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Belluzzo: os ricos ganham com os juros e os juros sobre juros!

Ele não menospreza a hipótese de uma intervenção militar
publicado 10/01/2018
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O Conversa Afiada reproduz do PiG cheiroso trechos de magnífica entrevista do professor Luiz Gonzaga Belluzzo​, autor do imperdível "Manda quem pode, obedece quem tem prejuízo", tema de excelentes vídeos produzidos pela editora Contracorrente e entrevista não menos excelente na TV Afiada.

"Lula é um mediador, está longe de ser um radical", diz Belluzzo ​a Ligia Guimarães, Estevão Taiar e Catherine Vieira​:

(...)

Lula já disse que se eleito, vai procurar os adversários. Esse é o Lula. O grande obstáculo é que as opiniões rasas do mercado se tornaram hegemônicas e o transformaram em um inimigo público. Eu sei como eles pensam: só naquilo que interessa a eles, em como vai ficar a curva de juros, se o Banco Central vai continuar operando "swaps" ou não vai. Não tem nenhuma profundidade, é uma coisa rasa e ao mesmo tempo sem nenhuma visão de longo prazo. Quanto à discussão a respeito do desenvolvimento, esquece. Não é maldade, é da natureza deles, se é que o homem tem natureza. O Lula, se ganhar a eleição, vai tentar mediar, é o estilo dele.

Valor: Com a revolução tecnológica, há quem diga que a indústria terá menos peso. Não seria possível se preocupar menos com o câmbio?

Belluzzo: Ah, então vamos nos dedicar à produção de bananas? Estamos na era da hiperindustrialização e isso agrava a situação do Brasil. Os métodos da indústria invadiram os serviços e o agronegócio. O câmbio valorizado já fez o papel dele, negativo. Na situação atual é preciso olhar para nossa posição relativa. Falo da China. Eles estão léguas de distância do Brasil, fizeram tudo ao revés do que nós fizemos. A reindustrialização, portanto, não é uma coisa banal, é algo muito mais complexo do que a dos anos 30 aos 70 do século passado. Vai exigir uma estratégia muito mais abrangente. Temos espaços, por exemplo, na infraestrutura, se tivermos competência para montar projetos eficientes com articulação privada e até mesmo com a intensificação das operações com os chineses. É preciso olhar, do ponto de vista internacional, quem tem mais chance de virar seu parceiro, quem está na liderança. Aí dizem, mas a economia americana é forte. Ninguém está dizendo que é fraca, mas eles não estão na liderança.

Valor: E qual o plano?

Belluzzo: O que me preocupa é que estamos vivendo uma transformação global. A articulação entre as economias é muito intensa, só que o padrão de articulação é outro. Por exemplo, na década de 50 havia um movimento das empresas europeias e depois das americanas em direção aos países da periferia, que tinham um mercado interno com chance de se expandir mais rapidamente. Hoje, a situação é outra, tem um grau de concentração e centralização das empresas muito maior. O market share das dez maiores empresas em quase todos os setores oscila entre 50% e 100%. A monopolização é brutal. As cadeias de valor procuram países com maiores oportunidades de avançar tecnologicamente e aí a China, que estava atrás, agora está 30 anos na nossa frente. Precisaríamos ter uma política nacional que levasse em conta o grau de desindustrialização e as nossas vantagens. No agronegócio essas vantagens são absolutas, e há oportunidades na infraestrutura.

Valor: Como financiar isso?

Belluzzo: Não vai ser com a TLP, que é uma das maiores cretinices que já inventaram. Acham que se o BNDES sair, o setor privado vai financiar com prazos e taxas reais razoáveis um empreendimento de 30 anos? Não, porque aí mata a taxa interna de retorno do empreendimento. Os chineses financiaram a infraestrutura deles, os trens de alta velocidade, os sistemas de metrô, a urbanização acelerada; foi com gasto público do governo central? Não. Usaram os bancos públicos, que financiaram, com taxas baixas, as empresas estatais, que demandam bens e serviços das empresas privadas. É um gasto parafiscal. Estado e mercado não se opõem, mas se complementam. É difícil imaginar que no Brasil de hoje possa ocorrer coisa parecida.

(...)

Valor: O que seria? Um Bolsonaro, uma solução militar?

Belluzzo: Essas coisas não acontecem de repente, elas vão sendo construídas. Eu não descarto a possibilidade de surgir uma solução centralizadora autoritária. O fato de as pessoas não terem consciência clara é só um agravante. Mas não vou fazer esse tipo de antecipação, estou dizendo é que estamos caminhando para uma situação de anomia social. A reforma trabalhista por exemplo vai, inexoravelmente, aumentar a precarização do trabalho e o trabalho temporário. Vai aumentar o emprego? Precário, temporário, em condições de sofrimento pessoal e social. Não vejo nenhuma resposta, vejo simplesmente conformismo.

Valor: Porque não houve a mesma resistência à reforma trabalhista como há na Previdência?

Belluzzo: Boa pergunta. Não sei. Aqueles que são os maiores beneficiários se opõem com mais força. Construímos um sistema de castas, em que prevalece "o senhor sabe com quem está falando"? O Brasil ficou fora de qualquer concepção de Estado de bem-estar até a Constituição de 1988. Os europeus responderam a isso no pós-guerra, após uma catástrofe humana, a segunda guerra e a grande depressão. Conservadores como Adenauer, De Gasperi, De Gaulle, para não falar do progressista aristocrático Roosevelt, entenderam que era preciso um sistema de proteção para os mais frágeis diante das ineficiências do mercado.

Valor: Há mudanças importantes em curso no sistema político-econômico após a crise de 2007?

Belluzzo: ​(...) ​Nos interstícios da sabedoria mecânica e das certezas de 140 caracteres das redes sociais ainda há espaço para a inteligência. Veja aqui [ele mostra um artigo de Wolfgang Streeck traduzido pela revista "piauí"]: "Que esperar agora? A desmontagem da máquina clintoniana por Trump, o Brexit, (...), tudo isso inaugura uma nova fase na crise do sistema estatal capitalista transformado pela revolução neoliberal. Para caracterizar essa fase, recorro ao conceito de "interregno" de Antonio Gramsci: um período de duração indeterminada em que a velha ordem já se rompeu, mas a nova ainda não pode surgir. (...) "A cara da nova ordem ainda por criar não se sabe qual será, e essa incerteza é inerente ao interregno. Até que essa nova ordem surja, segundo Gramsci, podem ocorrer "fenômenos patológicos dos tipos mais diversos".
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