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Antes "durão e implacável", Bolsonaro tenta se fazer de coitado e traído

Sidney Rezende: funcionará esse apelo emocional?
publicado 25/04/2020
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(Reprodução)

Por Sidney Rezende, no Srzd - O presidente Jair Bolsonaro e o chamado bolsonarismo, derivação dos pensamentos de extrema direita, atraem a simpatia de um terço do eleitorado brasileiro. É bem verdade que neste balaio estão incluídos antipetistas, antiesquerdistas, anticomunistas, adoradores de Israel e dos Estados Unidos e saudosistas da ditadura militar.

Bolsonaro e o seu governo construíram um elo seguro junto aos evangélicos; conservadores nos costumes; pastores de variadas denominações; com os bancos privados e mercado financeiro, muito por conta do Guedes; os comunicadores milionários do Rádio e da TV; os donos das emissoras de comunicação eletrônicos, menos a Globo; os militares das Forças Armadas e demais representantes da estrutura de segurança estaduais e municipais.

Estes centros de poder sustentam o presidente quando mais calmo, e, principalmente, quando perturbado por demônios pessoais. Estes segmentos não escondem a convicção de que o que mais apreciam é a proximidade aos aspectos ideológicos. Isto é o que os ligam ao regime.

Os filhos do presidente, três com mandatos, apoiam Bolsonaro como se fossem auxiliares formais. E é comum vê-los atravessar limites sem cerimônia. O pai permite e nunca viu problema deixar os “meninos à vontade”.

A indicação do deputado Eduardo Bolsonaro para a embaixada nos Estados Unidos, que acabou não acontecendo, era para valer, e não um delírio. O presidente encontra nele competência para desafios dos quais até aliados estão cientes que ele não possui.

Não por acaso, o mesmo Eduardo compôs a moldura da imagem ao lado de ministros quando o presidente deu a sua resposta ao pronunciamento do já então demissionário ministro da Justiça, Sergio Moro.

Em tempo, no improviso antes do discurso oficial, o presidente contou que, naquele mesmo dia, em café da manhã com deputados, todos conheceriam o verdadeiro Sergio Moro. Como ele poderia ter certeza da demissão do ministro, se Moro somente se pronunciaria mais tarde? Bolsonaro estava ciente que ao demitir Valeixo sem informar ao ministro o levaria a pedir o boné. Temos aí outro aspecto ético: Por que expor o caráter pessoal de um auxiliar ainda no posto e sem ele estar presente?

O mito e o herói

O ex-juiz Moro marcou sua biografia, aos olhos do povo, como um bastião da moralidade e um “herói” do combate à corrupção. É assim que ele é percebido. Por isso, tão popular. Nem mesmo a Vaza Jato retirou de Moro a simbologia imaginária dos brasileiros: “‘Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil’.

Ao romper com o presidente, a estrela da Operação Lava Jato demoliu bandeiras do atual regime. Bolsonaro sabe disso. Esta é a razão que o tão combatido discurso do “vitimismo” usado contra a esquerda pelo gabinete do ódio, neste momento de fragilidade presidencial, torna-se a melhor roupa para o chefe da nação vestir.

De “durão e implacável” o capitão agora clama por carinho, afeto. Apelo sentimental substitui a razão. Ele trabalha a imagem do “coitado”, traído pela ingratidão do seu vaidoso ex-ministro. Um exemplo:

Se ele conseguirá alcançar os corações com seus apelos e, com esta tática, reagrupar seus até há pouco fiéis seguidores, breve saberemos. Mas, o que é certo é que nada será como antes.

A ética de comunicação de Bolsonaro em xeque

O conflito entre o que Bolsonaro diz e o que ele faz na prática está exposto. Abaixo, alguns exemplos aleatórios:

1) “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”

O presidente explicitou seu desejo de demitir o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo. A substituição na marra do então diretor, fazendo publicar no Diário Oficial nas costas de Moro, foi o motivo da demissão. Numa primeira avaliação, os brasileiros ficaram com a sensação que o recado de Bolsonaro foi um sinal ao contrário: “Eu e minha família em primeiro lugar, Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”.

2) “Nosso governo não aceita o ‘toma lá, dá cá’ de jeito nenhum”

O presidente e seu pessoal costearam o alambrado de Roberto Jefferson, do PTB, e Valdemar Costa Neto, do PL, e atraíram políticos do baixo clero na tentativa de novos alinhamentos, visando firmar base política no Congresso para enfrentar o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia. A troca de mensagens entre a deputada Carla Zambelli e o então ministro é uma prova do mais baixo exemplo de “velha política”. Ora, quando ela pede para Moro ceder ao interesse do presidente de trocar o diretor da PF, Zambelli explica que isso poderia ser feito mediante a indicação de Moro para o Supremo Tribunal Federal. Qual nome se pode dar a esta prática?

3) “Nós respeitamos as instituições”

Mesmo esticando a corda com provocações sistemáticas ao STF, Congresso Nacional, imprensa, quais as razões motivam o presidente a querer saber o andamento de investigações da PF? Ele informou que já tem relatórios de inteligência da ABIN e das Forças Armadas. O curioso é que, mesmo com a estrutura de “inteligência” disponível, Bolsonaro não é capaz de identificar o que é fakenews que ele próprio divulga e o que é verdade. Recentemente, um bolsominion mineiro gravou do seu celular um vídeo em que afirmava que o Centro de Abastecimento da sua cidade estava completamente sem produtos por causa do isolamento. Bastaram reportagens movimentando a lente da câmara para o lado para se ver que era uma gravação maldosa. O presidente multiplicou a imagem e sequer pediu aos arapongas que são remunerados para auxiliá-lo assuntar se aquilo era verdade ou não.

4) “Esses políticos têm que entender que estão submissos à vontade do povo brasileiro”

No momento em que Sergio Moro joga luz sobre a ansiedade de Bolsonaro em tirar da frente Valeixo, ficou claro que o que incomoda Bolsonaro é desconhecer o que andam investigando os policiais federais. E se for algo que contraria interesses políticos, pessoais e familiares do presidente? Moro diz ter reunido material com provas documentais que comprovam tudo o que ele disse.

5) “Eu sou a Constituição”

O presidente, em mais um arroubo autoritário, reproduziu o sentido absolutista do rei francês Luis XIV, que professou “O Estado Sou Eu” (no original, “L´Etat c´est moi”). Nunca tornou-se tão atual a frase: “Um presidente pode muito, mas não pode tudo”.

Não há certeza que Jair Bolsonaro verá seu prestígio ser dilapidado com o correr dos dias. Mas, pelo menos, só acreditará no seu ideário moralista quem quiser.

Para quem despreza a imprensa e nela não confia, veremos se confiará em Sergio Moro. Se também não quiser levá-lo em conta, pode ser que o próximo da fila seja Paulo Guedes. Vamos ver o que ele terá a dizer.

Se também não for suficiente, esperemos a tragédia histórica do coronavírus (que nesta crise com Moro, não foi nem uma vez citada pelo presidente). Vamos acompanhar como será conduzida a gestão da crise. Vamos acompanhar se isso também for colocado na conta dos governadores, dos prefeitos, da OMS ou da China.

Não vamos esquecer que após o dilúvio, nos restará sofrer os efeitos da debacle financeira.