Celso Amorim: FHC fez diplomacia da "nanomania"!
Elite brasileira adora bajular os EUA...
publicado
01/03/2018
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Do UOL:
Brasil sofria de 'nanomania', de se achar menor do que é, diz ex-chanceler Celso Amorim
(...) UOL - Em entrevista ao UOL, Celso Lafer [ministro das Relações Exteriores no governo do presidente Fernando Collor de Mello (PRN), em 1992 (de abril a outubro), e também nos dois últimos anos do segundo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 2001 e 2002] avaliou criticamente a política externa dos governos Lula. Basicamente, ele dizia que faltou senso de realidade. Que certos pleitos, como o do Conselho de Segurança da ONU, de pleitear uma cadeira nele [revelaria essa falta de senso, por não serem demandas possíveis, naquele momento].
Celso Amorim - Isso aí [da vaga no Conselho de Segurança], por exemplo, é uma grande bobagem, porque essa política não é do governo Lula, só. Essa política, quem a lançou, isso vem desde 1945. O [Franklin Delano] Roosevelt [presidente dos Estados Unidos entre 1933 e 1945, quando morreu] queria que o Brasil fosse membro. E o Celso Lafer, que é um historiador, respeito-o como acadêmico, sabe disso. Quem reiterou isso, em tempos mais recentes, foi [o governo] Sarney [entre 1985 e 1990], inicialmente, depois no governo Itamar [Franco, 1992-94] e no governo Fernando Henrique [de 1995 a 2002]. Eu era embaixador na ONU do governo Fernando Henrique.
Além do quê, acho que o Brasil fez a coisa certa, porque nós não gastamos nenhum capital político com isso. Só para pegar um ponto do que você está perguntando: se juntou um grupo seleto de países, que é a Alemanha, Japão e Índia, sabendo que teria que ter um outro plano também, para trabalhar por uma reforma [no conselho]. A reforma virá? Não sei. Mas o que quero dizer é o seguinte: se vier, você tem que estar com o pé na porta. Se você ficar quieto, você é excluído.
Então, esse realismo acaba (...) resultando numa, digamos, passividade, que leva à subserviência. Pode até não ser a intenção, mas acaba levando a isso. A política externa que nós levamos adiante foi uma política externa que sabe valorizar o Brasil. Valorizar o que o Brasil é, não só pela extensão territorial, pelo tamanho da economia, pela população, pelo fato da mestiçagem, todas as coisas a que você vê normalmente críticas, ouve internamente, externamente eram apreciadas.
Nossa presença no Oriente Médio, por exemplo. Eu nunca pedi para ir [até lá], nem o presidente Lula. As pessoas é que nos chamavam, nos pediam. Quando eu estava aqui e uma revista cujo nome não pronuncio botou minha foto ao lado da do [Mahmoud] Ahmadinejad [presidente do Irã até 2013], como se eu fosse inimigo de Israel, [Benjamin] Netanyahu [primeiro-ministro de Israel] estava me pedindo, ao Lula, porque eu estava presente e fui executar e depois conversei com ele eu mesmo, que o Brasil ajudasse na mediação com a Síria em torno das colinas de Golã. Quando nós fizemos o acordo com o Irã sobre material nuclear, programa nuclear, estava respondendo a um pedido do presidente Obama. Não funcionou naquela ocasião, porque os Estados Unidos tiraram o tapete, mas anos depois eles fizeram a mesma coisa. Claro que não é idêntico, porque os tempos mudam e as coisas mudam, mas no mesmo espírito. (...)
UOL - Então não houve uma megalomania naquele momento, foi uma oportunidade mesmo?
Celso Amorim - O que houve foi "nanomania" [neologismo para um pensamento nano, micro, muito pequeno] em outros momentos, de achar que o Brasil é menor do que é. Como é que se pode ser megalômano, gente? O Brasil é o quinto país do mundo em território, um dos países que têm mais fronteira com outros países, o quinto em população, chegou a ser a sétima economia do mundo. Qual é a megalomania? E a presença do Brasil era requisitada, não fomos nós que fomos ao Irã, o Obama pediu ao Lula para ajudar nessa questão. O ministro do Exterior da Palestina atravessou meio mundo para tomar um café da manhã, porque era o único tempo que nós tínhamos para eles aqui. (...) eu trabalhei para a questão do Conselho de Segurança, isso é uma realidade que um dia virá, ou, se não vier, serve para outros campos, você reconhece, por exemplo, que o G20 pode vir a ter um papel político para ajudar o Brasil.
Agora, se você ficar encolhido o tempo todo, isso, como chamam os norte-americanos, de uma profecia autocumprível, você não vai fazer nada, não será nada e continuará pequeno. E eu acho que é um desejo da elite política brasileira de ser pequena (...) No dia em que o Brasil se tornar um país realmente mais independente, que puder falar com a sua voz, essa elite perde a razão de ser, porque ela vive à sombra desse guarda-chuva.
(...) UOL - Como a política externa deve ser tratada agora na corrida eleitoral? O que precisa ser colocado?
Celso Amorim - É uma coisa muito simples: o que a gente tem que fazer é voltar a ter uma política externa ativa e altiva. Apesar das dificuldades atuais, voltar a tratar da integração da América do Sul, voltar a ter uma política mais ativa com a África, fortalecer os Brics [bloco que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul], que estão aí, não acabaram, apenas o Brasil foi ficando mais a reboque. Trabalhar pela multipolaridade no mundo, junto com outros países, para que não haja uma hegemonia única. Não são só os Estados Unidos, não. Nós não queremos dominação de ninguém. Agora, é sobretudo uma questão de atitude.