DCM: quanto Vale ter Salgado no jn?
Chora, Renata, chora! Snif, snif, snif
publicado
18/11/2015
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Salgado em seu Instituto Terra, em Minas, com a mulher Lélia
No DCM, texto de Kiko Nogueira:
Sebastião Salgado, a Vale e o Jornal Nacional
Seja qual for a quantia que a Vale paga para patrocinar Sebastião Salgado, é pouco diante do serviço de relações públicas que ele presta.
Salgado, seguramente um dos melhores fotógrafos do mundo, foi cobrado por sua parceria com a mineradora depois do desastre na barragem de Mariana (a Vale é controladora da Samarco).
A empresa é patrocinadora dele desde, pelo menos, 2008. Banca o Projeto Gênesis, um ambicioso registro de uma volta ao globo por 32 regiões extremas. “É sobre um planeta intocado”, diz ele. Para a Vale, no site oficial, é “uma ilustração artística do compromisso com o desenvolvimento integrado nas comunidades em que atua (…). O projeto mostra que a coexistência harmônica entre o homem e a natureza é primordial para o equilíbrio”.
Mais: “Um hino visual à grandeza e à fragilidade da Terra”.
Depois da catástrofe, porém, Salgado não rompeu com a antiga parceria. Veio ao Brasil (ele mora em Paris) para tentar emplacar uma iniciativa bacana: a criação de um fundo para recuperar as nascentes do rio Doce. Reuniu-se com Dilma e com outras autoridades.
Quem vai bancar? A Vale, se Deus quiser.
A ficha corrida da corporação é barra pesada e isso não é novidade. Recentemente, recebeu de ativistas o título de “pior empresa do mundo” por causa de suas relações trabalhistas, impactos no entorno e as chamadas pegadas ambientais (aqui uma boa matéria sobre esses estragos).
Na África o cenário é triste. Há três anos, um choque entre a polícia da Guiné e trabalhadores da mineradora deixou seis manifestantes mortos. Em dezembro de 2013, mineiros de carvão em Moçambique invadiram a sede para cobrar o pagamento de indenizações por terem perdido as casas em obras das minas. E um longo etc.
Salgado funciona como um brilhante escudo ético para a Vale. A prova de que ela é “sustentável”, dando dinheiro para esse tipo de empreendimento com um artista ligado a causas nobres.
Na maratona de entrevistas que anda concedendo, Salgado apareceu no Jornal Nacional. Ernesto Paglia — dono do sotaque paulistano mais caricato que o das nonna do Bixiga, que não existem, e Adoniran Barbosa juntos — foi até a ONG de Salgado em Aimorés.
Ele repetiu novamente o mantra de que “aprendeu a nadar naquele rio”, falou do reflorestamento, das nascentes. Paglia, num momento de pieguice extra, sobre um fundo musical hediondo, ajoelhou-se à frente de um fio d’água e suspirou, depois de passar umas gotinhas na calva: “Um pouco de esperança aqui, jorrando no meio dessa matinha”.
No final, uma Renata Vasconcelos com os olhos marejados, ainda com o eco da música melosa, arrematou: “A Vale afirmou que tomou conhecimento da criação do fundo proposto pelo fotógrafo Sebastião Salgado e que está disposta a apoiar, no que for possível, a recuperação do Rio Doce.” Viva!
SS tem o direito inalienável de ser bem remunerado por sua obra — de resto, grandiosa. Mas é realmente necessário, a essa altura, permanecer associado a uma companhia que detona, para começar, a natureza de seu próprio estado há décadas? Que sentido tem isso?
Como escreveu Drummond:
O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
(Ou o velho Macca: boy, you’re gonna carry that weight a long time).
Salgado, seguramente um dos melhores fotógrafos do mundo, foi cobrado por sua parceria com a mineradora depois do desastre na barragem de Mariana (a Vale é controladora da Samarco).
A empresa é patrocinadora dele desde, pelo menos, 2008. Banca o Projeto Gênesis, um ambicioso registro de uma volta ao globo por 32 regiões extremas. “É sobre um planeta intocado”, diz ele. Para a Vale, no site oficial, é “uma ilustração artística do compromisso com o desenvolvimento integrado nas comunidades em que atua (…). O projeto mostra que a coexistência harmônica entre o homem e a natureza é primordial para o equilíbrio”.
Mais: “Um hino visual à grandeza e à fragilidade da Terra”.
Depois da catástrofe, porém, Salgado não rompeu com a antiga parceria. Veio ao Brasil (ele mora em Paris) para tentar emplacar uma iniciativa bacana: a criação de um fundo para recuperar as nascentes do rio Doce. Reuniu-se com Dilma e com outras autoridades.
Quem vai bancar? A Vale, se Deus quiser.
A ficha corrida da corporação é barra pesada e isso não é novidade. Recentemente, recebeu de ativistas o título de “pior empresa do mundo” por causa de suas relações trabalhistas, impactos no entorno e as chamadas pegadas ambientais (aqui uma boa matéria sobre esses estragos).
Na África o cenário é triste. Há três anos, um choque entre a polícia da Guiné e trabalhadores da mineradora deixou seis manifestantes mortos. Em dezembro de 2013, mineiros de carvão em Moçambique invadiram a sede para cobrar o pagamento de indenizações por terem perdido as casas em obras das minas. E um longo etc.
Salgado funciona como um brilhante escudo ético para a Vale. A prova de que ela é “sustentável”, dando dinheiro para esse tipo de empreendimento com um artista ligado a causas nobres.
Na maratona de entrevistas que anda concedendo, Salgado apareceu no Jornal Nacional. Ernesto Paglia — dono do sotaque paulistano mais caricato que o das nonna do Bixiga, que não existem, e Adoniran Barbosa juntos — foi até a ONG de Salgado em Aimorés.
Ele repetiu novamente o mantra de que “aprendeu a nadar naquele rio”, falou do reflorestamento, das nascentes. Paglia, num momento de pieguice extra, sobre um fundo musical hediondo, ajoelhou-se à frente de um fio d’água e suspirou, depois de passar umas gotinhas na calva: “Um pouco de esperança aqui, jorrando no meio dessa matinha”.
No final, uma Renata Vasconcelos com os olhos marejados, ainda com o eco da música melosa, arrematou: “A Vale afirmou que tomou conhecimento da criação do fundo proposto pelo fotógrafo Sebastião Salgado e que está disposta a apoiar, no que for possível, a recuperação do Rio Doce.” Viva!
SS tem o direito inalienável de ser bem remunerado por sua obra — de resto, grandiosa. Mas é realmente necessário, a essa altura, permanecer associado a uma companhia que detona, para começar, a natureza de seu próprio estado há décadas? Que sentido tem isso?
Como escreveu Drummond:
O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
(Ou o velho Macca: boy, you’re gonna carry that weight a long time).