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Odebrecht é "Cavalo de Troia" do FBI?

Honduras, Paraguai, Brasil... EUA querem desmontar a América Latina!
publicado 27/02/2018
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O Conversa Afiada reproduz trecho da entrevista do jornalista Brian Mier, geógrafo norte-americano e editor da Brasil Wire (leia mais artigos dele aquiaqui e aqui) à Rádio WNUR de Chicago:

Chuck Mertz: Os EUA lançaram um novo tipo de guerra na América Latina. É o lawfare, que utiliza o sistema jurídico local para derrubar governos eleitos democraticamente, ao mesmo tempo que ignora a corrupção dos políticos da direita.

Quem vai nos contar sobre o envolvimento do nosso país no Brasil, e também o que o nosso governo e nossa mídia não falam, é o nosso correspondente em São Paulo, Brian Mier. Ele acaba de lançar um novo livro chamado "Vozes da Esquerda Brasileira". Você pode comprá-lo no site da Brasil Wire, em www.brasilwire.com.

Brian, você menciona o envolvimento da Hillary Clinton na Operação Lava Jato, a investigação sobre corrupção no Brasil que já se espalhou para diversos outros países. Ao mesmo tempo, parece que os russos também fizeram algo para influenciar as eleições presidenciais americanas em 2016. Dá para comparar a forma como a Rússia supostamente influenciou as eleições americanas com a maneira como os Estados Unidos, especialmente quando Hillary Clinton era a secretária de estado, causaram danos à democracia brasileira?

Brian Mier: As críticas que eu fiz sobre Hillary Clinton são relacionadas mais ao seu envolvimento em Honduras. A Lava Jato começou quando o secretário de estado era John Kerry. Entretanto, há indícios que implicam a colaboração do Departamento de Estado dos EUA, quando Hillary Clinton chefiava esse órgão, com o principal juiz da Lava Jato, Sérgio Moro. Mas esse tipo de envolvimento do governo dos Estados Unidos nas investigações contra corrupção na América Latina começou com Otto Reich, durante o governo Bush. Portanto, há uma continuidade entre Republicanos e Democratas quanto à estratégia do Lawfare.

Sobre o envolvimento russo, não creio que eu seja a melhor pessoa para falar sobre isso. (...) Mas vou dizer uma coisa: a Rússia não causou um impeachment ilegal nos EUA, mas os EUA derrubaram dezenas de governos democráticos na América Latina ao longo dos últimos cem anos.

Chuck Mertz: A revelação, então, é que existe esse plano de longo prazo dos EUA para derrubar governos estrangeiros através do lawfare. Explique o que é o lawfare. O lawfare é uma estratégia de guerra conduzida contra países como Brasil, Peru, Venezuela, Panamá, México?

Brian Mier: Sim, podemos chamar de guerra, ainda que ninguém tenha pego em armas. Mas pessoas estão morrendo por conta das medidas implementadas pelo governo golpista no Brasil, que é apoiado pelos Estados Unidos. Doze milhões de brasileiros retrocederam para baixo da linha da pobreza desde o Golpe contra a presidenta Dilma Rousseff. A fome está voltando ao país, a ONU inseriu o Brasil em seu Mapa da Fome, do qual ele havia saído em 2010 pela primeira vez na história. Em toda a América Latina há aumento da pobreza por conta dos programas de austeridade implementados pelos presidentes de direita, que são apoiados pelos EUA.

(...) Em 2009, Hillary Clinton disse que "ter Democracia na América Latina não é o suficiente, temos que apoiar judiciários fortes e independentes nesses países". O problema é que o Judiciário é o único Poder do governo que não é eleito diretamente. Historicamente, a justiça na América Latina representa os interesses das elites brancas, são os filhos da alta classe média que passam nos concursos e se tornam juízes... É o setor mais conservador do governo, é o setor que não presta contas a ninguém...

Em resumo, ao fortalecer os judiciários na América Latina, os EUA enfraquecem as democracias. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos e o FBI possuem acordos com dezenas de países que lhes permitem auxiliar investigações de corrupção que envolvam propinas em dólares, ou em que as companhias investigadas tenham alguma atividade, ainda que lícita, em solo americano. Isso permite que o governo americano interfira em investigações sobre corrupção ao redor do mundo, de forma seletiva.

No Brasil há uma empresa chamada Odebrecht, uma empreiteira. Ela era uma das maiores empresas de engenharia do mundo antes da Lava Jato começar. Tinha negócios em mais de cinquenta países, inclusive nos EUA.

O que eu vou dizer agora não é uma opinião particular minha. É algo que eu ouvi de uma fonte bem importante na cena política brasileira, na semana passada: ao que parece, o Departamento de Justiça e o FBI utilizam a Odebrecht como um Cavalo de Tróia para conduzir investigações contra políticos "indesejáveis" ao redor do mundo. Michele Bachelet foi acusada de corrupção em um caso com a Odebrecht no Chile. A Odebrecht foi envolvida no processo de impeachment contra o presidente do Peru recentemente. Existem investigações contra a Odebrecht na África, também. E um dos principais advogados da Odebrecht disse que a maior parte dos documentos utilizados pela Lava Jato são completamente falsos! (...)

Chuck Mertz: Você diz que a Lava Jato tem uma boa imagem na mídia dos EUA, já que ela passa uma ideia de "estamos ajudando a limpar esse país, estamos protegendo sua democracia". Mas essas investigações são justas?

Brian Mier: Não são nem um pouco justas. Por exemplo, dois ex-candidatos à presidência pelo PSDB, que é o principal partido da oposição conservadora ao PT e amigo de longa data dos EUA, estão envolvidos em propinas de dezenas de milhões de dólares, com provas em áudio e vídeo... Você pode ir na internet e ver e ouvir essas provas facilmente. Mas todas as acusações foram jogadas no lixo.

