Tarso Genro: sem Ley de Médios e reforma política, esquece!
O Conversa Afiada reproduz entrevista de Tarso Genro à Rede Brasil Atual:
Tarso: sem reforma política e regulação da mídia, democracia permanecerá 'bloqueada'
Governador do Rio Grande do Sul diz que foi derrotado pela despolitização, entende que PT deve buscar diálogo com setores que se afastaram pelo discurso moralista e se preocupa com rumos da classe média
São Paulo – Tarso Genro encerra em dois meses seu mandato no governo do Rio Grande do Sul. Nos planos para 2015 não está voltar a ocupar um ministério no governo federal. No Palácio das Hortênsias, em Canela, ele recebeu o Sul21 na última quinta-feira (30). “Eu sou um governador que foi derrotado na eleição, eu tenho que permanecer por um longo tempo tratando de defender o meu legado, aumentando a minha intervenção dentro do partido, dentro da esquerda liberal”, disse, em aparente tranquilidade sobre o futuro.
O advogado de São Borja, que cresceu em Santa Maria, já acumulava extenso currículo em cargos públicos quando se elegeu governador, em 2010, após duas tentativas fracassadas. Eleito para o Executivo gaúcho no primeiro turno no pleito passado, Tarso repetiu o feito de seus antecessores, derrotando a candidata à reeleição Yeda Crusius (PSDB). Em 2014, viu José Ivo Sartori (PMDB) ter destino semelhante ao sagrar-se governador, ainda que no segundo turno, mantendo a tradição gaúcha de não reeleger o mandatário.
Vestindo traje esportivo, Tarso tomava um mate com assessores antes do início da entrevista. Na mesa de centro, os jornais do dia ainda traziam repercussões do segundo turno, no fim de semana anterior. Dois dias antes, Dilma Rousseff havia sofrido sua primeira derrota no Congresso após o pleito. Para o governador, o sinal não é bom, mas tudo depende da forma como a presidenta conseguirá se articular com a sociedade. “Eu vejo até agora que os sinais não são bons. Parece que a direita mais conservadora está tutelando essa visão de terceiro turno. De querer tutelar o governo e dizer quais são os limites das reformas que têm de ser feitas.”
Na esteira da consolidação e do avanço das forças conservadoras democraticamente conduzidas na condição de maioria à próxima legislatura do Congresso, cabe à esquerda o desafio de repensar “um projeto humanista e libertário, com pontos mínimos de unidade”, dado do seu “deslocamento” das recentes transformações sociais verificadas no Brasil, especialmente no que tange ao comportamento ideológico da classe média. Repensar os desafios da esquerda é uma das tarefas que o governador se dispõe a cumprir, fazendo o que gosta muito de fazer. "Eu acho que essa recuperação seria importante para um revigoramento da esquerda brasileira. Eu pretendo atuar nesse rumo, vou atuar muito dentro do partido, mas não pretendo ficar cingido a debates intempestivos, a questões internas do partido e nem a sua lógica interna, que hoje está muito burocratizada", garantiu.
Como o senhor está enfrentando a derrota, depois de ter vencido em 2010, no primeiro turno, com mais de três milhões e 400 mil votos?
É difícil analisar uma eleição com essa diversidade rapidamente, a gente tem que analisar um conjunto de fatores: nacionais, fatores regionais e fatores partidários. Mas provisoriamente pode-se dizer o seguinte: o discurso político do meu adversário e o seu perfil político foi o perfil político adequado às expectativas que se formaram aqui no Rio Grande do Sul. Particularmente, desse um terço dos eleitores que às vezes se dividem ao meio, às vezes pendem para um lado ou para o outro, que foi a despolitização da disputa e a apresentação publicamente de um descompromisso com o futuro do Estado. Essa foi uma estratégia eleitoral muito bem montada, que se opôs a uma estratégia nossa mais racional, com propostas concretas, com uma visão concreta, e com o compromisso, com todos os riscos que isso envolve, de enfrentar as dificuldades do Estado, particularmente na questão da dívida. Então, eu acho que o perfil do meu adversário foi sedutor, principalmente para esses setores médios que estão hoje avessos à política, que foram contaminados por essa campanha antidemocrática contra os partidos, contra os políticos, e contra o Estado. Nesse sentido, ele deve ser inclusive parabenizado, porque encontrou o nicho adequado para ganhar a eleição. Provisoriamente, é isso que se pode dizer. O resto deve ser analisado de uma maneira mais processual.
