Auler: Temer praticou crime de responsabilidade
"Ao tentar abafar o caso, cometeu improbidade administrativa"
publicado
28/11/2016
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O Conversa Afiada reproduz do blog de Marcelo Auler:
Governo Temer: o problema já não está só no passado
O presidente Michel Temer, cujo cargo ocupa após um golpe parlamentar que destituiu, em maio, a presidente eleita com 54 milhões de votos, Dilma Rousseff, anunciou que para substituir o secretário-geral da presidência, o baiano Geddel Vieira Lima, buscará “alguém que não esteja metido em nada”. Geddel, recorde-se, foi o sexto ministro destituído em 190 dias de governo, incluindo a interinidade iniciada em maio.
A declaração, dada sem qualquer contestação ou questionamento, à jornalista Eliane Cantanhêde, do Estadão, é aquela típica frase de efeito, mas, ao pé da letra, mostra apenas a falta de percepção do presidente golpista. Ou pior, demonstra claramente que tipo de político ele é.
Primeiro, por que, ao admitir que desta vez buscará “alguém que não esteja metido em nada”, confessa o que todos sabem: Geddel, assim como vários outros ministros que já saíram ou continuam nos cargos, jamais deveria ter sido chamado justamente por estar metido em algo. Alguns, como o próprio ex-secretário de governo, infelizmente, em muitas coisas. Porém, tão grave como admitir que nomeou ministros – e não apenas Geddel, repita-se -, que jamais deveriam ser nomeados, é o presidente não perceber que esta nova queda não se deu pelo que ocorreu no passado.
As desastradas declarações de Temer que não foram questionadas ou contestadas. (Reprodução: Marcelo Auler)
A saída de Geddel é consequência de uma ação no presente. Aquilo que o Código Penal define como “advocacia administrativa” (patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário), Em outras palavras, Geddel caiu por ter tentado usar o cargo público para defender interesses privados que lhe dariam vantagens.
Pelas atitudes e declarações feitas em consequência deste próprio caso, nota-se que esta é a prática comum de um governo que assumiu com um golpe dizendo que passaria o Brasil a limpo. Ledo engano. O próprio Temer, considerou esta “advocacia criminosa”, como descreve Cantanhêde, sem questioná-lo, “um episódio menor”.
Correto foi o ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero. Ele deu a devia importância ao caso, denunciou, não se viu respaldado, pediu o chapéu, voltou à sua função no Itamaraty, mas antes deu uma passadinha na Polícia Federal e registrou tudo em depoimento.
Já Temer, com todo o seu conhecimento de Direito e da vida pública, queira-se ou não, praticou um crime de responsabilidade.
Esteve diante de ilícitos na administração pública, sem tomar nenhuma providência legal. Ao ouvir do então ministro Calero que outro membro do ministério estava lhe pressionando a descumprir leis e regulamentos, o chefe de governo e de Estado não poderia se calar, nem se fingir de morto. Estava diante de um fato concreto que deveria aprofundar para saber com quem estava a verdade – e hoje, até pelas notas e declarações dos governantes, ninguém mais duvida que a Calero não inventou nada.
No momento em que toma conhecimento de práticas criminosas, o presidente, por obrigação de ofício, deve, ao mesmo tempo, investigar administrativamente e comunicar à Procuradoria Geral da República para as providências criminais cabíveis. Não existe nem a desculpa de que não sabia se eram ou não verdadeiras as denúncias de Calero. Naquela comunicação havia um crime.
De duas, uma: ou o então ministro da Cultura falou a verdade e Geddel precisava ser investigado; ou Calero mentiu e, ao fazê-lo, praticou, no mínimo, a denunciação caluniosa.
“Agora sim estamos diante de um crime de responsabilidade”, concordou o líder do PSOL na Câmara, Ivan Valente (SP), em nota divulgada sexta-feira (25/11) anunciando que o partido ingressará com um pedido de impeachment contra Temer. Mas, como lembra o próprio Maierovitch, o pedido precisa ser acolhido pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), aliado do governo. Alguém tem dúvida sobre qual será a postura de Maia?
Nada disso foi questionado na entrevista de Temer ao Estadão. Nenhuma questão sobre o respeito às leis, à Constituição, à ética pública e o claro encobrimento de um possível crime. Prevaleceu a frase de efeito, que acabou manchete do jornal.
Impasses na equipe – O mais curioso é que, com base no próprio depoimento do ex-ministro da Cultura à Polícia Federal, estranhamente distribuído à imprensa, em um primeiro momento o presidente Temer parece ter percebido a gravidade do fato. Após ouvir pela primeira vez a denúncia de Calero, lhe recomendou “que ficasse tranquilo pois, caso Geddel lhe (a ele, Temer) procurasse, ele diria que não havia sido possível atender a seu interesse, por razões técnicas”.
Foi mais uma promessa em vão!
