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Vaca pode tossir com o Congresso eleito

Empresários crescem e líderes sindicais somem no novo Congresso.
publicado 08/10/2014
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O Conversa Afiada reproduz entrevista feita por telefone nessa terça-feira (7/10):


PHA - Eu vou conversar com Antonio Augusto Queiroz, ele é do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, o DIAP, uma das instituições mais respeitadas no que concerne à análise do comportamento do Congresso Nacional. Toninho, minha primeira pergunta é: houve 47% de renovação na Câmara dos Deputados. Isso significa que ela ficou mais progressista ou mais conservadora?

Toninho do DIAP - Mais conservadora. A circulação que houve no poder trouxe para o Parlamento um grupo de novos parlamentares vinculados a segmentos altamente conservadores, como a bancada evangélica; pessoas da área de segurança, que tem,  como mentalidade, aquela de que "bandido bom é bandido morto"; o pessoal da bancada da bala, que vem com o objetivo de desmontar o Estatuto do Desarmamento; um grupo com uma visão muito provinciana, especialmente os parentes, que são eleitas em função do sobrenome, e não de uma proposta que tenha a defender.


De modo que é um Congresso conservador, por esses que chegam, e também em razão da pauta do momento, que, nessa eleição, se deu atenção à necessidade de se discutir temas de caráter religioso, como a união homoafetiva, temas como regulamentação da maconha, do aborto, e tudo isso vem com muita força e com a bancada conservadora muito comprometida em fazer esse enfrentamento.



PHA - E como você compararia o que aconteceu com os parlamentares que você poderia classificar, digamos, como empresários, ruralistas e sindicalistas? Quem ganhou e quem perdeu?

Toninho - A bancada sindical sofreu uma redução muito substantiva, e isso se deve em grande medida ao financiamento de campanha, que subiu a preços estratosféricos. E os sindicalistas, pela sua formação, não têm o hábito de procurar empresários para financiar a campanha. E, por isso, ele ficou prejudicado e a bancada empresarial, até mesmo em função do financiamento da campanha, tende a crescer em relação a atual, que já é muito substantiva. Então nós vamos ter, na Câmara, com certeza maioria absoluta (dos empresários em detrimento dos sindicalistas). E isso fará com que, dependendo de quem seja o próximo Presidente da República, haja ou não flexibilização ou redução dos direitos trabalhistas.



PHA - Em quanto cresceram os que você chamaria de empresários, Toninho?

Toninho - Na verdade, esse levantamento está em curso ainda, porque estamos analisando se o parlamentar tem ou não participação em empresa. Porque, nosso critério aqui é considerar empresário quem vive de renda. Então, o sujeito se declara advogado, médico, mas a gente também está analisando a composição da declaração de Imposto de Renda, que ele tem que fazer para a Receita Federal. Nós identificamos 189, mas a nossa estimativa é que passe de 270.



PHA - Isso seria uma aumento de quanto ? 20%, 30%?

Toninho - Na nossa estimativa fica muito próxima da atual, que é de 273. Mas a diferença fundamental é que na composição do Congresso atual não havia uma motivação mais objetiva dos empresários de flexibilizar direitos. Porque eles tinham, ainda, o que esperar do Governo Federal, especialmente em termos de desoneração e de incentivos fiscais e creditícios. Isso agora se esgotou. O Governo terá que fazer um ajuste. Então, certamente, a bancada empresarial se voltará para enfrentar a redução de direitos (do trabalhador), como forma de reduzir custos. Portanto, mais importante do que o próprio número (de empresários congressistas), que será muito próximo ou até maior, é o ambiente em que essa bancada se elege, e as suas prioridades.



PHA - Então quer dizer que nós teremos, provavelmente, cerca dos mesmos 280 parlamentares chamados empresários. Nesses 280 estão os ruralistas, os donos de fazenda?

Toninho - A bancada empresarial inclui a ruralista, porque ela sobrevive da sua atividade de produtor rural. Agora, a bancada ruralista tem um enfoque muito específico. Por exemplo, para a bancada empresarial, o tema da relação de trabalho e o tema da reforma tributária interessam a todos os empresários. Já quando vai se decompor a bancada do ponto de vista do agronegócio, dos interesses agrários, aí já há uma modificação. Nem todo empresário acompanha, por exemplo, o debate a respeito da reforma agrária. Então, há essa distinção. Mas, os que vivem de renda, de modo geral, estariam incluídos nessa bancada empresarial.



PHA - Então aquela frase que ficou famosa no primeiro turno, da Presidenta Dilma, de "nem que a vaca tussa" ela mexe em férias, 13º, Fundo de Garantia... você acha que isso tudo, com essa nova composição do Congresso, passa a ficar no alvo desse novo Congresso?