O senhor acha que vinha ocorrendo uma movimentação social contrária aos partidos, apartidária, e que de alguma forma o seu opositor se aproveitou desse nicho? Acredita que a sociedade associe corrupção aos partidos políticos?
Eu não gostaria de colocar como se aproveitou, porque poderia parecer que eu o estaria acusando de oportunismo. Eu acho que isso é uma metodologia de fazer política hoje de um campo antipetista e antiesquerda, que substitui, de certa forma, o anticomunismo que existia na época da Guerra Fria. Você despolitizar a política é um ato profundamente político e tem precedentes históricos em relação a isso.
Talvez o precedente mais radical em relação a isso, que não pode servir, evidentemente, como comparação do meu adversário – que é uma pessoa centrista, que teve o apoio da direita – é aquela frase dita pelo Mussolini na Marcha sobre Roma: “A ação enterrou a filosofia”, ou seja, uma resposta pragmática, concreta e imediata, supera e dilui todas as questões políticas através de uma resposta simples.
E foi o que ele fez de maneira eficaz. Isso não quer dizer que meu adversário tenha tendências totalitárias ou fascistas, mas isso revela um método político que está hoje cristalizado na sociedade, através de uma grande campanha feita pela Rede Globo de Televisão, que demoniza os políticos e os partidos como responsáveis por todos os males que acontecem no Brasil, sem equilibrar com as conquistas, com as revoluções positivas, com a importância que tem a política e os partidos na democracia para fazer uma revolução social no Brasil, como está sendo feito a partir do primeiro governo do presidente Lula. É uma situação muito difícil que nós estamos vivendo hoje, inclusive para a consolidação do projeto democrático moderno aqui no país. Por isso, eu acho que a questão da reforma política hoje é essencial para recuperar o vigor da política e a importância dos partidos no projeto democrático.
Sobre a sua campanha, o senhor acha que de algum modo o PT errou ao tentar desconstruir os adversários em lugar de focar na sua imagem e nos feitos do seu governo?
É difícil te dizer isso com a cabeça quente ainda do processo eleitoral, mas, eu acho que a questão é um pouco mais complexa. Eu acho que a avaliação preliminar que a gente tem que fazer é em função da mudança da estrutura de classes que houve na sociedade brasileira e na sociedade gaúcha no último período. E o campo da esquerda, em geral, se desconectou desse movimento. Os setores médios que tinham uma certa simpatia ou aceitavam votar na esquerda criaram uma espécie de bloqueio a todos os assuntos que vêm da esquerda em função dessa transformação social.
Eu diria que a classe média gaúcha pensava, até o fim da década de 90, com o cérebro do Pasqualini, do Brizola, dos grandes positivistas democráticos que tiveram aqui no Rio Grande do Sul, como o João Goulart. Pensava muito influenciado ainda pela visão nacional que veio do Getúlio. Hoje, essa classe média está mais aproximada do pensamento do Gerdau, da competitividade. Tendo R$ 200 mil na poupança, ela se acha rica, pensa mais nessa direção. E esse descolamento não é de quem escolheu mal ou bem, é um descolamento de uma mudança de padrão comportamental das classes sociais em uma sociedade e um Estado capturado, de uma parte, pela supremacia e pelo controle que o capital financeiro exerce sobre o Estado e sobre a política, e também por essa ideologia consumista radical que hoje está presente em todas as economias capitalistas integradas na globalização, como a nossa.