Temer recomendou que Calero ficasse tranquilo, como este falou à Polícia Federal (Reprodução: TV Globo)
Além de não investigar a denúncia do seu ministro, o presidente, pelos relatos de Calero, que acabaram confirmados pelas notas e declarações oficiais, Temer passou a pressioná-lo. Tomou o lado errado da História.
Em seu depoimento à polícia, Calero relata que, em uma nova conversa, ouviu do presidente que a decisão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que cumpria as normas e legislação, “havia criado “dificuldades operacionais” em seu gabinete, posto que o ministro Geddel encontrava-se bastante irritado”.
Em que governo sério há “dificuldades operacionais” por conta da irritação de um ministro ao ver interesses seus contrariados? (Reprodução: TV Globo)
Não se duvide do que Calero disse pois, na versão oficial do Planalto, Temer conversou duas vezes com o então titular da Cultura para solucionar impasse na sua equipe e evitar conflitos entre seus ministros, como narrou o porta-voz do presidente, Alexandre Parola, na tarde do dia 24/11 (quinta-feira).
Impasse na sua equipe teria ocorrido se estivesse em jogo a discussão de uma política pública a ser adotada. Mas ali, o debate era meramente sobre descumprir a legislação para atender a interesse privado. Não poderia haver impasse na equipe. Se houve, é justamente porque não apenas Geddel, mas o Governo em si, mistura questões públicas com interesses – ilegais – pessoais.
Aliás, como lembra Maierovitch, no mesmo crime de advocacia administrativa incorreu o ministro Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil e todos os funcionários que tentaram forçar Calero a pressionar o IPHAN.
Enquanto isso a população imaginava que o governo e seus ministros buscavam saídas para as muitas crises em que o governo se meteu: de credibilidade; econômica; de legitimidade; e de idoneidade (com vários aliados sendo acusados de crimes). Mas as discussões palacianas giravam em torno de como atender a questões pessoais. Ilegais.
O que fica demonstrado em todo este episódio é que Temer, que assumiu a partir de um golpe que pretensamente acabaria com as práticas de corrupção, hoje deve dar vivas ao ex-ministro da Cultura por ele não ter permitido que cometesse um crime de corrupção
Se Calero cedesse às pressões sofridas, todos estariam inclusos no parágrafo 2º do Artigo 317 – crimes de corrupção passiva – do Código Penal Brasileiro.
Reprodução: Marcelo Auler
Afinal, não foi exatamente isto o que Geddel, o ministro chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, e o próprio Temer queriam que Calero fizesse: deixar de cumprir normas, lei?
Ou seja, “deixar de praticar atos de ofício, cedendo a pedido ou influência de outrem”. Pedido de Geddel, que também era ministro de estado.
O presidente Michel Temer, cujo cargo ocupa após um golpe parlamentar que destituiu, em maio, a presidente eleita com 54 milhões de votos, Dilma Rousseff, anunciou que para substituir o secretário-geral da presidência, o baiano Geddel Vieira Lima, buscará “alguém que não esteja metido em nada”. Geddel, recorde-se, foi o sexto ministro destituído em 190 dias de governo, incluindo a interinidade iniciada em maio.
A declaração, dada sem qualquer contestação ou questionamento, à jornalista Eliane Cantanhêde, do Estadão, é aquela típica frase de efeito, mas, ao pé da letra, mostra apenas a falta de percepção do presidente golpista. Ou pior, demonstra claramente que tipo de político ele é.
Primeiro, por que, ao admitir que desta vez buscará “alguém que não esteja metido em nada”, confessa o que todos sabem: Geddel, assim como vários outros ministros que já saíram ou continuam nos cargos, jamais deveria ter sido chamado justamente por estar metido em algo. Alguns, como o próprio ex-secretário de governo, infelizmente, em muitas coisas. Porém, tão grave como admitir que nomeou ministros – e não apenas Geddel, repita-se -, que jamais deveriam ser nomeados, é o presidente não perceber que esta nova queda não se deu pelo que ocorreu no passado.
As desastradas declarações de Temer que não foram questionadas ou contestadas. (Reprodução: Marcelo Auler)
A saída de Geddel é consequência de uma ação no presente. Aquilo que o Código Penal define como “advocacia administrativa” (patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário), Em outras palavras, Geddel caiu por ter tentado usar o cargo público para defender interesses privados que lhe dariam vantagens.
Pelas atitudes e declarações feitas em consequência deste próprio caso, nota-se que esta é a prática comum de um governo que assumiu com um golpe dizendo que passaria o Brasil a limpo. Ledo engano. O próprio Temer, considerou esta “advocacia criminosa”, como descreve Cantanhêde, sem questioná-lo, “um episódio menor”.
Correto foi o ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero. Ele deu a devia importância ao caso, denunciou, não se viu respaldado, pediu o chapéu, voltou à sua função no Itamaraty, mas antes deu uma passadinha na Polícia Federal e registrou tudo em depoimento.
Já Temer, com todo o seu conhecimento de Direito e da vida pública, queira-se ou não, praticou um crime de responsabilidade.