Toninho - Na verdade,  não havia nos períodos anteriores vontade no sentido de modificar as relações de trabalho. Quando houve a modificação da chamada "PJtização", ou seja, da substituição do empregado pela pessoa jurídica, o Lula vetou, naquela oportunidade. E o setor empresarial não conseguiu aprovar mais nenhum projeto no Congresso flexibilizando direito. (do trabalhador). Agora, acho que a CNI fez uma lista com 101 proposições, e que essa lista vai servir de pauta. E certamente os empresários terão número para aprovar no Congresso. Se for a Presidenta Dilma, ela pode vetar. E, agora, há uma alteração que é o seguinte: o voto é aberto para apreciação de vetos. Antes era difícil derrubar. Agora, com a pressão empresarial, ficou mais fácil. Então, o risco que se tem  em relação à supressão de direitos é muito grande. Se for o Aécio, pela identidade que ele tem com o setor empresarial e resgatando o legado o Fernando Henrique, que quase aprovou a flexibilização da CLT - o Lula é que retirou do Congresso - a tendência é que isso passe com facilidade.



PHA - E essa questão da terceirização, que a Marina chegou a propor, depois não propôs, depois propôs, ficou aquele impasse... essa questão da terceirização volta à agenda?

Toninho - Esse é o tema prioritário da reforma trabalhista em debate no Congresso. Ele voltará independentemente de quem seja eleito Presidente da República. Esse é um assunto, que na minha avaliação, é inexorável. Ele vai ser aprovado lá no Congresso e regulamentada a terceirização. A dúvida é com que intensidade será feito isso, se protegendo minimamente os direitos dos trabalhadores ou se precarizando completamente. Eu acho que na hipótese da eleição de Dilma, a tendência é que haja uma regulação com mais proteção (ao trabalhador). Já na hipótese do Aécio, não acredito que ele resista a uma medida que atenda mais aos interesses dos empresários.



PHA - É mais fácil se formar uma base aliada da Dilma, ou do Aécio?

Toninho - Muito mais fácil da Dilma, porque ela já parte de um patamar, da sua coligação, com 300 votos na Câmara e 40 no Senado. Enquanto o Aécio parte com 130 na Câmara e 20 no Senado. Então, o Aécio terá que fazer negociação com um grupo muito maior de partidos e, naturalmente, fazer muito mais concessões. Então, por exemplo, há aí um universo de partidos - como o PR, PP, PTB, etc - que está ali naquele meio e qualquer governante tem facilidade para cooptar, ou trazer para a sua base a apoio. O determinante nisso será o PMDB. Acho que o PMDB, num primeiro momento, na hipótese de uma eleição do Aécio, não iria para a sua base e ele teria muita dificuldade para fazer qualquer reforma em nível constitucional sem o apoio do PMDB, já que com PT e dos partidos de esquerda ele não contará.



PHA - Uma reforma política, com esse novo Congresso que está aí, vai ser possível?

Toninho - É praticamente impossível fazer uma reforma política profunda, com vigência para a próxima eleição, com um Congresso com 28 partidos. Eram 22 e agora são 28. E uma redução dos grandes partidos. O que acontece é que os temas que tem maior consenso na sociedade, como por exemplo, o fim das coligações nas eleições proporcionais, requer alteração do texto constitucional. Ora, esses pequenos e médios partidos tiveram a bancada que tiveram porque se coligaram. Não vão ser contra o fim da coligação. Não vão concordar.


Então, se o tema com maior índice de consenso não tem chance, imagine aqueles outros mais polêmicos, como o financiamento público, fechamento da lista etc. Então, não creio muito. Acho que só haverá reforma política no Brasil se houver, em primeiro lugar, o empenho forte do Poder Executivo. Segundo, pressão forte da sociedade. E, terceiro, se houver uma consulta popular, orientando o tipo de reforma a ser feita. Porque se for feita pelo atual Congresso certamente não estará em sintonia com o que as ruas defendem.



PHA - É o plebiscito, de que fala a Dilma Rousseff. Agora, você falou que o número de partidos passou de 22 para 28. Você acha possível governar com 28 partidos?

Toninho - É uma tarefa muito difícil. Requer do Governo muita habilidade. Vai ter que fazer muita concessão e, portanto, vai requerer do Presidente muita habilidade. Então, o Governo tem que estabelecer algumas premissas para não virar refém de determinados segmentos. E esses pequenos e médios partidos podem fazer blocos, com capacidade de bloquear e impedir que haja reforma. Tem que ter todo um trabalho de articulação. E isso vai requerer muito mais habilidade dos líderes do Governo e disposição do Governo para dialogar.



PHA - Com esse Congresso que está aí, com tantos empresários, aumentou a bancada da telecomunicação? O coronelismo eletrônico se instalou mais forte agora neste Congresso? Existe a possibilidade de ser aprovado um Marco para a Comunicação no Brasil?

Toninho - Eu acho que o setor de telecomunicação, o empresariado desse segmento, manteve ou mesmo ampliou a sua participação na atual e na futura Legislatura. Eu acho que a Presidenta Dilma, se for reeleita, tem a obrigação moral de enfrentar esse assunto. Não é possível que todos os setores da economia sejam regulados e esse setor da mídia não seja. Tem que ter liberdade plena para publicar, mas tem que responder pelo conteúdo, ter responsabilidade por aquilo que publica. E aí, se houver uma participação e uma iniciativa do Governo, o debate vai ser muito intenso. Agora, do ponto de vista de resultado, eu acho pouco provável que consiga (aprovar um marco) com o Congresso com essa conformação.



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