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11 vezes em que Osmar Terra mentiu sobre o coronavírus

Redes sociais o chamam de Osmar Terraplanista
publicado 06/04/2020
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Via GGN - O ex-ministro Osmar Terra é médico, já foi secretário de Saúde e se orgulha de ter enfrentado a epidemia de H1N1 em 2009 como gestor no Rio Grande do Sul. Isso tudo deveria ser uma credencial para que possa ocupar o Ministério da Saúde em eventual saída de Luiz Henrique Mandetta, não fosse o desespero para agradar incondicionalmente o presidente Jair Bolsonaro.

Nos últimos dias, Terra passou a publicar mensagens no Twitter, vídeo e até artigo na Folha de S. Paulo para sustentar uma visão preocupante: a de que a pandemia é incontrolável e o isolamento social é uma decisão política, sem respaldo científico, que não vale a pena.

O GGN analisou as manifestações do ex-ministro e expõe, abaixo, o resumo das principais ideias e o contraponto com dados que ele ignora.

1- A quarentena aumentou casos de coronavírus onde foi adotada.

“A ideia de fazer quarentena para reduzir a velocidade e ‘achatar’ a curva de aumento de casos, não funcionou em nenhum país do mundo nesta epidemia! Estão submetendo a população a enormes sacrifícios por uma teoria sem resultados práticos!”, escreveu Osmar Terra no Twitter.

Esse tipo de análise é equivocada porque os efeitos de uma quarentena não são vistos nos primeiros dias subsequentes ao decreto dos governos. Cientistas apontam que há um prazo mínimo para verificar a efetividade das metidas de mitigação que envolvem fechamento de escolas, serviços não essenciais, entre outros: cerca de 14 dias, que é é o tempo de incubação do vírus.

É preciso considerar ainda que há um intervalo de espera entre o momento em que o caso chega ao hospital e o momento em que o teste em laboratório é concluído e entra para as estatísticas. O boom de casos visto pelo ex-ministro em outros países deveria levar em conta esses fatores.

2 – Brasil vive uma quarentena radical sem sinais do achatamento da curva.

Disse Osmar Terra: “No Brasil, onde estamos sendo submetidos a uma quarentena radical que destrói nossa economia e empregos, eu pergunto: onde está o achatamento da curva??!! NÃO EXISTE. Com a quarentena ou não, chegaremos ao pico da epidemia antes do final de abril! (…) Está na hora dos governadores ouvirem o Presidente e acertarem com ele o fim dessa quarentena sem resultados.”

O Brasil não vive, na visão do próprio Ministério da Saúde, uma quarentena radical. Na semana passada, o ministro Luiz Henrique Mandetta chegou dizer que chamaria as medidas adotadas por governos e municípios de “quarentena”. Diferente de outros países, o Brasil não fez nenhum “lockdown”, suspendendo todas as atividades e isolando a sociedade em geral por, no mínimo, 14 dias.

Há diferenças entre medidas de mitigação e medidas de supressão ao coronavírus. O que os estados adotaram foram algumas medidas de mitigação, como fechar escolas e universidades, fechar comércios com atividades não essenciais, suspender eventos públicos, entre outras ações que não são sequer orquestradas em nível nacional.

Ainda de acordo com Mandetta, o esperado é que o País viva um aumento significativo dos casos à medida em que os testes comprados no exterior e fabricados nacionalmente comecem a ser feitos em mais pessoas e gerem resultados para as estatísticas. A Pasta continua trabalhando para receber milhões desses testes.

Além disso, o achatamento da curva, ao contrário do que faz parecer Osmar Terra em seus comentários, não sugere que a epidemia está exterminada. A ideia de “achatar” a curva tem outro objeto primário: impedir que os casos graves cheguem todos ao mesmo tempo no hospital, gerando um colapso no sistema de saúde. Pode haver um mesmo volume de casos, portanto, mas espalhados ao longo do tempo, para que o sistema de saúde possa se preparar para absorver a demanda.

3 – A epidemia de H1N1 é a prova de que quarentena é desnecessário.

“Eu me baseio em experiência que tive ao comandar o enfrentamento a várias epidemias, com bons resultados, onde nos concentramos em grupos de riscos sem impedir que atividades continuassem”, disse Osmar Terra, em referência ao surto de H1N1 em 2009.

O ministro omite que as condições em que aquele vírus surgiu eram outras. O H1N1 era menos transmissível que o coronavírus. O primeiro transferia para 1,3 pessoa em média. A COVID-19 passa de uma para 2 ou 3 pessoas, numa estimativa conservadora.