Esteve diante de ilícitos na administração pública, sem tomar nenhuma providência legal. Ao ouvir do então ministro Calero que outro membro do ministério estava lhe pressionando a descumprir leis e regulamentos, o chefe de governo e de Estado não poderia se calar, nem se fingir de morto. Estava diante de um fato concreto que deveria aprofundar para saber com quem estava a verdade – e hoje, até pelas notas e declarações dos governantes, ninguém mais duvida que a Calero não inventou nada.
No momento em que toma conhecimento de práticas criminosas, o presidente, por obrigação de ofício, deve, ao mesmo tempo, investigar administrativamente e comunicar à Procuradoria Geral da República para as providências criminais cabíveis. Não existe nem a desculpa de que não sabia se eram ou não verdadeiras as denúncias de Calero. Naquela comunicação havia um crime.
De duas, uma: ou o então ministro da Cultura falou a verdade e Geddel precisava ser investigado; ou Calero mentiu e, ao fazê-lo, praticou, no mínimo, a denunciação caluniosa.
“Agora sim estamos diante de um crime de responsabilidade”, concordou o líder do PSOL na Câmara, Ivan Valente (SP), em nota divulgada sexta-feira (25/11) anunciando que o partido ingressará com um pedido de impeachment contra Temer. Mas, como lembra o próprio Maierovitch, o pedido precisa ser acolhido pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), aliado do governo. Alguém tem dúvida sobre qual será a postura de Maia?
Nada disso foi questionado na entrevista de Temer ao Estadão. Nenhuma questão sobre o respeito às leis, à Constituição, à ética pública e o claro encobrimento de um possível crime. Prevaleceu a frase de efeito, que acabou manchete do jornal.
Impasses na equipe – O mais curioso é que, com base no próprio depoimento do ex-ministro da Cultura à Polícia Federal, estranhamente distribuído à imprensa, em um primeiro momento o presidente Temer parece ter percebido a gravidade do fato. Após ouvir pela primeira vez a denúncia de Calero, lhe recomendou “que ficasse tranquilo pois, caso Geddel lhe (a ele, Temer) procurasse, ele diria que não havia sido possível atender a seu interesse, por razões técnicas”.
Foi mais uma promessa em vão!
Temer recomendou que Calero ficasse tranquilo, como este falou à Polícia Federal (Reprodução: TV Globo)
Além de não investigar a denúncia do seu ministro, o presidente, pelos relatos de Calero, que acabaram confirmados pelas notas e declarações oficiais, Temer passou a pressioná-lo. Tomou o lado errado da História.
Em seu depoimento à polícia, Calero relata que, em uma nova conversa, ouviu do presidente que a decisão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que cumpria as normas e legislação, “havia criado “dificuldades operacionais” em seu gabinete, posto que o ministro Geddel encontrava-se bastante irritado”.
Em que governo sério há “dificuldades operacionais” por conta da irritação de um ministro ao ver interesses seus contrariados? (Reprodução: TV Globo)
Não se duvide do que Calero disse pois, na versão oficial do Planalto, Temer conversou duas vezes com o então titular da Cultura para solucionar impasse na sua equipe e evitar conflitos entre seus ministros, como narrou o porta-voz do presidente, Alexandre Parola, na tarde do dia 24/11 (quinta-feira).
Impasse na sua equipe teria ocorrido se estivesse em jogo a discussão de uma política pública a ser adotada. Mas ali, o debate era meramente sobre descumprir a legislação para atender a interesse privado. Não poderia haver impasse na equipe. Se houve, é justamente porque não apenas Geddel, mas o Governo em si, mistura questões públicas com interesses – ilegais – pessoais.
Aliás, como lembra Maierovitch, no mesmo crime de advocacia administrativa incorreu o ministro Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil e todos os funcionários que tentaram forçar Calero a pressionar o IPHAN.
Enquanto isso a população imaginava que o governo e seus ministros buscavam saídas para as muitas crises em que o governo se meteu: de credibilidade; econômica; de legitimidade; e de idoneidade (com vários aliados sendo acusados de crimes). Mas as discussões palacianas giravam em torno de como atender a questões pessoais. Ilegais.
O que fica demonstrado em todo este episódio é que Temer, que assumiu a partir de um golpe que pretensamente acabaria com as práticas de corrupção, hoje deve dar vivas ao ex-ministro da Cultura por ele não ter permitido que cometesse um crime de corrupção
Se Calero cedesse às pressões sofridas, todos estariam inclusos no parágrafo 2º do Artigo 317 – crimes de corrupção passiva – do Código Penal Brasileiro.
Reprodução: Marcelo Auler
Afinal, não foi exatamente isto o que Geddel, o ministro chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, e o próprio Temer queriam que Calero fizesse: deixar de cumprir normas, lei?
Ou seja, “deixar de praticar atos de ofício, cedendo a pedido ou influência de outrem”. Pedido de Geddel, que também era ministro de estado.