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O Facebook ameaça a Democracia

É mais fácil a mídia social produzir gás de pimenta do que Revolução
publicado 20/03/2018
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O PiG cheiroso reproduz reportagem da Dow Jones Newswires que mostra: "Facebook perde US$ 36 bilhões em valor com vazamento de dados".

O Wall Street Journal informa que o órgão do Governo americano que supervisiona (com muita generosidade...) as atividades da indústria de telecomunicações foi para cima do Facebook pelo mesmo motivo: apropriação de informações do Facebook que a empresa Cambridge Analytica vendeu à campanha presidencial de Donald Trump.

Sobre o assunto, o New York Times publicou nessa segunda-feira 19/III afiadíssimo artigo da especialista Zeynep Tufekci, autora de um livro indispensável - "Twitter and tear gas - the power and fragility of networked protest", Yale University Press, 2017.

O livro mostra que os protestos - dos zapatistas, Occupy Wall Street, "Primavera Árabe", Parque Gezi em Istambul, ou contra o atentado político que resultou na morte da vereadora Marielle Franco - dificilmente terão consequência política se não forem estruturados em cima de partidos políticos, em ações que se enraízem profundamente na sociedade desigual.

Há mais chance de a mídia social produzir gás de pimenta do que mudar o sistema político.

A TV Afiada já denunciou a censura política que o Facebook passou a lhe fazer.

E disse isso com a autoridade de quem tem 848 mil seguidores no Face.

Por isso, quando a canoa virar não basta acabar de fechar a Globo Overseas, em estado pré-falimentar.

Será preciso que o Estado meta a mão no algoritmo do Facebook e dessas mídias sociais que, inexplicavelmente (quá, quá, quá!), não importunam a Russia nem a China...

Agora, trechos do artigo da professora Tufecki da Universidade da Carolina do Norte analisam outra face dessa nova ameaça à Democracia e à liberdade de expressão:

A Máquina de Vigilância do Facebook

 

Zeynep Tufekci

Em 2014, a Cambridge Analytica, uma empresa de análise de perfis de eleitores que, mais tarde, prestaria serviços para a campanha de Donald Trump à Presidência em 2016, chegou a um acordo com a plataforma "Mechanical Turk", da Amazon, um mercado online onde as pessoas ao redor do mundo contratam terceiros para realizar diversas tarefas. A Cambridge Analytica procurava usuários norte-americanos do Facebook. Ela se ofereceu a pagá-los para fazer o download e usar um aplicativo com um quiz sobre sua personalidade chamado thisisyourdigitallife.

Cerca de 270 mil pessoas instalaram o aplicativo em troca de US$ 1 ou US$ 2 por download. O aplicativo "raspou" informações de seus perfis no Facebook, além de informações detalhadas sobre os perfis de seus amigos. O Facebook, então, forneceu todos esses dados para os desenvolvedores do aplicativo, que, por sua vez, os encaminharam para a Cambridge Analytica.

Algumas centenas de milhares de pessoas podem não parecer grande coisa, mas, como os usuários do Facebook têm, em média, centenas de amigos, o número de pessoas cujos dados foram colhidos atinge cerca de 50 milhões. A maioria dessas pessoas não tem sequer ideia de que seus dados foram transmitidos (afinal de contas, elas não haviam instalado o aplicativo), nem que esses dados seriam usados para conhecer o eleitorado e enviá-los para a campanha presidencial de Donald Trump.

Neste final de semana, depois de tudo isso ser revelado pelo New York Times e pelo Observer, de Londres, o Facebook rapidamente fez um anúncio público de que ele estava suspendendo a Cambridge Analytica (mais de um ano depois da eleição) e veementemente negou que isso se tratasse de uma "violação de dados". Paul Grewal, vice-presidente e conselheiro-geral do Facebook, escreveu que "as alegações de que isso se trata de uma violação de dados é completamente falsa". Ele afirmou que usuários do Facebook "conscientemente forneceram suas informações, sistemas não foram infiltrados e nenhuma senha ou informação sensível foi roubada ou hackeada". Ele também disse que "todos os envolvidos deram seu consentimento".

