Brito: o PDT é de Taques, Pauzinho e Christovam
O Conversa Afiada reproduz post de Fernando Brito:
Uma dolorosa decisão, da qual nao posso mais fugir
Peço licença aos leitores para tratar de algo que me envolve pessoalmente, mas num blog, onde inevitavelmente a relação entre autor e leitor acaba por ser algo pessoal, julgo ser indispensável que o faça aqui, diante de todos, embora constrangido por falar na primeira pessoa.
Desde o início do ano já me decidira a sair do Ministério do Trabalho, onde era Chefe de Gabinete de Brizola Neto. O desgaste político já era imenso e, na longa vida, aprende-se que o afastamento é um imperativo para que as relações, de qualquer espécie, não envenenem e maculem o respeito, a consideração e a amizade pessoal.
Afinal, ele é alguém que vi passar, sob meus olhos, de um pequeno menino a um homem adulto, com ideias políticas que não lhe reduzem Brizola a um sobrenome.
Impediu-me de fazê-lo logo um infortúnio de saúde, que acabou por me colocar “de molho” e a cateterismos cardíacos. Assim que voltei, cuidei de minha demissão. Infelizmente, e pressentir não é saber, ela viria a ser publicada apenas dois dias antes de que o próprio Brizola Neto fosse, também, apeado do Ministério.
A carta que publico a seguir, pronta desde antes disso, ficou guardada a pedido dele. De fato, não me cabia assumir uma postura pessoal que contrastasse com o silêncio a que ele próprio se obrigou, em nome de sua lealdade ao governo e ao projeto de mudança deste país.
Agora, porém, preciso deixar claro o que penso e porque me mantenho em silêncio sobre os acontecimentos envolvendo o PDT e o Ministério do Trabalho.
Por minha única e exclusiva decisão, creio necessário agora enviá-la e dela dar conhecimento aos meus amigos, inclusive os que me honram com a leitura deste Tijolaço. Talvez os medíocres e os idiotas creiam que o faço por Brizola Neto. Os que me conhecem sabem que, com o neto ou com o velho Leonel, só falo aquilo que eu próprio penso.
Tenho ficado e ficarei ausente deste assunto, em obséquio da isenção que procuro ter: não na política, mas no campo pessoal, onde não me movem ódios ou rancores, mas escolhas e opções.
Envio hoje, ainda com a mesma data em que foi escrita, a carta que transcrevo abaixo.
A Executiva Nacional do PDT,
Há exatos 30 anos, Leonel Brizola tomava posse como Governador do Rio de Janeiro. Era o início do fim da ditadura que, 18 anos antes, derrubara o Governo trabalhista de João Goulart.
Uma geração de jovens começava a compreender, ali o significado transformador do trabalhismo, ao qual nossas elites torciam os seus narizes udenistas.
Eu era um deles, vindo da militância sombria e triste da “esquerda convencional”, flutuando, maravilhado, no caudal popular daquilo que viriamos a chamar de “o processo social”.
Tive a sorte e o orgulho de ter estado presente em cada dia desta trajetória, das pequenas reuniões com eleitores, quando os 2% do Ibope teimavam em negar a paixão que Brizola despertara no Rio de Janeiro, até a tarde-noite dolorosa de sua morte, no Hospital Samaritano.
Com ele, tive a oportunidade de viver a História de meu país: no fim da ditadura, na campanha das diretas, nos enfrentamentos difíceis contra a farsa do Cruzado e da violência urbana e do seu permanente e corajoso enfrentamento com o império Globo.
Palmilhei, com ele, este país em 1989 e vi sua grandeza, ao ser-lhe tomada a chance de travar a grande luta de sua vida, de formar ao lado de Lula, transferindo-lhe o bastão eleitoral ali e, sobretudo, todos os milhões de votos que havia recebido.
De igual forma, quando o oportunismo e as deformações políticas daqueles que Brizola havia tirado do nada para postos de Governo e projeção política começaram a descarnar o PDT, permaneci com ele. Não por um “brizolismo” subalterno ao “chefe”, mas porque aqueles movimentos iam na direção em que, basta olhar onde estão hoje seus líderes, na direção do conservadorismo e da fisiologia política.
Por tudo isso, sinto-me obrigado dividir com vocês a tristeza e a repugnância em ver o nome Brizola, na figura de seu neto, sendo mastigado e devorado por aqueles a quem caberia, na direção do PDT, tratar não apenas com respeito pessoal, mas até mesmo com carinho e zelo o mais destacado entre os descendentes do grande líder que escolheram a política.
