Política

Você está aqui: Página Inicial / Política / 2014 / 10 / 31 / PSDB quer trancar Dilma numa Guantánamo !

PSDB quer trancar Dilma numa Guantánamo !

Às favas com as urnas, dizem os tucanos !
publicado 31/10/2014
Comments

 


O Conversa Afiada reproduz artigo de Saul Leblon , extraído da Carta Maior:


O ministério da correlação de forças



A pretensão conservadora de isolar Dilma em uma Guantánamo institucional, e impedi-la de governar, não é uma miragem. São inequívocos os sinais dessa intenção.


por: Saul Leblon


A presidenta Dilma fará de seu novo ministério uma trincheira de competência técnica, mas também um instrumento de ação política para abortar cercos e superar flancos revelados antes e depois das urnas.


O PT, partidos aliados e movimentos sociais naturalmente serão contemplados: foi deles a responsabilidade pela candidatura vitoriosa em outubro.


Mas o setor empresarial também será incorporado.


A concessão de um governante vitorioso é uma lâmina de dois gumes.


Um deles fatia um pedaço do seu mandato para o mercado; o outro fatia um pedaço do mercado que os inconsoláveis pelotões do revanchismo querem perfilar na ordem unida do terceiro turno contra Dilma.


Quem serão os anfíbios nessa composição?


Aqueles com os quais é possível dialogar porque tem um grau de compreensão mais amplo do significado de um processo de desenvolvimento.


Ou seja, enxergam em um mercado interno pujante, com empregos, salários e direitos sociais a contrapartida indissociável de vendas, lucros e investimentos.


Um exemplo aleatório?


Luiza Trajano –dona da rede Magazine Luiza, a maior do Brasil.


Em janeiro deste ano a empresária soterrou em estatísticas  um gabola representante da secessão conservadora em debate na Globo News. ‘Poupe-me Luiza’, grunhiu o rapaz, Diogo Mainardi, já nas cordas, quase exangue, depois que a empresária ainda pediu seu email  para entupi-lo  com mais informações opostas à ignorância  exclamativa do interlocutor sobre a situação econômica do país.


Quando outros integrantes da mesa balbuciaram o risco de ‘bolhas’ em socorro ao nocauteado, a convidada ainda retrucou: “Como é possível falar em bolha? Nós precisaremos construir 23 milhões de moradias nos próximos anos do Minha Casa Minha Vida para que a população atinja um nível habitacional próximo ao dos países desenvolvidos. Como se pode falar em bolha? São 23 milhões de casas para 23 milhões de pessoas. (Gente) que mora hoje com o sogro, a sogra ou pagando 400 reais de aluguel por um cômodo. (Em habitação) não se pode esquecer que nós tivemos três décadas  perdidas (como bolha?)’


Não foi necessário contar até dez: o telespectador atestou o nocaute técnico com fraturas espalhadas por toda a credibilidade da bancada do Brasil aos cacos.


Exemplos como os de Luiza Trajano ou o do aventado  Luiz Trabuco Cappi –presidente de banco que pensa como a empresária, não por benemerência, mas de olho no avanço do crédito no país, podem ser acomodados em um governo de composição acossado pelo terceiro turno golpista, associado aos rentistas que preferem lucrar sem produzir.


Acercar-se de anteparos não antagônicos à construção de um desenvolvimento convergente é o que qualquer governante progressista sempre fez e fará, após renhida batalha eleitoral.


A pretensão conservadora de isolar Dilma em uma Guantánamo institucional, e impedi-la de governar, não é uma miragem.


As operações de assalto estão explícitas nas manchetes ressentidas das horas que correm, nos perdigotos expelidos de colunas sulfurosas e na rejeição da Câmara ao projeto que institui conselhos populares --organismos consultivos para o aperfeiçoamento dos programas sociais do governo.


São sinais do tipo: às favas as urnas!


Reverter a escalada dos liberais que não se libertam jamais da UDN embutida nas veias, não se resolve com um ministério puro sangue.


É mais difícil que isso.


E é dessa dificuldade que deveriam cuidar prioritariamente o PT e os movimentos sociais.


Em vez de serem desmobilizados os recursos, as lideranças, as caravanas e as estruturas de coordenação destinadas à vitória nas urnas –como sempre se fez--   chegou a hora de fincar um divisor de águas.


Voltar às bases; organizar a sociedade; reatar o diálogo no campo da esquerda.


Para fazer diferente do que a frente única do conservadorismo apregoa para o Brasil nesse momento não basta lutar por nomes no ministério do novo governo.


Quanto vale um general sem exércitos?


O ministério mais importante hoje é aquele capaz de coordenar as linhas de passagem para um novo ciclo econômico repactuando metas, concessões, prazos, avanços e salvaguardas com o conjunto das forças sociais.


Esse ministério não fica em Brasília. Seu endereço: metabolismo do movimento social brasileiro, sem número, sem sede, sem articulação intersetorial, sem mídia abrangente, sem canais com a opinião pública, sem...


Se o campo progressista não  dispõe de força sequer para aprovar conselhos populares de natureza consultiva, que chance existe de vingar uma regulação da mídia, prevista aliás desde a Constituição de 1988 e nunca posta em prática? (Leia a análise de Venício Lima; nesta pág).


Mais que isso.


Quem adiciona coerência à macroeconomia do desenvolvimento é correlação de forças da sociedade em cada época.


O colapso neoliberal trouxe para o colo do governo uma crise da qual a Nação é vítima e não sócia; as forças progressistas são adversárias, não coautoras.


O nome da crise não é PT, não é Petrobrás, não é intervencionismo.


