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Venício e a Comunicação: um Congresso fora da Lei

O Conversa Afiada reproduz artigo do professor Venício Lima, do Observatório da Imprensa: Cinco anos de ilegalidade.
publicado 09/11/2011
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O Conversa Afiada reproduz artigo do professor Venício Lima, do Observatório da Imprensa:

(Não foi à toa que este ansioso blogueiro, em seminário de que Venício participou, disse que, na Comunicação, o Brasil é uma "ditadura perfeita".)

Cinco anos de ilegalidade


Por Venício A. de Lima em 09/11/2011 na edição 667


É certamente constrangedor registrar, pelo quinto ano consecutivo, a ilegalidade do Congresso Nacional em relação ao cumprimento da Constituição Federal e da lei 8.389/1991 (ver artigo neste Observatório): no domingo, 20 de novembro, serão cinco anos que o Conselho de Comunicação Social (CCS), criado pela Constituição de 1988 (artigo 224) e regulamentado por lei em 1991, se reuniu pela última vez. De lá para cá a Mesa Diretora se recusa a convocar a sessão conjunta para eleição dos novos membros, como manda o § 2º do artigo 4º da Lei 8.389/91.


O CCS, órgão auxiliar do Congresso, é o único espaço institucionalizado de debate sobre o setor de comunicações no nosso país, com representação da sociedade civil. No entanto, não funciona há cinco anos por deliberada omissão do Congresso.


Ilegalidades repetidas


Reza a recente lei 12.485/2011, que regula o chamado Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) e, portanto, estabelece novas regras para o setor de TV paga:


Artigo 42. A Anatel e a Ancine, no âmbito de suas respectivas competências, regulamentarão as disposições desta Lei em até 180 (cento e oitenta) dias da sua publicação, ouvido o parecer do Conselho de Comunicação Social.


Parágrafo único. Caso o Conselho de Comunicação Social não se manifeste no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento das propostas de regulamento, estas serão consideradas referendadas pelo Conselho.


Desta forma, a lei, sancionada em 12 de setembro de 2011, determina que até 12 de março de 2012 o CCS ofereça um parecer sobre as regulamentações a serem produzidas pela Anatel e pela Ancine. A lei, todavia, também prevê que, caso o CCS não se manifeste, tudo fica como está...


De qualquer maneira, a nova lei aprovada pelo Congresso Nacional parece ter movimentado alguns setores no sentido de fazer funcionar o CCS (ver aqui). A movimentação decorrente da aprovação de uma nova lei que atribui tarefas específicas ao CCS, no entanto, não constitui exatamente uma novidade.


Na verdade, a lei 12.485 vem se juntar à lei 11.652, de 7 de abril de 2008 – que criou a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) –, e, em seu artigo 17, determina ao Conselho Curador da empresa de radiodifusão pública encaminhar ao CCS as deliberações tomadas em cada uma de suas reuniões. Em 2008, como agora, houve uma movimentação para eleição dos novos membros do CCS. Nada aconteceu.


Por tudo isso, tomo a liberdade de repetir abaixo alguns trechos atualizados de artigos que venho publicando a cada ano, desde 2007.


Responsabilidade do Congresso Nacional


Os integrantes do CCS são eleitos em sessão conjunta do Congresso Nacional. Acontece que a Mesa Diretora, vencidos os mandatos dos conselheiros ao final de 2006, jamais promoveu a eleição dos novos membros. Trata-se, portanto, de evidente descumprimento de uma lei exatamente por parte do poder que tem o dever constitucional maior de criá-las e, espera-se, deveria cumpri-las.


A situação chegou a tal ponto, que um integrante do próprio Congresso, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP), em agosto de 2009 entrou com uma representação na Procuradoria Geral da República para que o Ministério Público investigue os motivos pelos quais não se promove a eleição dos novos membros do CCS. Não se conhece os resultados dessa representação.


Triste história


A inatividade do CCS, paradoxalmente, não merece a atenção da grande mídia, apesar de os empresários do setor constituir, pelo menos, a metade de seus membros.


Como se sabe, o CCS, apesar de regulamentado em 1991, só logrou ser instalado 11 anos depois como parte de um polêmico acordo para aprovação de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que, naquele momento, constituía interesse prioritário dos grupos de mídia. A Emenda Constitucional nº 36 (artigo 222), de maio de 2002, permitiu a propriedade de empresas jornalísticas e de radiodifusão por pessoas jurídicas e a participação de capital estrangeiro em até 30% do seu capital.


O fato é que, mesmo sendo apenas um órgão auxiliar, o CCS instalado demonstrou ser um espaço relativamente plural de debate de questões importantes do setor – concentração da propriedade, outorga e renovação de concessões, regionalização da programação, TV digital, radiodifusão comunitária, entre outros.


Vencidos os mandatos de seus primeiros integrantes, houve um atraso na confirmação dos membros para o novo período de dois anos, o que ocorreu apenas em fevereiro de 2005. Ao final de 2006, no entanto, totalmente esvaziado, o CCS fez sua última reunião e a eleição dos novos membros até hoje não foi convocada pelo Congresso.


Atribuições


Nunca será demais relembrar quais são as atribuições que o CCS deveria estar exercendo se o Congresso Nacional cumprisse a Constituição e a lei. O artigo 2º da Lei 8.389/91 reza:


O Conselho de Comunicação Social terá como atribuição a realização de estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações que lhe forem encaminhadas pelo Congresso Nacional a respeito do Título VIII, Capítulo V, da Constituição Federal, em especial sobre:


a) liberdade de manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação;


b) propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias nos meios de comunicação social;


c) diversões e espetáculos públicos;


d) produção e programação das emissoras de rádio e televisão;


e) monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação social;


f) finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas da programação das emissoras de rádio e televisão;


g) promoção da cultura nacional e regional, e estímulo à produção independente e à regionalização da produção cultural, artística e jornalística;


h) complementaridade dos sistemas privado, público e estatal de radiodifusão;


i) defesa da pessoa e da família de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto na Constituição Federal;


j) propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens;


l) outorga e renovação de concessão, permissão e autorização de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;


m) legislação complementar quanto aos dispositivos constitucionais que se referem à comunicação social.


Por que, afinal, o CCS não funciona?


O Congresso Nacional e, sobretudo, o Senado Federal, abriga um grande número de parlamentares com vínculos diretos com as concessões de rádio e televisão. O CCS é um órgão que – insisto, mesmo sendo apenas auxiliar – discute questões que ameaçam os interesses particulares desses parlamentares e dos empresários de comunicação, seus aliados. Essa é a razão – de fato – pela qual o Congresso descumpre a Constituição e a lei.


Indefensável é a cumplicidade silenciosa da grande mídia e daqueles que nos lembram quase diariamente dos supostos riscos e ameaças que a “liberdade da imprensa” enfrenta no Brasil e em países vizinhos da América Latina.


O funcionamento constitucional de um coletivo auxiliar do Congresso, composto por representantes dos empresários, de categorias profissionais de comunicação e da sociedade civil, com a atribuição de debater questões centrais do setor, oferece algum risco à liberdade de expressão, à liberdade da imprensa ou à democracia?


Por que, afinal, o Conselho de Comunicação Social não funciona?


***


[Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011]