Brizola Neto não está sendo derrubado do Ministério do Trabalho por denúncias de irregularidades. Nem pelos deméritos que possa ter – e os teve – sua gestão, marcada, desde o início, pelo isolamento que as cúpulas partidárias e parlamentares lhe impuseram. Não sugeriram políticas, não ofereceram apoio, nem mesmo diálogo. Diziam que ele não representava o PDT, mesmo sendo neto e colaborador de Leonel Brizola .
Alguns chegavam a babujar de ódio, mas conservaram todas as posições obtidas no Ministério do Trabalho. Brizola Neto não os representava, mas os seus afilhados eram intocáveis e ai dele se os substituísse.
Por isso, as políticas que queríamos e poderíamos implementar morriam à míngua de um massacre que não se podia romper, sem que isso afetasse gravemente a base de sustentação ao governo que integrávamos. E por nada o faríamos, pelo que ele representa para o povo brasileiro.
Mas isso ainda era pouco. Era preciso pressionar e constranger a Presidenta da República, que tinha cometido a suprema heresia de escolhe-lo Ministro. E o método para isso foi cortejar pretensos candidatos de oposição ao governo, mesmo que este seja o primeiro governo que, meio século depois de Goulart, tenha voltado a elevar salários e defender o patrimônio nacional.
Foi para servir a um projeto assim que dediquei toda minha vida adulta.
Não, certamente, para servir-me disso. Por isso, deixei o cargo de Chefe de Gabinete do Ministério. Não estava ali por conveniência, mas por colaboração e não há em que pudesse continuar a colaborar, senão numa luta que destrói o PDT e esvazia o Ministério mais ligado ao trabalhador.
Saio de cabeça erguida, serena, não tendo praticado um gesto que desonre as boas práticas administrativas, políticas e éticas. A ninguém persegui ou desrespeitei, a nenhum companheiro e a nenhum servidor. Se acaso, a algum, por sobrecarga de trabalho, dei menos atenção do que deveria, peço que o releve.
Dói, depois de mais de 30 anos de militância, mas devo dizer não pertenço a um PDT que constrange, humilha e chantageia politicamente a ninguém, menos ainda a um Brizola.
Sou de outro PDT, aquele da rebeldia, do despojamento, dos que abrem mão de tudo, menos da honra e da dignidade e, jamais, do amor primordial ao Brasil e ao povo brasileiro.
Deste PDT obscuro, mesquinho, indigno, agarrado a poderes pessoais e grupistas, com meios que abomino, eu hoje me desfilio, por meio desta carta.
Deste, mas não daquele que foi o meu partido de 30 anos e continuará a ser para sempre: o PDT do trabalhismo, do brizolismo transbordante de paixão, da convicção de que o nacional e o popular jamais se separam e de que é o povo brasileiro a origem e a fonte de toda a riqueza e que dele devem ser, por isso, todos os frutos do trabalho e da natureza deste país magnífico.
Aos que ficam, desejo que consigam evitar que estas três letras tenham de ser rasgadas amanhã, como há décadas teve Brizola de fazer com a sigla PTB, porque delas se adonaram pessoas que, vindo das mesmas origens políticas, passaram, por conveniência, a viver do golpismo e, em nome de poder e posições, a cortejar os inimigos do povo brasileiro.
Os trinta e dois anos que passei sob essa bandeira só me deixam orgulho. Sobretudo o de, enquanto Brizola viveu, integrar a direção do partido que sob ela se reuniu. Três décadas me separam do rapaz que se lançou nessa fantástica aventura e, nelas, não recordo de um único arrependimento essencial.
A vida partidária deu-me muito: a coerência e o privilégio de ter vivido, ao lado de figura tão grande, as lutas do povo ao qual pertenço.
Brizola vive, sim, mas não em slogans e invocações vazias. Vive em gestos, em amor ao povo brasileiro e numa atitude de nunca fazer política para sua conveniência, mas pelo Brasil.
Vive na memória dos que não vão desistir nunca, senão quando este povo for livre e feliz.
Brasília, 12 de março de 2012
Fernando Brito
Em tempo: "Pauzinho", claro, é o Pauzinho do Dantas, que se envolveu na "Emenda do Tio Patinhas" - PHA