A vitória da Globo em Conquista
Menezes: foi um massacre
PHA: Em Vitória da Conquista, na Bahia, Herzem Gusmão, do PMDB, ganhou a eleição para Prefeito em segundo turno, com 58% dos votos, contra Zé Raimundo, do PT. A cidade tem como Prefeito o médico Guilherme Menezes, que foi Prefeito eleito em 1997, depois em 2000, depois em 2008, depois em 2012... E, portanto, um homem de reputação indiscutível e prestígio na cidade e na região. Eu converso com Guilherme Menezes e pergunto: por que o PT perdeu em Vitória da Conquista?
Guilherme Menezes: Primeiro, da minha parte, tenho uma profunda gratidão pelo povo de Vitória da Conquista por esses cinco mandatos que conquistou o Partido dos Trabalhadores aqui - e partidos aliados. É um município imenso e eu gostaria de externar esta gratidão porque, além de quatro vezes Prefeito, eu fui eleito Deputado Estadual e Deputado Federal, com a votação majoritária de Vitória da Conquista. Acredito que a situação nacional, esse verdadeiro massacre da grande mídia, tem ajudado muito. E esse discurso do "tá na hora mudar, tá na hora de mudar"... Acredito que isso tenha contribuído bastante para que nós não fôssemos para o sexto mandato.
PHA: O que foi esse massacre divulgado através da grande mídia? O que é que foi discutido no plano nacional e que pudesse ter tido um impacto tão agudo em Vitória da Conquista?
GM: Eu reputo isso ao fascínio que principalmente a televisão tem sobre as pessoas, principalmente aquelas pessoas menos informadas politicamente, porque nós estamos aqui numa cidade encravada no Polígono das Secas - portanto, numa cidade tradicionalmente assolada pelas secas, e nós estamos no quinto ano de seca sucessivo. Vale notar que a partir dos Governos Lula e Dilma, como que, por milagre, desapareceram os retirantes nordestinos, flagelados da fome e da seca... Houve um avanço muito grande nessas políticas com Bolsa Família, benefício de prestação continuada, o Pronaf, que não chegava aqui para esta região e começou a chegar para garantir a safra... E, mesmo assim, grande parte da população entrou naquele discurso do "é preciso mudar" e parece que deixou de olhar e ouvir. Aquela coisa: "quem tem olhos para ver, que veja; quem tem ouvidos para ouvir, que ouça". Parece que as pessoas deixaram de olhar e perceber o que aconteceu nas suas vidas e no seu entorno e viraram muito mais para esta campanha tão acirrada. Foi, como eu disse, um verdadeiro massacre contra as políticas do Partido dos Trabalhadores e, principalmente, contra as grandes lideranças e o grande líder, que é Lula.
PHA: Essa não terá sido uma responsabilidade do próprio PT – não ter explicado que o Pronaf, o Bolsa Família, o apoio à política de irrigação e a de minorar os efeitos da seca... Não terá sido responsabilidade do próprio PT não ter conseguido criar uma narrativa para explicar isso, como diz a professora Marilena Chauí, explicar que isso não estava pronto, não está na natureza, como uma cascata, mas teve que ser construído com esforço político?
GM: Eu creio que o PT tem a sua parcela de culpa. Não vamos dizer que não houve, inclusive por conta das próprias disputas internas. Como nosso município não tem água nem de subsolo, nem de superfície (tanto que a água vem de um município vizinho), e 63% é semiárido, então nós, durante esses quase 20 anos, dotamos o município de cerca de 800 barragens.
Além disso, a partir do Governo Lula, por parte da Defesa Civil, a houve a construção de cisternas de placas - cada cisterna dessas tem a capacidade para 16 mil litros de água, água da chuva, principalmente; as cisternas de produção para 52 ml... Só nosso município tem cerca de 4,2 mil dessas cisternas - nós que temos uma área de 3743 km², com 304 povoados locais integrando 11 distritos federais. Então, é um município imenso. E as pessoas passaram a usufruir desse conforto e nunca mais as populações rurais viram as suas criações morrerem de sede.
