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Movimento negro pressiona Mercadante diante de Dilma

Dilma só veio a saber das lutas de resistência dos negros na pós-graduação
publicado 22/07/2013
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Na última sexta-feira (19), a presidenta Dilma Rousseff recebeu no Palácio do Planalto 21 entidades do movimento negro de todo o País.

Participaram do encontro o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho e a ministra Luíza Bairros, Chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

Na pauta dos movimento constam as Leis 10.639/2003 e 11.645/08, que introduzem o estudo de História africana e dos movimentos negros no currículo escolar das crianças e adolescentes brasileiros.

Os movimentos também pedem a demarcação de terras quilombolas. Segundo o movimento negro, há hoje quase 5 mil comunidades quilombolas, onde vivem aproximadamente 8 milhões de pessoas.

Eles pedem ainda uma reforma política, que torne possível aumentar a representatividade dos negros no poder, e a regulamentação da mídia para evitar a fixação de estereótipos do negro.

A presidenta se manifestou contra a redução da maioridade penal e ordenou a criação de uma comissão especial interministerial para estudar soluções para o chamado “genocídio da juventude negra”, que ocorre, principalmente, nas periferias brasileiras.

Paulo Henrique Amorim entrevistou nessa segunda-feira (22) o historiador Marcos Rezende, 38 anos, do Coletivo de Entidades Negras, presente à reunião com a Presidenta.

Leia abaixo integra da entrevista, que também está disponível em áudio.

1 – PHA: Marcos, o que vocês foram discutir com a presidenta da República?


Marcos Rezende: O movimento negro se reuniu, tem uns 15 dias, com a ministra Luíza Bairros, e debateu sobre os pontos de maior importância para o povo negro nesse momento da sociedade brasileira.


E esses pontos para nós são: a criação imediata de um plano nacional de combate à intolerância religiosa; a implementação da lei 10.639/2003, que torna obrigatória o estudo da África em todos os estabelecimentos de ensino do País; a questão do reconhecimento das terras quilombolas, e a titulação dessas terras; o marco regulatório da comunicação e da mídia no Brasil; acesso com qualidade aos serviços de saúde; a regulação e o fortalecimento do programa de defesa à testemunha e de defesa dos Direitos Humanos; e a reforma política.
Esses são pontos fundamentais, assim como a questão do genocídio da juventude negra.


2 – PHA: O que você define como genocídio da juventude negra?

Marcos Rezende: O governo brasileiro, por mais que tenha tentado fazer ações para a melhoria de qualidade de vida da população negra - apesar da criação das cotas, da regulação de terras quilombolas, assim como outros programas que nos atingem - nós percebemos que no campo da segurança pública a juventude negra, cada vez mais, tem sido morta no cotidiano das nossas cidades.

Os últimos dados do Instituto SANGARI, que revelam os dados da violência no Brasil, mostram que, nos últimos dez anos, as mortes de jovens brancos tem se reduzido de forma considerável.

Enquanto isso, as mortes de jovens negros aumentaram 78%, em dez anos.

E foi por conta disso que o Governo Federal lançou o programa ''Juventude Viva'', justamente para encontrar ações que mudem esse quadro de mortes entre a juventude negra.

Entretanto, esse plano ainda não saiu do papel de forma concreta.

Só há um plano piloto em Alagoas, que não atingiu os rincões do Brasil, e nem chegou aos grandes centros, onde a violência é muito grande.


3 – PHA: A que ministério está subordinado esse programa ''Juventude Viva''?

Marcos Rezende: Ele está ligado à Secretária Nacional da Juventude e à Secretaria-geral da Presidência da República, do ministro Gilberto Carvalho.

4 – PHA: Por que vocês lutam por uma reforma política.


Marcos Rezende: Nós lutamos pela reforma política porque em um estudo feito pela UNEGRO, que é uma entidade nacional do movimento negro, chegou-se à constatação de que, no Senado, nós só temos 2 senadores que se auto-identificam como negros, ou seja, em um universo de 81 senadores só dois dizem: eu sou negro.

No Congresso Nacional, nós temos menos de 15% dos deputados que se auto-identificam negros.

Segundo os últimos dados do IBGE, se nós temos 51% da população brasileira que se autodetermina negra, há uma sub-representação do negro nos espaços de poder político.

Nós precisamos fazer uma reforma política que possa contemplar essa diversidade no nosso País. Se não, vai continuar a existir esse desequilíbrio nas pautas.


5 – PHA: E por que a regulamentação da mídia?

Marcos Rezende: Nós temos programas de televisão, por exemplo, que são completamente sensacionalistas; que tem uma base criminalizante; que alimentam inclusive invasões às residências; carceragens; que reforçam as imagens depreciativas das pessoas, e essas pessoas, em sua maioria, são negras.

