Serra, “um misto de zumbi e kamikaze”
O Conversa Afiada reproduz, através do Tijolaço, análise de Antonio Lassance, da Carta Maior, sobre a disputa interna do PSDB no processo sucessório.
Serra, “um misto de zumbi e kamikaze”
Reproduzo, da Carta Maior, a excelente análise de Antonio Lassance sobre a disputa – talvez fosse adequada uma palavra mais forte – interna do PSDB no processo sucessório.
O resultado, o interno, é a supremacia de Aécio Neves e a exclusão, na prática, de José Serra de qualquer posição dirigente no partido. Serra – desfilie-se ou não, canditate-se ou não pelo PPS de Roberto Freire, é passado no PSDB.
Mas o resultado externo está longe de ser uma vitória para o senador mineiro. Sua candidatura sai menor, porque mais fraca em São Paulo, dono de um quarto dos votos brasileiros.
A análise-narrativa de Lassance é essencial para saber como o ninho tucano chega a véspera da eleição presidencial.
Tarde demais para voltar atrás
Antonio Lassance
O muro, que tantas vezes serviu de metáfora para os tucanos, funciona como nunca enquanto representação de um partido emparedado.
Seu candidato preferencial, Aécio Neves, não deslancha nas pesquisas. Ao contrário, recuou. Sua primeira estratégia naufragou e ele corre contra o tempo para aprumar-se. Com a mística mineira de que come quieto, pelas beiradas, e de que devagar se vai mais longe, Aécio tratou de sua candidatura como se tivesse todo o tempo do mundo. Foi engolido pelos acontecimentos.
Em 2012, articulou dentro do PSDB para que recebesse apoios firmes e tivesse seu nome aventado como a bola da vez. Em seguida, em fevereiro de 2013, fez um discurso de candidato ao qual a velha mídia só não deu mais destaque porque o conteúdo era fraco, e sua oratória, sofrível. Em maio, foi eleito presidente do Partido, forma de insuflar sua evidência nacional e estreitar os laços com os diretórios regionais. Finalmente, em agosto, recebeu o apoio dos presidentes dos 27 diretórios estaduais. Cada evento dessa natureza foi organizado para consolidar Aécio como a opção incontestável do PSDB para 2014. No entanto, quanto mais reafirmam o senador como “o” candidato, menos seguros os tucanos estão de que fizeram a escolha acertada. A única certeza é a de que é tarde para voltar atrás.
Quando parecia que tinha tudo para se aproximar dos 20% de preferência dos eleitores, vieram as manifestações de junho. Entre julho e agosto, suas intenções de voto caíram perigosamente para próximo da linha dos 10%.
O partido que tanto esperou por outras candidaturas para favorecer as chances de um segundo turno corre o risco de, se houver, não ser convidado para a festa. A torcida para que Marina e Eduardo Campos entrassem no páreo agora vem misturada com o frio na barriga de que a Rede e o PSB lhe roubem a maior parte dos votos que não irão para o PT.
Para piorar, José Serra, seu arquirrival, apareceu melhor pontuado nas últimas pesquisas. Eterno candidato, Serra mostrou que tem bom “recall” (é bem lembrado), embora também seja dono da maior de todas as rejeições (é extremamente mal lembrado).
Serra apresenta suas armas
Misto de zumbi e kamikaze, a candidatura Serra é um espectro que ronda o PSDB a cada quatro anos e permanece como um de seus grandes problemas.
A guerra travada nos bastidores contra Aécio Neves é bem maior que a troca de farpas que circula pela imprensa. Enquanto muitos dos analistas se debruçam mais sobre os golpes abaixo da linha de cintura, as verdadeiras batalhas tiveram como cenário não só as hostes tucanas. As disputas mais encarniçadas e ferozes se deram pelo apoio de outros partidos, como o PSD, o PPS, o PMN e o DEM.