Isso tem a ver com o fato de que o vírus de 2009 era parecido com o H1N1 de 1968. Os idosos que pegaram o vírus em 1968, portanto, estavam menos vulneráveis a ele em 2009. Por isso também a doença foi menos letal entre idosos naquele ano. Esse dado está relacionado ainda à taxa de transmissão, pois uma parcela da população já tinha alguma imunidade.

A COVID-19 mata mais idosos que a H1N1 porque não há imunidade, vacinas ou remédios contra ela no momento. No final de 2009 e começo de 2010, o H1N1 já tinha uma vacina. E com contágio menor, ela não colapsou o sistema de saúde nos termos vistos pela COVID-19.

O virologista Átila Iamarino fez um vídeo sobre coronavírus no domingo (5) e comentou a situação do H1N1 em paralelo com a COVID-19:

4 – O vírus é assintomático em 99% dos casos.

O ex-ministro não informou qual estudo científico respalda essa informação que ele repete em vídeo, artigo e mensagens nas redes sociais.

Aferir o nível de casos assintomáticos no mundo depende da testagem em massa, e ainda há pesquisas em andamento sobre isso. Um estudo de referência é o da Islândia, que apontou que metade dos casos, e não 99%, seriam assintomáticos.

Curioso que esse dado seja usado por Terra para justificar o fim da quarentena. Pela lógica, quanto mais gente circulando nas ruas sem saber que porta o vírus, maior a chance de que pessoas em grupo de risco possam se contaminar.

5 – É preciso contaminar metade da população.

Esse era o plano do Reino Unido, desenvolver a chamada imunidade de rebanho, para conter a epidemia. Ocorre que essa decisão gera o problema de milhares de casos graves ocorrendo ao mesmo tempo, e é aí que o sistema de saúde de qualquer país pode entrar em colapso. Esse plano foi abandonado tão logo o Imperial College apresentou as estimativas de quase meio milhão de mortes por COVID-18 no Reino Unido, caso nada fosse feito.

6 – O Imperial College está errado.

“O conceito de achatamento da curva está errado. O Imperial College errou. Previu milhões de mortos que não aconteceram. Não vai acontecer. O calculo está errado”, disse Terra em um vídeo divulgado no Youtube.

O que o Imperial College faz é projetar o crescimento exponencial dos casos e estimar as mortes considerando as taxas de letalidade vistas em alguns países que foram atingidos pela epidemia primeiro, como a China. Com base nesses dados, esboçam cenários que relacionam as medidas que podem ser adotadas e suas consequências.

O ministro não explica como chegou à conclusão de que o “conceito de achatamento da curva está errado” e qual estudo de seu conhecimento contradiz o Imperial College.

7 – A Itália já chegou ao final da pandemia, e Brasil chegará em junho.

“No final de abril termina a epidemia na Itália. No Brasil termina em maio. Em junho, não terá mais epidemia no Brasil.”

Quando fala sobre o Brasil, o ex-ministro jamais diz quais dados o levam a projetar o cenário em que a epidemia estará acabada em junho. Contrasta com essa informação as notícias de que os países asiáticos, que enfrentaram primeiro o coronavírus no mundo, estão preocupados e se preparando para uma segunda onda.

No final de março, as autoridades da Itália de fato afirmaram que acreditam que o País atingiu o pico da crise e, em breve, a curva de casos passará a cair lentamente. Mas isso não significa que eles vão afrouxar as medidas de restrição social. Silvio Brusaferro, do Instituto Superior de Saúde italiano, disse que serão muito “cautelosos” porque o fim da quarentena pode retomar o crescimento de casos.

8 – Suécia só isolou grupo de risco e já atingiu o pico de casos.

“Olha a Suécia, a Suécia está começando a cair [a curva de novos casos]”, diz o ministro no vídeo que em afirma que o país tem 5568 casos e 390 mortes, segundo dados de 3 de abril.

Hoje, três dias depois, a Suécia já tem mais de 7,2 mil casos e 477 mortes, e nenhum motivo para ver esses dados caírem, pois, de fato, não tomou medidas duras de restrição social contra o coronavírus desde o começo.

A Suécia é outro País usado pelo ex-ministro de maneira curiosa, porque lá o debate é justamente sobre aumentar as medidas de mitigação, o que vem ocorrendo lentamente nos últimos dias.

Uma das última decisões, por exemplo, foi impedir eventos públicos com mais de 50 pessoas. Ainda assim, a comunidade científica aponta que o País – único entre os vizinhos nórdicos a relaxar em meio à pandemia – precisa fazer mais diante da explosão de casos, sobretudo em Estocolmo, que já precisa de hospitais de campanha.

9 – Oxford mostra que metade do Reino Unido está contaminado, logo, a quarentena não adianta.

“No Reino Unido metade da população está contaminada. Oxford mostra isso. Já está chegando no efeito rebanho e começa a cair. Não é com a quarentena que estão fazendo isso. Depois que fizeram quarentena, subiu mais ainda [o volume de casos] e a curva do Reino Unido não está achatada.”

