco. O texto, publicado originalmente em italiano no portal San Francesco, foi traduzido livremente pelo Instituto Lula.

Por Enzo Fortunato

O que você pensa sobre A Economia de Francisco, o encontro que o papa irá realizar em Assis por uma nova economia, que rompe com as desigualdades e cria comunhão e participação?

Eu acho que essa é uma questão prioritária para a humanidade. Estamos no século 21, após muitos séculos de experiência em que a desigualdade reinou em todo o mundo. Chegou a hora de acabar com isso. 

O problema da produção de alimentos não existe. Existem alimentos para todas as pessoas no mundo, mas mais de um milhão de pessoas vivem com fome. Sem dinheiro para garantir-lhes a oportunidade de absorver as proteínas e calorias necessárias para sobreviver. A ideia do papa Francisco é crucial, muito importante. 

Espero que toda a humanidade comece a se preocupar, a construir uma sociedade mais harmoniosa, com mais solidariedade, na qual todos tenham o direito de comer três vezes por dia, estudar e viver de maneira digna. Ao longo dos anos do meu governo no Brasil, mostramos que isso é possível. Colocamos a luta contra a pobreza dentro do orçamento do Estado. 

Devemos garantir que todos os governos considerem a desigualdade como um problema político: decisões políticas devem ser tomadas para combater a desigualdade. O Estado deve estar a serviço da humanidade. Deve estar a serviço dos pobres. Infelizmente, porém, a pobreza e a miséria predominam no Brasil. Precisamente porque as políticas sociais foram eliminadas.

Por isso, estou feliz que o papa, através da Economia de Francisco, possa tentar construir uma nova consciência econômica, política e social para o mundo. Isso deve servir de exemplo para o movimento sindical, para outras igrejas e para partidos políticos em todo o mundo.

Quais foram as principais questões abordadas durante a reunião com o Papa?

Falamos de um mundo mais justo e fraterno. Parece-me que os atuais governantes não se preocupam com a qualidade de vida das pessoas, nem com o meio ambiente. Para acumular riqueza, tudo está sendo destruído. 

Conversei com o papa sobre a experiência bem-sucedida que tivemos no Brasil no combate à fome, criando mais empregos e aumentando o salário mínimo. E outros temas, como reforma agrária e política ambiental. 80% da energia no Brasil vem de fontes limpas. Mas ainda precisamos fazer um esforço extra, usar mais energia eólica e solar, o que não destrói a qualidade de vida do planeta.

O papa Francisco mostrou-se aberto a essas questões. Eu acho que isso pode dar um grande impulso para uma discussão global. Espero que, após a iniciativa em Assis, outros líderes assumam a responsabilidade por essas questões. Pense no protocolo de Kyoto, da COP 21 em Paris. Algumas pessoas não têm vontade de respeitar esses acordos. 

Preocupamo-nos em chegar à Lua para escapar da poluição, mas vivemos na Terra. Espero que este problema da economia possa ser discutido lá, mas com o coração. Como se fosse o coração de uma mãe que cuida de seus filhos com carinho, que dá mais leite quando eles precisam. Aqui, os governantes devem dar mais aos que mais precisam.

Presidente, você já esteve em Assis duas vezes. O que São Francisco deixou você e qual é a mensagem que São Francisco lhe deu e que você carrega em seu coração?

É a ideia de abdicar de bens pessoais, tentar viver a vida de uma maneira mais humana e cuidar do lugar onde você mora. Acredito que São Francisco nos dá essa ideia de renúncia em nível pessoal e colaboração e compromisso com toda a comunidade. 

O Sаnto de Assis reflete a boa intenção que reside em todos os seres humanos de melhorar: acredito que todos os que estão deitados na cama pensam que deveriam fazer mais pela Terra e por sua família.

Não consigo entender que, apesar da ideia do Bem, que é humano e, portanto, dentro de nós, existem tantas pessoas ricas no mundo que têm bilhões e bilhões e nem serão capazes de gastá-los no decorrer de sua vida e ainda assim os mantêm por auto. Por que eles não dão uma parte para os pobres, para aqueles que não têm comida? 

Esta é a única maneira de viver: ser mais humano, mais solidário. São Francisco deu um exemplo que deve ser seguido por todos.