Além disso, nós temos que combater também esse monopólio dos meios de comunicação, que ficam nas mãos de grandes empresários e não garantem a diversidade nacional necessária no setor da comunicação.

Se não houver, de fato, uma agenda que envolva o Ministério das Comunicações, o Ministério da Justiça e a Secretária Políticas de Promoção da Igualdade Racial, nós continuaremos a criar uma comunicação que não condiz com a realidade da sociedade brasileira.


6 – PHA: Agora vamos volta para o encontro com a Presidenta Dilma Rousseff, na última sexta-feira. O que a Presidenta disse sobre essa pauta de revindicações ?

Marcos Rezende: Ela reconhecia que o racismo no Brasil é tão grande que, até ela só soube da luta e da resistência do povo negro quando estava fazendo pós-graduação.

Porque, na universidade, ela não teve nenhum tipo de acesso ao que representava a questão dos quilombos, ao que representavam as revoltas como dos Malês,e a revolta dos Búzios.

Ela comprovou que nós temos uma educação deficitária no que diz respeito às lutas e às tradições negras.

Ela também fez uma análise de que, apesar dos avanços dos últimos dez anos, ela percebe que, quanto mais você garante direitos, é lógico, que a população vai querer mais direitos.

Por mais que esses 30 milhões de brasileiros tenham saído da linha da pobreza - em sua maioria negros - é claro que essa população precisa de muito mais.

Nós percebemos que uma parcela significativa da população brasileira – e ela também colocou isso – são quase 8 milhões de pessoas, que vivem nesses campos, que são áreas quilombolas, precisam de seu reconhecimento, a sua tranquilidade sobre a terra.

A Presidenta apoia essa luta. Entretanto, é preciso ter modos de trabalhar essas questões para que não ocorra a judicialização desses processos, como tem havido.



7 – PHA: São 8 milhões de quilombolas, Marcos?

Marcos Rezende: Os estudos da Fundação Palmares mostram que há  3mil 500 quilombos no Brasil. Já de acordo com a CONAQ, Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas, já são mais de 4 mil 700 comunidades quilombolas totalizando quase 8 milhões de pessoas.

São 8 milhões de pessoas que, muitas vezes, são tratados como sem-terra, ou como retirante rural, ou como uma pessoa que trabalha nesses lugares mais afastados, mas que, na verdade,  são quilombolas.

Pessoas que não tem garantia à terra, que não tem acesso à Educação, que muitas vezes não tem  acesso básico ao saneamento.

O governo Lula fez um programa chamado ''Brasil Quilombola'', mas hoje, devido a forte atuação da bancada ruralista que, inclusive, tenta fazer com que o reconhecimento de terras quilombolas seja levado para o Congresso e não se mantenha nas mãos do Executivo, justamente para emperrar  ainda mais esses processos.

A reforma agrária para a comunidade negra pode trazer um equilíbrio para o País. E mudar um pouco a cara desse País onde existe ainda uma das maiores desigualdades entre ricos e pobres do planeta.


8 – PHA: Marcos, a Presidenta se comprometeu a fazer o quê?

Marcos Rezende: Ela se comprometeu a fazer algumas ações que são muito importantes para a comunidade negra.

Uma delas é justamente a permanência nas mãos do Executivo essa questão da demarcação de terras quilombolas.

E também agilizar o reconhecimento dessas terras sem que a questão cai na judicialização, porque ai o governo decide e depois fica 10, 20 anos na Justiça.

Outra coisa que a Presidenta garantiu é que ela colocará todo o seu esforço para garantir as cotas para negros nos concursos públicos federais. Ela apoia as cotas nos concursos públicos.

Também tem um compromisso da Presidenta Dilma com relação à juventude negra.

Imediatamente, ela pediu que a ministra Luíza Bairros,  com a ministra Maria do Rosário, criasse um campo para discutir isso de forma mais enfática, porque ela reconhece que o Brasil tem falhado nessas questões, e que é preciso dar uma resposta melhor à sociedade.

Ela também se comprometeu a abrir uma série de diálogos com vários ministros.

Por exemplo, com um dos que estavam presentes, o ministro Aloizio Mercadante, que já marcou para sexta-feira agora, uma nova reunião com os representantes do movimento negro para abrir todas as ações do Ministério da Educação, porque muitos das ações do Ministério acabam sendo dirigidas  à comunidade negra, mas não nos atingem.

Por exemplo, um programa que existe para que professores brasileiros possam fazer trocas de experiência e conhecimentos e tecnologias no continente africanos.

Entretanto, esses programas acabam atingindo pessoas que não tem compromisso com a nossa História.