O estudo de Oxford que Osmar Terra cita em vídeos, Twitter e também em artigo publicado na Folha de S. Paulo nesta segunda (6) não foi submetido a nenhuma avaliação. E, para a infelicidade do ministro, tampouco seus idealizadores defendem o fim da quarentena.

O que a pesquisa fez foi “supor” qual o comportamento do coronavírus, para levantar a tese de que ele já contaminou, silenciosamente, boa parte da população no primeiro mês em que chegou ao Reino Unido. Com base nessa suposição, os pesquisadores apontam necessidade de fazer testes em massa nas próximas semanas, para descobrir se a população adquiriu a imunidade de rebanho aventada.

E, para finalizar, uma das autoras do estudo “reluta em criticar o governo [do Reino Unido] por decretar uma quarentena nacional a fim de conter a difusão do vírus, porque a precisão do modelo de Oxford ainda não foi confirmada e, mesmo que ele esteja correto, o distanciamento social reduzirá o número de pessoas que adoecerão seriamente e aliviará a pressão severa sobre o Serviço Nacional de Saúde.”

10 – Coréia do Sul não fez quarentena forçada.

“O que a Coreia fez foi muito simples, isolou os grupos de risco e testou em massa. Não fechou nem fez quarentena forçada de ninguém.”

A Coreia do Sul fez uma política acirrada de identificação, isolamento e vigilância dos casos de coronavírus que entraram por aeroportos. Somada à testagem em massa (uma capacidade que nem todo país tem) e imposição de quarentena aos grupos de riscos identificados nesse processo.

Para aqueles que puderam continuar transitando nas ruas, a recomendação foi de uso de máscaras. As pessoas também recebem mensagens no celular diariamente, com os dados do monitoramento do vírus por geolocalização, e sabem quando e onde estarão mais expostos à doença. Os transportes públicos também passam por higienização constante. Ao contrário do que o ministro faz parecer, os coreanos não seguiram a vida normalmente, como se não houvesse vírus por aí. A rotina de contenção sanitária é intensa.

Desde o dia 21 de março, para conter a ameaça de uma segunda onda, a Coreia do Sul também fechou “instalações de alto risco” e proibiu reuniões religiosas, esportivas e de entretenimento. Está de olho em asilos e outros focos de contaminação. Aumentou a multa para quem fura o isolamento sendo COVID-19 positivo, agora em R$ 42 mil. E vai estender as recomendações de isolamento por mais duas semanas, já que as autoridades observaram que em fevereiro, a população ficou mais em casa e, agora, o movimento aumentou em 20%.

11 – Isolar idosos é o método correto e há exemplos.

“(…) defendo priorizar e reforçar a proteção dos grupos de maior risco de contágio: idosos e doentes crônicos, como fazem os países com melhor resultado, como Coreia do Sul, Japão, Israel e Suécia. E complementar aplicando o maior uso de testes”, escreveu Terra no artigo na Folha.

Como já mostrado acima, Coreia do Sul e Suécia estão endurecendo medidas de mitigação contra o coronavírus.

O Japão pode ter desenvolvimento um ritmo mais lento no começo da pandemia, mas o cenário começa a mudar. Embora algumas escolas onde houve registro de coronavírus tenham fechado, comércios continuaram operando normalmente nas últimas semanas, e agora o País discute decretar emergência nacional. Tóquio, com mais casos, faz pressão pelo decreto e já pediu, no último final de semana, que a população faça “home office” e evite as saídas não indispensáveis.

A ideia é que o estado de emergência afete os lugares onde há mais casos de COVID-19, e não todo território nacional. Porém, a partir disso, os governadores “poderão solicitar aos moradores que permaneçam em suas casas e aos comércios não essenciais que suspendam suas atividades”.

Assim como na Suécia, o sistema no Japão será baseado na “disciplina” ou colaboração cidadã, sem intenção de impor quarentena obrigatória e multas para quem fura as recomendações.

De um lado, especialistas dizem que o Japão tem controlado relativamente bem sua epidemia de coronavírus, considerando a proximidade com a China, porque tem hábitos de higiene que dificultam a transmissão da doença. Uso de máscaras por civis é praticamente mandatório. Beijos e apertos de mão não são usados pela população em geral e os estabelecimentos têm desinfetantes e álcool em gel disponíveis usualmente.

Por outro lado, há questionamentos sobre a veracidade dos números oficiais divulgados, e considerações sobre o fato do Japão não fazer testes em massa, o que impactaria no número de casos confirmados.

Em Israel, já há notícias de revolta da população com as autoridades do País, que começaram a decretar o isolamento rigoroso dos locais mais contaminados.