Xi! Cago Boys enfrentam os Cruzados Novos!
(Charge: Aroeira)
O Conversa Afiada reproduz da Época artigo de Conrado Hübner Mendes, doutor em Direito e Professor da USP:
Os Chicago Boys e os Cruzados Novos
A arquitetura do novo governo tem duas colunas de entrada: a dos Chicago Boys e a dos Cruzados Novos (ou aiatolás, segundo Clóvis Rossi). A primeira reedita time de economistas que, em nome do liberalismo, deu as mãos ao regime antiliberal (também chamado “ditadura”) do general Pinochet e, sob proteção da Junta Militar, fechou os olhos para a política de extermínio chilena e instalou um laboratório de teste das ideias de seu mentor, Milton Friedman. A segunda reúne os fiéis de uma nova ordem que, por orientação de seus ideólogos, deve ser vendida como anideológica e denunciar os “ideológicos” (os outros). Os Chicago Boys vestem Prada; os Cruzados Novos vestem batina, farda e toga.
Uma coluna promete encolher o Estado e fazer crescer o PIB (mesmo que exploda a desigualdade, um mal menor e necessário na doutrina); a outra promete liberar novas armas ao Estado e aos cidadãos e fazer crescer o PIBB — Produto Interno da Brutalidade Brasileira (mesmo que exploda o encarceramento, uma das métricas de sucesso dessa doutrina). Uma opera na máxima de privatizações e cortes sem maior critério de justiça ou atenção às especificidades locais; a outra reza a oração nada cristã do “tiro, porrada e bomba” e incentiva a cultura de delações e linchamentos, começando pelas escolas públicas. Mais pragmáticos, sob efeito da anestesia dos tecnocratas, aos Chicago Boys não importa sujar as mãos num governo sem apreço por liberdades que não as econômicas.
Negócio é negócio e qualquer crise de consciência pode ser amortizada mais tarde pelo artifício filantrópico. Não faltará dinheiro para a lavagem de biografia. Marqueteiros da virtude, os Cruzados Novos são tementes a Deus, à Pátria e sobretudo às liberdades imateriais (que em geral associam à perversão sexual). Precisam da disseminação da raiva e da credibilidade do status de “pessoa de bem”, um título da nobiliarquia moral que agraciaram a si mesmos sem consultar ninguém.
No mundo dos Chicago Boys, educação e saúde são, por natureza, bens de comércio. Cada indivíduo tem o valor de seu poder aquisitivo. Quem paga mais deve levar mais: se não consegue comprar nas Galeries Lafayette, é porque merece uma Havan. Quem não pode pagar nada, recebe uma escola e um hospital públicos de péssima qualidade. O público é sinônimo de subsidiário e precário, e seus usuários, sem alternativas, carregam o estigma de perdedores (ou preguiçosos). Para os Cruzados, escolas e hospitais são espaços de fiscalização a serviço do adestramento mental e do controle do corpo. Qualquer frequentador desses espaços é potencial delator dos vícios alheios.
Um dos entraves ao desenvolvimento brasileiro, segundo economistas, é a má qualidade da educação. A urgente discussão sobre o sistema educacional do país, com clareza sobre avanços e seus reais problemas, foi atropelada pela gritaria que exige do professor não tomar posição entre os “dois lados de tudo”: escravizados e torturados merecem a mesma estima de escravocratas e torturadores; revelação divina e demonstração científica são versões equivalentes sobre o mundo.
Setores mais prósperos da economia do conhecimento pedem criatividade, capacidade de inovar, habilidade de interpretar, diferenciar pontos de vista e de se antecipar a conflitos. A escola bolsonaresca quer ensinar um autômato a martelar prego, não a perguntar para que serve o prego, testar se o prego é necessário ou imaginar alternativas ao prego. Perguntas são “tendenciosas”. Na cosmovisão da Escola sem Partido, o educador é sempre suspeito e o remédio é a vigilância intimidatória por pais e alunos (não procedimentos de avaliação por profissionais da educação).
Essa arquitetura tem uma séria falha estrutural, pois as duas colunas não são desenhadas para um mesmo edifício. Missionários do PIB e missionários do PIBB não podem ser bem-sucedidos ao mesmo tempo, pois o PIB e o PIBB não crescem juntos de maneira sustentável. Para prosperar, os Cruzados Novos dependem do subdesenvolvimento e do deserto cultural, do ambiente escuro e amedrontado, de carência material e espiritual. Os Chicago Boys querem pegar carona no êxito eleitoral, mas seu plano depende de instituições estáveis, de estado de direito, de mão de obra qualificada, de política externa que inspire respeito internacional. O regime de coabitação forçada tem prazo curto. Bolsonaro terá de escolher qual dos missionários tem lugar em seu coração.
Em tempo: sobre os Xi! Cago Boys, consulte o ABC do C Af
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