Bolsonaro foi duplamente irresponsável
Foto: Poder360
Nesta segunda-feira (16/III), o Globo e o Estadão dedicam os seus editoriais ao presidente Jair Bolsonaro, que ignorou todas as recomendações e incentivou e participou das manifestações do último domingo (15/III).
Para o jornal carioca, Bolsonaro "conseguiu ser duplamente irresponsável".
"Os erros de Bolsonaro, reforçados ontem, são de outra ordem, tão ou mais graves: demonstrações de irresponsabilidade política e pessoal. O presidente entrou em terreno institucionalmente perigoso, na última semana de fevereiro, ao fim do carnaval, quando ajudou a divulgar por sua conta de WhatsApp a convocação de manifestações contra o Congresso e o Supremo realizadas ontem em algumas cidades. De sentido golpista. Inconstitucionais, ilegais.
Inspirado numa reação dura do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, contra o Congresso, registrada sem seu consentimento, o movimento, por absurdo, passou a ter o apoio do presidente da República, referendando assim um ataque às instituições. Diante das reações negativas à sua atitude, Bolsonaro ensaiou um dúbio recuo. E ontem tirou qualquer dúvida, se havia, sobre sua verdadeira posição em favor de um ato político intoxicado de ilegalidades. Tornou-se cúmplice.
O presidente deixou de ficar muito perto da claque que o acompanha em frente ao Alvorada. Não deveria permitir sequer esta aglomeração, se obedecesse às instruções do próprio Ministério da Saúde. Mas ontem aproximou-se de manifestantes na calçada do Planalto e ainda tocou na mão de alguns. Com este gesto conseguiu ser duplamente irresponsável: deu mau exemplo à população, que vem sendo instruída a evitar esses contatos, e atacou a democracia.
O tamanho da falta de sensatez de Bolsonaro, no plano pessoal, pode ser medido pelo fato de que, também no domingo, foi informada mais uma contaminação pelo coronavírus na comitiva que viajou com ele aos Estados Unidos. Seu primeiro teste foi negativo. Serão feitos outros. Por óbvio, deveria se precaver.
Quanto ao aspecto político, deverá haver desdobramentos, com a finalidade de que o Planalto respeite os limites que a Carta estabelece ao Executivo."
Já para o Estadão, o Brasil "enfrenta uma escassez de estadistas e um excesso de governantes despreparados". Leia alguns trechos:
"Infelizmente, o mundo em geral, e o Brasil em especial, enfrenta uma escassez de estadistas e um excesso de governantes despreparados, não apenas do ponto de vista da administração, mas, sobretudo, sob o aspecto da liderança.
Nestes tempos de vulgaridade militante, confunde-se liderança política com capacidade de arregimentar seguidores em redes sociais. Quanto mais barulhentos e irracionais forem os discursos desses oportunistas, maior é o engajamento de quem prefere a ofensa ao diálogo. Pouco importa, no ambiente tóxico das redes, se esse tipo de liderança é eficiente para conduzir o País a bom porto; ali, o que interessa é apenas alimentar o tribalismo e, assim, estigmatizar, muitas vezes em termos violentos e impublicáveis, quem tem outra opinião.
É evidente que, nesse clima de guerra, não se pode falar em convergência de esforços e ideias para solucionar os problemas ou ao menos para mitigar seus efeitos mais sérios. Ao contrário, são cada vez mais numerosos os que torcem pela ampliação da crise como forma de minar o governo e as chances eleitorais do presidente. Em qualquer circunstância, trata-se de um óbvio disparate, pois o colapso da economia e a deterioração das instituições não ajudam ninguém - a não ser os incendiários.
Por mais difícil e desgastante que seja, é preciso que os políticos conscientes de seu papel se apresentem ao duro trabalho de convencer os brasileiros de que esse confronto, tão ruidoso quanto vazio de significado, não levará a nada, a não ser a um dispêndio de preciosa energia, necessária para o enfrentamento dos graves transtornos que o País atravessa.
No Brasil, o cargo de estadista está vago, pois temos um presidente que não está à altura nem do cargo nem dos desafios que se lhe apresentam. É claro que nenhum dos candidatos a essa missão precisa ser um Churchill, mas é possível pelo menos almejar seu grande exemplo. Na tempestade perfeita que une um governo perdido, uma atmosfera de discórdia, uma economia letárgica e um vírus descontrolado, urge parar de perder tempo com tolices extremistas, produzidas pelo submundo delinquente da internet, e concentrar esforços para mobilizar a opinião pública contra o nosso grande e resiliente inimigo: a mediocridade."