Serra estava recolhido, desde o início do ano, diante não apenas da costura partidária pavimentada por Aécio. Havia uma restrição importante à sua candidatura por parte dos grandes financiadores de campanha, mais exatamente, dos bancos. Sondados desde o final de 2012, eles responderam que o mais importante critério para o apoio concentrado de oposição a Dilma era o de arranjar um nome realmente competitivo. A rejeição no eleitorado e o histórico de derrotas pesaram contra o velho postulante de sempre. Hoje, a ascensão de Marina e o fato de ela ter se cercado de interlocutores da cozinha do sistema financeiro privado criaram um compasso de espera entre os grandes financiadores. Enquanto Serra foi imediatamente preterido, o ímpeto pela campanha de Aécio também sofreu um refluxo.
A prioridade de Aécio vinha sendo a de desbastar arestas internas e dar coesão ao PSDB nos estados. Serra, por sua vez, saiu a campo com a estratégia de mostrar-se mais competitivo por sua capacidade de atrair apoio de outros partidos. Aécio partia apenas da fidelidade canina do DEM em quase todas as campanhas presidenciais do PSDB (à exceção da de 2002) e da sinalização de apoio de Paulinho da Força, com seu partido em gestação, o Solidariedade, que, pelo andar da carruagem, deve nascer nanico, bem abaixo do peso declarado por seu progenitor.
Serra foi para cima do PSD, do PPS e do PMN. Rapidamente conseguiu uma simulação de neutralidade do PSD em relação ao governo Dilma. Depois, ganhou de presente de Gilberto Kassab uma declaração de compromisso, segundo a qual, fosse Serra candidato, Kassab se sentiria na obrigação de apoiá-lo. O presidente do PSD pôde retribuir e agradar aquele que foi responsável por tê-lo guindado à prefeitura sem ter que apoiá-lo ao final. Julgava remota, como de fato é, a chance de ver Serra candidato.
Em seguida, Serra acionou Roberto Freire (PPS-SP) para dar andamento à ideia de fusão do PPS com o PMN, que levaria à criação do MD (Mobilização Democrática). Freire em momento algum escondeu que o movimento estava sendo feito patrocinado por Serra.
FHC assume o comando
A certa altura, Serra não apenas rivalizava com as intenções espontâneas de Aécio como se mostrava mais apto a conquistar, com outros partidos, mais tempo de TV e rádio para os tucanos. Teria assim uma candidatura mais robusta que a de Aécio. O laço final do embrulho foi a ameaça de abandonar o partido e fazer carreira solo, o que o trouxe definitivamente de volta ao jogo. A ofensiva assustou Aécio e forçou sua reação. Conseguiu, do DEM e do PPS, a garantia de que, se conseguisse unir o PSDB e demover Serra da tentativa de ser candidato, contaria com o apoio desses dois partidos.
Mais importante, convenceu FHC a agir de modo mais ostensivo a seu favor. Usou, para isso, dois argumentos que soavam como música aos ouvidos do ex-presidente. Primeiro, o de que FHC era a única pessoa capaz de unir o PSDB em torno de um só candidato. Aécio se apresentava com a proposta de ser, antes de uma candidatura do PSDB, uma candidatura de FHC. Estava ali o ex-presidente diante de alguém que lhe rogava ser transformado em sua criatura. Em troca, Aécio se comprometia a resgatar a imagem desgastada da presidência FHC, defendendo-a sem constrangimentos. Era tudo o que FHC gostaria de ouvir e de ver acontecer em uma nova campanha do PSDB, sepultando de vez as experiências de 2002, 2006 e 2010, quando seus 8 anos de governo foram renegados por Serra e Alckmin.
Ao invés de uma candidatura com vergonha de defendê-lo, finalmente aparecia um candidato sem vergonha de ser privatista, contracionista, pró-globalização, desregulamentador, gerencialista, enfim, alguém para fazer uma campanha com a cara e o legado de FHC. O discurso ainda viria a calhar na estratégia de recuperar o entusiasmo dos bancos no patrocínio à candidatura.
