Wanderley Guilherme: Calote ideológico
O Conversa Afiada reproduz artigo de Wanderley Guilherme dos Santos, extraído do blog Segunda Opinião:
Calote ideológico
Revela-se em práticas contrárias às expectativas dos eleitores sem satisfações convincentes. Entende-se porque afeta mais a políticos de esquerda do que a conservadores. Estes trabalham a favor do status quo e contam com a inércia das instituições, dos grupos de interesses com nexos consolidados e da burocracia estatal, sempre temerosa e insegura face a mudanças. Por definição, de operadores à esquerda esperam-se sacudidas nos navegadores do aparelho de estado, reorganização dos grupos de interesse com acesso privilegiado ao poder e reformas significativas nas instituições. Nunca fáceis de realizar, nem todas, nem ao mesmo tempo. Desvios em relação a compromissos anteriores, e até mesmo sua completa rejeição, provocam forte desapontamentos em tradicionais seguidores, afetados por quebra de históricos contratos sociais. Diferenças em relação ao eleitorado de um tipo ou de outro se expressam no apoio continuado dos conservadores a Angela Merkel, na Alemanha, e no repúdio da opinião democrata ao desempenho de Barack Obama, nos Estados Unidos.
Jânio Quadros talvez tenha sido o mais espetacular exemplo brasileiro de calote ideológico, tal como recebido por seu eleitorado. Dele tudo era esperado, mesmo algumas excentricidades quanto ao uso de biquínis e brigas de galo, jamais, entre outros imprevistos, uma condecoração a Che Guevara. O vira casaca de Fernando Henrique Cardoso, notório estudioso de Marx e Weber, só surpreendeu pequena parte de seus eleitores. A maioria desejava precisamente que se transformasse em polido adversário do Partido dos Trabalhadores, o que fez e em que persevera, agora com frequência desdenhando a polidez. Jânio nunca recusou o juízo de seu eleitorado, Fernando Henrique insiste na tese de que não abandonou o campo progressista, este é que teria tomado rumos de imprudente heterodoxia. Há versões de que a queda de João Goulart tenha resultado de dramático aprofundamento entre a estratégia reformista do presidente e as táticas agônicas de vários grupos de esquerda. E Dilma Rousseff?
A discrepância entre a campanha eleitoral e o aparente sentido que deu a seu segundo mandato é óbvia. O descontentamento pontual de grande parte de seu eleitorado é genuíno e legítimo. A ausência de satisfações a quem de direito é incompreensível, as declarações de que preside novo estágio do mesmo programa popular de governo sugere, na mais caridosa das interpretações, que aposta no tempo como argumento definitivo de sua correção. E se o tempo houver pedido matrícula nas fileiras oposicionistas?
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