Podemos dizer que não tem hoje, em nosso município, nenhuma criança, nenhum adolescente, nenhum adulto sem escola. Nós temos hoje 42 mil alunos e 53 mil vagas - porque projetamos ter sempre mais vagas, que era um déficit imenso que vem da zona rural; temos política de saúde, com 44 equipes de saúde que cobrem principalmente toda a zona rural…
E, mesmo assim, houve uma política muito acirrada, em cima inclusive desse "tá na hora de mudar", mesmo com os nossos Governos tendo sido de mudanças.
PHA: Vamos tentar dar uma dimensão nacional à situação de Vitória: quais os efeitos que esse massacre em Vitória da Conquista podem vir a ter na eleição para 2018 ?
GM: Foi um verdadeiro desastre! O partido vai ter que se recompor, infelizmente. E nós temos uma liderança da dimensão de Lula, uma liderança nacional e internacional. Nós temos muito o que discutir com a população: os muitos feitos; a retirada de tantas pessoas da linha da miséria, da pobreza e da fome; aquele conceito de que só se acaba com a fome extinguindo a pobreza extrema; temos muitos argumentos, apesar desse massacre que aconteceu, criando no senso comum a imagem do PT como se fosse o grande inimigo do País.
Nós temos muito trabalho. O PT deixou de dialogar como dialogava.
Quando eu fui eleito, por exemplo, em 1996, antes de tomar posse eu já estava em Santos, vendo as políticas desenvolvidas pelo Governo Telma de Souza e David Capistrano Filho - que foi, inclusive, nosso assessor, no início.
Estive lá em Porto Alegre, vendo orçamento participativo…
Tudo isso deu certo em Vitória da Conquista.
Mas me parece que, de um momento para outro, esse diálogo se reduziu bastante. Eu acho que o partido tem que estar mais unido, dialogando, fazendo um levantamento de todas as conquistas e, também, do que erramos nesse tempo, inclusive na falta de uma regulação da mídia - acho que isso foi, em âmbito nacional, um dos grandes erros…
Essas concessões passaram a comandar, inclusive, a cabeça das pessoas e a ditar as preferências. Agora, para nós daqui, foram 20 anos de muito sucesso para o Governo e para a população. A mortalidade infantil era imensa; hoje, eu posso lhe dizer que não morrem mais crianças à míngua neste município. Criamos inclusive um Hospital Materno Infantil, com UTI neonatal, cirurgia neonatal, banco de leite humano... Mesmo isso sendo caríssimo para um município que arrecada tão pouco.
Mas temos, ainda, muito chão pela frente, por tudo o que foi feito. Acho que a população brasileira vai ter, no momento, principalmente nas regiões mais sofridas, de confrontar o como era com o que está passando a ser com Governos concentradores de riquezas, de oportunidades, de poder.
Como os antigos diziam: pão comido, pão esquecido.
Parece que só se sente a necessidade quando se está com fome. Isso é tudo como direito; nada chegou como moeda de troca. Inclusive um Governo que teve a coragem de começar toda essa história com a palavra que todos os outros governantes não tinham coragem de dizer: fome! No Brasil existia uma conspiração do silêncio sobre a fome, como dizia Josué de Castro.
PHA: Tereza Campello acabou de dar uma entrevista à Carta Capital dizendo que o Brasil pode voltar ao Mapa da Fome.
GM: Isso é uma tristeza, uma perspectiva que nos traz muita preocupação. Como Lula sempre disse, pobre nunca foi problema, sempre foi solução! Põe dinheiro na mão do pobre, que o dinheiro circula, gera dignidade, gera renda, gera riqueza, gera emprego. Porque aumenta o consumo, o consumo aumenta a produção... Tudo isso que ele ensinava da forma mais simples, bem diferente de deixar o bolo crescer para dividir depois. Vamos dividir para crescer!
Mas, infelizmente, veio esse Golpe, que contribuiu muito para essas derrotas. Mas nós estamos aqui firmes, nesse momento de transição e desejando que a população de Vitória da Conquista seja feliz no novo Governo.
Gostaria de ressaltar a imensa gratidão que eu tenho por todos esses mandatos e essa confiança colocada sobre nós. Espero que, em grande parte, tenhamos correspondido a essa confiança.