A operação desmonte da candidatura Serra
Sobre Alckmin, a pressão veio no sentido de disseminar incertezas sobre sua reeleição em 2014. Afinal, o que garantiria que as articulações de Serra, embora a princípio mirassem a campanha presidencial, não fossem ao fim direcionadas para uma candidatura a governador contra o próprio Alckmin? A cizânia surtiu efeito rapidamente. Em março, Alckmin sacramentou seu apoio à eleição de Aécio como presidente do Partido. A única condição imposta foi: una o partido – ou seja, resolva o problema chamado José Serra.
A jogada seguinte de Aécio foi desmontar a operação de fusão do PPS com o PMN. O alvo central foi o PMN. Contra a negociação nacional para a fusão que criaria o Mobilização Democrática (MD), capitaneada por Freire, agiram dois pesos pesados. O próprio Aécio entrou em cena diretamente sobre o PMN mineiro, enquanto Alckmin atuou sobre o PMN paulista. Em ambos os casos, o PMN é inquilino do condomínio peessedebista dos governos de cada um desses estados. Entre trocar o certo pelo duvidoso, o PMN preferiu agir pragmaticamente. Calculou que valia mais a pena ser leal aos governos do que a uma pré-candidatura instável (Serra). Desfez seus acertos com o PPS alegando questões programáticas sobre reforma política e prioridade às bases municipais. Traduzindo: os governos aliados a Aécio cobriram a oferta de Serra e Freire e a ideia da MD se dissipou feito fumaça.
A sucessão de estocadas irritou Serra, mas também o enfraqueceu. A ameaça de sair do partido acabou posta sobre a prateleira, trocada pela insistência em realizar prévias. Alckmin foi o primeiro a manifestar-se favoravelmente à ideia. Não apenas para contemporizar com Serra, cuja presença no PSDB paulista é considerada intimidatória sobre o grupo alckmista. Depois que Serra dissera que certamente seria candidato “a alguma coisa” em 2014, Alckmin passou a ver as prévias como uma maneira de amarrá-lo ao PSDB, enterrando por completo qualquer ameaça à sua candidatura à reeleição do Governo do Estado. Aécio chegou a cogitar que as prévias ocorressem depois de 5 de outubro, tirando a chance de Serra, se derrotado, mudar de partido. A proposta carimbaria a desconfiança contra Serra dentro do próprio PSDB.
No capítulo mais recente da novela, FHC deixou de fazer o papel de bombeiro e preferiu incinerar de vez as pretensões serristas. Em entrevista ao jornal Valor Econômico (26/8/2013), foi duro com Serra e fez uma defesa enfática da candidatura de Aécio. Disse que era muito difícil que ocorressem prévias e afirmou que “a imensa maioria do PSDB quer Aécio”. Foi além ao dizer que Serra era um “ser racional”, que deveria ser realista e que seu palpite era de que ele fica no PSDB. Para bom entendedor, FHC acusou Serra de estar blefando.
O recado, dado em alto e bom som, era o de que aquela pré-candidatura estava isolada e esvaziada dentro e fora do PSDB. Se saísse do partido, sairia sozinho, abandonado inclusive por seus aliados mais próximos, como o senador Aloysio Nunes Ferreira.
Em torno da construção da candidatura de Aécio, FHC reassumiu o comando estratégico do PSDB, inclusive sobre o programa para 2014. Foi ele um dos primeiros a arquitetar a candidatura de Aécio e, agora, era o responsável por jogar a pá de cal sobre Serra.
Xeque! Cabe a Serra a próxima jogada.
Enquanto isso, a pouco mais de um ano das eleições, Dilma tem uma dianteira de quase o triplo das intenções de voto em relação aos tucanos, que patinam na tentativa de sair da estaca zero.
Por: Fernando Brito