O Conversa Afiada reproduz o Edu, do Blog da Cidadania:
Passei o dia de ontem no Caic D. Pedro, em São José dos Campos – um centro esportivo transformado em depósito de gente. Meu trabalho – e das outras 91 pessoas (43 de São Paulo e o resto do interior) que integraram a força-tarefa do Condepe – foi o de ouvir e registrar, em formulário específico, denúncias de violência e/ou danos materiais.
Apesar do muito que tenho a relatar, antes de mais nada tenho que fazer uma denúncia urgente pois as necessidades daquelas famílias não podem esperar. Entrevistei muitas pessoas, ouvi histórias absurdamente dolorosas, denúncias que me fizeram a alma ferver, vi cenas que jamais tirarei da cabeça, mas o que me preocupa, agora, é outra coisa.
A grande maioria dos que ouvi recebem o Bolsa Família. Todavia, o benefício tem um pré-requisito para quem tem filhos em idade escolar: eles têm que estar matriculados na escola. Ocorre que muitas pessoas não têm como matricular os filhos em escola alguma porque não sabem aonde irão morar e, além disso, não têm mais endereço para informar.
Algumas das famílias que entrevistei relatam que, por conta disso, tiveram o Bolsa Família bloqueado, pois, devido a toda aquela tensão que antecedeu a reintegração de posse do terreno em que viviam, acabaram não matriculando os filhos. E agora que estão amontoadas em depósitos de gente é que não têm nem como pensar nisso.
O governo federal, portanto, precisa liberar o pagamento do benefício para aquelas famílias mesmo que não tenham matriculado os filhos.
Essa medida tem que ser tomada já. A maioria daquelas pessoas foi demitida por ser do Pinheirinho, empresários de São José dos Campos se negam a contratar quem era de lá, então o Bolsa Família é a única fonte de renda para muitas das quase duas dezenas de pessoas que ouvi ao registrar denúncias.
Aliás, também vale relatar que as famílias foram avisadas de que terão que deixar os depósitos até a semana que vem, quando quem não conseguiu casa terá que ir para galpões que ficam à beira de rodovias, longe do comércio, sem qualquer serviço público, sendo que não têm como se locomover porque a maioria tem doentes, crianças de colo, idosos, pessoas de todas as idades com necessidades especiais, sem falar que a grande demanda por imóveis gerada por centenas de famílias desabrigadas inflacionou o mercado, tornando insuficientes os 500 reais que serão dados pelo governo.
De resto, foram mais de 500 denúncias de roubo ou destruição de patrimônio – pessoas expulsas, quando voltaram para buscar suas coisas, encontraram suas casas ainda de pé, mas vazias, queimadas ou esmagadas pelos tratores. Há também quase 20 denúncias de lesões corporais e ao menos dois desaparecimentos.
Detalhe: são denúncias com nome e assinatura dos denunciantes.
Não foi por outra razão que explodiu o desespero daquela gente durante audiência na Câmara Municipal de São José dos Campos, ontem à noite, quando as denúncias foram formalizadas. Quase ocorreu uma desgraça. O guarda da portaria da Câmara impediu um grupo de rapazes do Pinheirinho (todos negros, claro) de entrarem na Casa do povo. E ainda disse que gente como eles tinha que morar debaixo da ponte mesmo. Indignados e desesperados, meia dúzia de jovens invadiu a Câmara e perseguiu o guarda. Entrei no meio da confusão, junto com outros voluntários, e conseguimos impedir um linchamento.
Por pouco não acabamos agredidos, pois aqueles jovens estavam fora de si de tão desesperados e indignados. Mas conseguimos que nos ouvissem, sobretudo quando lhes disse que se cometessem aquele erro estariam dando razão aos seus algozes.
Quem pode culpá-los? Perderam seus bens, suas casas, seus empregos, suas dignidades e, agora, algumas famílias também perderam o Bolsa… Família. Por isso, presidenta Dilma Rousseff, rogo, por tudo que é mais sagrado, que seja ágil ao liberar o benefício para as famílias do Pinheirinho, com ou sem matrícula.