O nome da crise é a desenfreada ferocidade com que capitais especulativos impuseram um padrão global de taxa de retorno irreproduzível na economia sem níveis asiáticos de exploração da mão de obra.


O nome da crise é a ausência de instituições internacionais com poder de coordenação sobre essas matilhas   –e de contrapartidas locais de contenção na forma de controles efetivos sobre os fluxos de capitais.


É tudo isso que subtrai o chão firme de governos progressistas nas diferentes  latitudes econômicas.


No Brasil com uma agravante, como mostram os acontecimentos nas horas que urgem.


O cerco conservador derrotado nas urnas sentiu o cheiro das feridas abertas no adversário. E decidiu emendar um terceiro turno de golpismo paraguaio, corroendo a vontade das urnas por dentro das instituições.


Nas páginas de economia martela-se a contrapartida macroeconômica do putsch  branco: o dirigismo (leia-se o pré-sal) e a gastança fiscal (leia-se o salário mínimo e os programas sociais) são incompatíveis com a necessária redução do juro para a retomada do investimento.


Em miúdos: para voltar a crescer o país precisa de algo que o governo reeleito é incapaz de propiciar, a menos que se renda incondicionalmente ao programa derrotado.


Um xeque-mate?


Não, pelo pequeno detalhe de que as urnas não sufragaram o que seria a pá de cal no projeto de construção de uma democracia social no Brasil.


Ao contrário, dobraram a aposta no caminho.


Não iludidas, não anestesiadas pela propaganda petista, como se dizia antes.


Mas amadurecidas após 12 anos e três sufrágios presidenciais na mesma direção, a ponto de 54,5 milhões resistirem à avalanche de criminalização e demonização do partido portador desse projeto.


É isso que impede o destape final do aluvião de arrocho armazenado no dique do conservadorismo.


Não é café pequeno, portanto, o confronto em marcha batida no país.


Tampouco é negligenciável o fato de que a negociação do quarto ciclo de governo progressista se dá sob a determinação de uma realidade mundial  pior  que a vigente em 2002, 2006 e mesmo em 2010.


A tese de que o Brasil é uma ilha de crise petista cercada de prosperidade neoliberal por todos os lados --da qual inadvertidamente o ‘intervencionismo apartou o país’, faz parte da fabulação criada para   engessar o novo governo.


O desempenho das exportações, por exemplo, tem sido decepcionante urbi et orbi. Da Alemanha de Merkel, aos EUA de Obama. E a Organização Mundial do Comércio (OMC) prevê que o oxigênio externo ficará ainda mais rarefeito.


A expansão prevista para o comércio mundial em 2015 recuou de 5,3% para 4%, sujeita a novos recortes; bancos brasileiros já trabalham com 3%, para menos.


A ideia genial dos armínios globais de arrochar o consumo interno e deslocar a oferta de cada economia para a demanda do vizinho colidiu com as leis da física.


Na medida em que todos pularam de cabeça no cocho alheio, a busca da  ração transformou-se em anemia coletiva.


Nesse ambiente entupido de produção sem demanda, com elevada capacidade ociosa na indústria, o mercado popular criado no Brasil nos últimos 10 anos (53 milhões de pessoas, que formam a 16ª economia do mundo, com credenciais para o G 20) representa um trunfo inestimável.  Mas a moeda valorizada há duas décadas fragiliza essa conquista, transformando-a em um aspirador de importações, com os efeitos depressivos na produção, no emprego e no investimento industrial.


Reverter esse flanco é crucial.


Não tanto para redimir as exportações, pelas razões expostas acima. Mas para preservar principal usina de produtividade da economia, sem a qual não haverá excedente econômico a negociar em uma sociedade que reclama novos saltos de qualidade de vida, renda e direitos.


A defesa da industrialização, portanto, é indissociável do projeto vitorioso nas urnas de outubro, que pressupõe a repactuação de uma matriz de crescimento ordenada pela justiça social.


Não será um processo isento de algum sacrifício programado, alerte-se. Negociado democraticamente, porém, disporá de salvaguardas associadas a um calendário de ganhos progressivos.


A composição do novo ministério da Presidenta Dilma é um pedaço dessa negociação.


Mas é só uma das múltiplas rodadas que vão se estender pelos próximos quatro anos, com uma peculiaridade: e Karl Marx redivivo sucedesse ao keynesiano Guido Mantega pouco espaço teria para colocar em prática suas convicções, diante da correlação de forças interna e internacional.


Modificá-las implica organizar a sociedade para que o resultado da urna se traduza em um poder efetivo de pressão nos embates à vista.


O estiolamento dessa referência organizada nos últimos anos talvez explique um pedaço significativo dos 48 milhões de votos obtidos pelo conservadorismo na disputa presidencial.


O ciclo progressista iniciado em 2003 libertou 60 milhões de brasileiros da calcificação  social .


Supunha-se que isso teria mudado a geografia política do país de forma irreversível nos marcos da legalidade. A quase derrota eleitoral em diferentes momentos da disputa presidencial de 2014 mostrou que essa mutação ademais de inconclusa no campo social é volátil na sua  inexistente organização política.


O que mais o PT tem a dizer a esse universo que ascendeu ao consumo e, sobretudo, como pretende que ele assuma o comando efetivo de seu destino rumo a uma cidadania plena?


Esse é o ministério que o campo progressista precisa ocupar com infatigável determinação no mais breve espaço de tempo: o ministério da mudança na correlação de forças e da hegemonia histórica na sociedade brasileira.


As urnas lhe deram quatro anos para isso.


Se falhar de novo, dificilmente haverá uma chance tão cedo outra vez.