O sr. Grewal tem razão: isso não foi uma violação no sentido técnico. É algo ainda mais problemático: como se fosse uma consequência natural do modelo de negócios do Facebook, que envolve ter pessoas acessando o site para interagir socialmente, apenas para serem silenciosamente sujeitadas a um enorme nível de vigilância. Os resultados dessa vigilância são usados como combustível para um sofisticado sistema para estreitar alvos de publicidade e outras mercadorias para os usuários de Facebook.

O Facebook ganha dinheiro, em outras palavras, fazendo o perfil dos seus usuários e então vendendo sua atenção para publicitários, atores políticos e outros. Esses são os verdadeiros clientes do Facebook, a quem o Facebook faz de tudo para agradar.

O Facebook não apenas registra cada clique e cada "like" no site. Ele também coleta o histórico de navegadores. Ele também compra dados "externos" como informações financeiras sobre seus usuários (embora alguns países da Europa tenham regulamentações que bloqueiam, em parte, essa prática). O Facebook recentemente anunciou sua intenção de mesclar dados "offline" - coisas que você faz no mundo físico, como compras em uma loja física - com seu vasto conjunto de dados online.

O Facebook até cria "perfis de sombra" de não-usuários. Ou seja, mesmo que você não esteja no Facebook, a empresa pode muito bem ter compilado um perfil sobre você, a partir de dados fornecidos por seus amigos ou outras fontes. E esse é um dossiê involuntário do qual você não pode fugir nos Estados Unidos.

Apesar das alegações do Facebook, nenhuma pessoa envolvida com o incidente da transmissão de dados pela Cambridge Analytica deu "consentimento" - pelo menos não de um modo minimamente significativo. É verdade que se você encontrar e ler cada letra no site,  pode descobrir que, em 2014, seus amigos do Facebook tinham o direito de encaminhar todos os seus dados por meio de aplicativos. (O Facebook, desde então, desativou essa função). Se você conseguisse avançar em meio a uma grande variedade de opções confusas, poderia até ter descoberto como desativar essa função.

Isso não era consentimento informado. Isso era uma exploração da confiança de usuários e de seus dados.

Vamos supor, apenas para argumentar, que você explicitamente aceitou fornecer seus dados do Facebook para outra empresa. Você consegue se manter a par das últimas pesquisas acadêmicas em inferência computacional? Você sabia que algoritmos, atualmente, fazem um ótimo trabalho para tirar conclusões sobre os traços de personalidade de uma pessoa, bem como sua orientação sexual, suas visões políticas, o status de sua saúde mental, o histórico de abuso de susbâncias e mais, apenas a partir dos "likes" que ele ou ela deixa no Facebook - e que há novas aplicações para esses dados sendo descobertas a cada dia?

(...)

O que a Cambridge Analytica faz com todos esses dados? Com quem mais ela os compartilhou?

(…)

Deveríamos todos sair do Facebook? Isso pode soar atraente, mas não é uma solução viável. Em muitos países, o Facebook e os seus produtos são a internet. Alguns empregadores exigem ver perfis do Facebook, e há cada vez mais campos da vida pública e cívica - de grupos voluntários a campanhas políticas, até marchas e protestos - que são acessíveis ou organizados apenas via Facebook.

O problema aqui vai além da Cambridge Analytica e o que ela pode ter feito. Quais outros aplicativos foram autorizados a transmitir dados de milhões de usuários do Facebook? E se um dia o Facebook decidir suspender do seu site uma campanha presidencial ou um político em cuja plataforma estejam reivindicações sobre a melhora na privacidade dos dados e limites na retenção e no uso de dados? E se o Facebook decidir compartilhar dados com apenas um candidato e não com outro? E se o Facebook der mais alcance a publicidade de candidatos alinhados com seus próprios interesses?

Um modelo de negócios baseado em vasta vigilância de dados e na cobrança de dinheiro de clientes para demarcar alvos a partir de um extensivo perfil vai, inevitavelmente, ser usado de modo errado. O verdadeiro problema é que bilhões de dólares estão sendo ganhos às custas da saúde de nossa esfera pública e política, e decisões cruciais estão sendo tomadas unilateralmente e sem qualquer recurso ou responsabilidade.

Em tempo: do Wall Street Journal:

A Cambridge Analytica está suspendendo seu executivo-chefe, Alexander Nix, com efeito imediato, e está iniciando uma investigação independente para determinar se ela [a Cambridge Analytica] participou de qualquer atividade criminosa, de acordo com a própria empresa.