Ao mesmo tempo, o ex-presidente Lula foi condenado à prisão por supostamente ter se beneficiado de uma reforma em um apartamento. Mas os juízes não conseguem sequer provar que Lula é o dono do apartamento. Não há prova. Outro dia Lula disse em um discurso, "o mínimo que poderiam fazer é me dar a escritura desse apartamento".

A Lava Jato, com apoio do Departamento de Justiça e do FBI, quebrou muitas das maiores empresas do país. O resultado é a grande recessão que assola o Brasil. Quando o juiz Moro ordenou a paralisação das atividades da Odebrecht por seis meses, mais de meio milhão de trabalhadores da construção civil foram demitidos imediatamente, além de outros centenas de milhares em postos de trabalho indiretos.

Isso é bem diferente do que acontece com as investigações de corrupção nos EUA. Na América Latina, os Estados Unidos fazem exatamente o contrário do que fazem com o Goldman Sachs, com o HSBC, com todas essas outras corporações corruptas que se envolvem em escândalos multibilionários de corrupção: no máximo elas ganham uma advertência e, quem sabe, um executivo vai pra cadeia por alguns meses...

Chuck Mertz: Os brasileiros compreendem que a Lava Jato não é apenas uma investigação contra a corrupção? Eles vêem a operação como uma sabotagem econômica contra o país?

Brian Mier: Eu não posso falar por 210 milhões de brasileiros, mas há um consenso entre a maioria da população de que há, sim, uma caça às bruxas contra Lula. A maioria da população considera Lula inocente e 96% dos brasileiros rejeitam o governo golpista de Temer. Ele tem apenas 4% de aprovação! E eu diria que a maioria, pelo menos algo acima de 50%, acredita que a Lava Jato é uma caça às bruxas contra o PT que teve resultados desastrosos para a economia.

Chuck Mertz: Em 2004 o esquema do Mensalão estava sob investigação. Ele se tornou um escândalo tão grande na mídia que por pouco não causou o impeachment do então presidente Lula, ainda que o esquema tenha se originado em governos anteriores. Lula não foi acusado de nada, mas alguns de seus aliados próximos foram presos.

Uma agência de investigações particular, a Kroll, que é bem próxima da CIA, foi acusada de tentar incriminar Lula. Agentes da Kroll foram pegos espionando as comunicações de membros da equipe do governo. Agora, ao que parece, a Kroll também está por trás da Lava Jato.

O envolvimento da Kroll na Lava Jato deveria levar a mídia a questionar toda a operação? E, para você, por qual motivo a mídia dos EUA não questiona uma investigação que, ao que parece, tem o envolvimento de uma empresa na qual operam agentes da CIA?

Brian Mier: (...) Nós sabemos que existe envolvimento de agências de inteligência privadas, de companhias petroleiras como a Chevron, do governo dos Estados Unidos, todos com interesses na privatização do petróleo brasileiro, no acesso ao petróleo e a outras riquezas minerais... Eu creio que a mídia, que é financiada por agências de publicidade, não quer arriscar suas receitas. (...) Eu acredito que boa parte da imprensa recebe dinheiro de publicidade da indústria do petróleo e de outras companhias que têm interesses no Brasil.

(...) Além disso, existe uma espécie de "armadilha" que pega parte da mídia independente dos EUA: são veículos que recebem dinheiro de Fundações [ONGs ligadas às grandes corporações]. Há algumas semanas, o portal NACLA (North American Congress on Latin America) e a revista Jacobin organizaram uma rodada de discussões de uma semana sobre o Golpe no Brasil e sobre a Lava Jato. Mas não citaram o envolvimento dos EUA. A análise foi muito boa, as discussões foram muito boas, mas não falaram sobre o envolvimento dos Estados Unidos.

Então, eu acredito que a grande mídia não quer prejudicar suas receitas de publicidade, e a mídia progressista fecha os olhos para o imperialismo norte-americano na América Latina.

Chuck Mertz: Em 2004 o inquisidor-chefe da Lava Jato, o juiz Moro, publicou um relatório chamado "Considerações da Mani Pulite", uma tese sobre uma investigação anti-corrupção chamada Operação Mãos Limpas. Essa operação, nos anos 1990, com apoio dos Estados Unidos, derrubou toda a ordem política da Itália, especialmente os partidos de centro-esquerda. A Mãos Limpas abriu caminho tanto para o surgimento de Silvio Berlusconi, o presidente mais corrupto da história da Itália, quanto para um extensivo programa de privatizações apelidado de "pilhagem da Itália".

A Operação Mãos Limpas em particular, seu uso da mídia para alavancar a indignação pública, serviu como protótipo para a Lava Jato. Você acredita que esse novo programa de privatizações, com início em suposta investigação de corrupção, com apoio da mídia, a queda de governos eleitos democraticamente, que são substituídos por corruptos que vendem o país... Você acredita que isso é um plano posto em prática em todo o mundo, não apenas no Brasil, para a derrubada de governos que não são simpáticos ao neoliberalismo?

Brian Mier: Bom, se você olhar para o que houve em Honduras, Paraguai, Chile, Argentina, Brasil, isso parece sim parte de um plano para a hegemonia neoliberal na América Latina. Não sei se podemos dizer o mesmo de outros países. Na África e na Ásia existem outras potências imperialistas atuando, como a China e certos países europeus, que servem como contraponto aos EUA. Mas a América Latina é o quintal dos EUA, é assim desde a Doutrina Monroe. Sim, somos vítimas do imperialismo norte-americano e de seus objetivos geopolíticos aqui na América Latina.