Essa mudança influenciou no deslocamento da classe média, isso já era visível no fim da década de 1990. Eu me lembro de uma frase que me marcou muito naquela oportunidade. Eu estava na fila de uma padaria e tinha duas senhoras atrás de mim, ricamente vestidas, com casaco de pele, brincos e elas diziam assim uma pra outra, pra me provocar: “eles fazem essas políticas sociais para engordar aqueles bandidos lá na vila, para eles virem aqui no centro nos assaltar”. Certamente, a senhora estava dizendo isso não simplesmente como um argumento político racional, mas como um sentimento de que uma sociedade menos desigual pode perturbar uma certa comodidade histórica que a classe média, que se tornou classe média superior, teve aqui no Brasil. Então teve um fenômeno novo, e o PT tem quer tratar disso, nós não temos que hostilizar esses setores, temos que buscar compreendê-los e proporcionar grandes políticas de coesão social que mostrem que o compartilhamento, com mais igualdade, é melhor para todos, e não exclusivamente para as classes populares.
O senhor acredita que esse sentimento, de alguma maneira, também se desenvolveu na classe média mais baixa, nessa nova classe média?
Não, eu creio que não. Eu creio que essa chamada nova classe média, que é na verdade um novo conjunto de trabalhadores, mini empresários e prestadores de serviço, pode ser influenciada, tanto por um lado quanto por outro. Mas não acho que essa nova classe média se tenha jogado contra a Dilma, contra os projetos da esquerda e da centro-esquerda aqui no Brasil e nem aqui no Rio Grande do Sul, eu não senti isso na campanha. Pelo contrário, as grandes manifestações de apoio que eu tive nesses setores emergentes do mundo do trabalho e de uma classe média baixa que tem hoje o maior poder aquisitivo, vieram de pessoas que estavam no Pronatec, no Prouni, que aproveitaram o microcrédito e colocaram seu negócio. Eu senti uma resistência maior nessas classes médias tradicionais que se julgam hoje ricas e que se sentem incomodadas com essas mudanças sociais que tem no país. Eles passam a pensar mais no que a sua pequena poupança terá de rendimento, no mercado financeiro, do que propriamente numa sociedade mais harmônica, mais integrada e menos desigual.
Eu lhe digo isso porque se o senhor verifica os mapas de votação em São Paulo, o PT perdeu na periferia. Na minha leitura, e quero ver se o senhor concorda ou não, eu tenho a impressão que talvez os filhos desses migrantes nordestinos que vivem em São Paulo, que melhoraram de vida, talvez tenham sido ganhos pelo discurso anticorrupção.
Eu acho que existe um fenômeno também tipicamente paulista. A gente pode perceber que a periferia de São Paulo tanto vota no Maluf, quanto vota no Haddad, quanto vota na Erundina. Eu acho que São Paulo tem uma cultura política que é muito mais complexa que a nossa aqui no Rio Grande do Sul. Eu não acompanhei os votos da periferia de São Paulo, mas acho sim que a classe média paulista tem um poder coercitivo ideológico muito grande sobre as massas populares, que é reproduzido pelos meios de comunicação de São Paulo.
Você vê, por exemplo, como as rádios populares tratam o governo do Fernando Haddad. E isso tem uma influência muito grande, tanto que o Fernando agora está conseguindo vencer nesses setores de mais baixa renda. Como se os problemas que a periferia vive fossem problemas idênticos aos que vivem os bairros ricos de São Paulo. E, se tu vais examinar do ponto de vista de conteúdo efetivo, tem, por exemplo, um elo de ligação entre os problemas fortes que ocorrem nos altos bairros de classe média e nos bairros da periferia, que é a questão da segurança pública, que afeta essas camadas populares e as camadas mais elitizadas de uma mesma maneira, gerando o mesmo sentimento de insegurança.
Isso não aconteceu aqui no estado. A nossa segurança pública, embora seja problemática, é uma segurança pública que não permita que tenha incêndios de cem ônibus. Nós não tivemos nenhum insurreição e nem assassinatos massivos em penitenciárias que nem tivemos em outros estados, nós não tivemos uma violência do aparato policial de maneira indiscriminada contra os pobres aqui. Eu acho que o funcionamento, a operação política, ideológica e cultural através do qual se forma a consciência da classe média aqui tem uma especificidade muito grande. A nossa classe média sempre foi uma classe média mais democrática. Hoje, há setores da classe média alta que são os campeões da intolerância, com um comportamento inclusive um pouco violento nas ruas em relação às correntes de opinião e aos partidos que não são de sua preferência.
Leia a entrevista completa no Sul21.
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