São pessoas que estudam a comunidade negra, mas que não são negras no seu cotidiano, e que, como são pessoas que tem uma formação mais ampla no sentido de falar português, francês, acabam ocupando esse espaço que professores da comunidade negra acabam não conseguindo ocupar.



9 – PHA: E com relação à introdução da Historia da África nos currículos brasileiros?

Marcos Rezende: Esse é um debate muito espinhoso. Por isso, o ministro Aloízio Mercadante foi um dos mais pressionados na reunião, tentando explicar o que o Ministério está fazendo.

Nós acreditamos que esse é um marco revolucionário.

A lei 10.639, que torna obrigatória o ensino de História da África em todos os níveis de Educação, foi a primeira lei criada pelo presidente Lula, em 2003, o que mostra o compromisso do presidente com essas questões raciais.


10 – PHA: E até hoje não entrou em vigor?

Marcos Rezende: Entrou em vigor, mas a forma como ela é colocada pelo ministério da Educação e como ela é a aplicada na escola é deficitária.

O Ministério não investe o suficiente para preparar o professor nesse sentido.

Ela acaba sendo aplicada de forma festiva, no Dia do Folclore, ou no dia 20 de novembro, da Consciência Negra.

Enquanto, na verdade, a ideia é aplicar em todas as disciplinas pertinentes - História, Sociologia, Matemática, Português - as contribuições do povo africano. E não como uma fração de um único momento, o que acaba folclorizando nossas lutas.

Temos também outra dificuldade na implementação dessa lei, por conta de uma visão fundamentalista de que essa lei tem muito a ver com as religiões de matriz africana.

Então,  o debate com o Ministro é criar um processo em que a lei aconteça na prática, e que as escolas a apliquem. Aí, muitos olhares racistas que acontecem no nosso país vão acabar, porque os jovens vão mudar isso.

O Ministro até disse que as cotas estão mudando a cara das universidades brasileiras, mas nas escolas de ensino fundamental e médio a situação ainda é ainda crítica para a comunidade negra.


11 – PHA: O ministro Mercadante mostrou sensibilidade diante essa reivindicação?

Marcos Rezende: Olha, tem uma coisa que o movimento negro diz muito: sensibilidade com a nossa causa as pessoas sempre tem.

Tem uma campanha que nós fizemos chamada “Onde Você Guarda Seu Racismo” , onde nós fazíamos duas perguntas:

“Você acredita que existe racismo no Brasil?”

E 87% dos entrevistados respondiam que existia.

A segunda pergunta era: “Você já cometeu um ato racista ou presenciou isso com alguém?”

Apenas 13% das pessoas disseram que sim, ''eu cometi'', ''eu conheço alguém''.

Ou seja, sensibilidade todo mundo tem, mas colocar em prática é o grande X da questão.

Nesses dois anos e meio não aconteceu muita coisa, mas nós queremos acreditar que o Ministro Mercadante possa alterar seu comportamento com as comunidades negras, porque isso não é importante apenas para uma pequena parcela da população.


12 – PHA: Qual a posição da Presidenta com relação, especificamente, à questão da introdução de História da África nos currículos escolares?

Marcos Rezende: A presidente concorda. Prontamente ela solicitou ao ministro Mercadante – que estava presente na reunião – que explicasse aos representantes o que estava acontecendo. E disse que precisava de agilidade.

A Presidenta se posicionou de forma bastante propositiva. E solicitou uma explicação do Ministro, ali, na frente de todos, naquele exato momento. Solicitou também a realização de um novo encontro com o ministro, para que ele dê conta dessas demandas.

13 – PHA: E ela estará presente?

Marcos Rezende: Nesse segundo momento, na sexta-feira próxima, ela não estará presente mas ela disse que depois quer ser informada.

Porque, o que a aconteceu? Foi marcada reunião com o ministro Aloizio Mercadante; outra com o Ministro das Comunicações; com o Ministro das Relações Exteriores, sobre o comércio Sul/Sul; e com a Ministra Maria do Rosário.

Nós vamos debater com todos esses ministérios e depois vamos encaminhar o resultado disso à presidente Dilma.


14 – PHA: O ministro Paulo Bernardo já marcou a reunião?

Marcos Rezende: Não, inclusive, ele não estava nem presente na reunião com a presidente Dilma.

Mas nós esperamos ansiosamente por essa reunião com o ministro Comunicações. Porque uma das coisas fundamentais para mudar a atual situação do povo negro no Brasil é mudar a cara da comunicação no Brasil. Ela tem que ter novas caras, com novos atores, que representem esses 51% da população que muitas vezes é inferiorizada (nos meios de comunicação). 



Clique aqui para ouvir a entrevista.

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Marcos-Rezende.mp3 por redacao — última modificação 22/07/2013 17h08