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Bolsonaro? A culpa é da Esquerda!

Streeck: a Esquerda não ofereceu alternativa aos males da globalização
publicado 19/11/2018
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Streeck: a financeirização não aceita a democracia distributiva (Reprodução: London School of Economics)

O Conversa Afiada reproduz da Época entrevista de Claudia Antunes com o sociólogo alemão Wolfgang Streeck, diretor emérito do Instituto Max Planck de Estudo da Sociedades, em Munique, e autor de "Tempo Comprado - A crise adiada do Capitalismo Democrático" (Editora Boitempo):

8 perguntas para Streeck


O sociólogo alemão Wolfgang Streeck é um pop star entre os críticos da globalização. Segundo ele, a direita nacionalista cresce ao explorar falhas do capitalismo neoliberal que a centro-esquerda é incapaz de reconhecer.

1. Qual é a relação entre o fim do “capitalismo democrático” e a atual onda do chamado “populismo de direita”?
Streeck: Muitas coisas diferentes são chamadas de “populismo”. Na Europa, os partidos centristas falam do populismo para desacreditar novos partidos, de esquerda ou direita, que representem os cidadãos em questões das quais os centristas desistiram há muito tempo. O que está por trás disso é o declínio geral do que podemos ver como o padrão da democracia do pós-guerra, inspirado pelo New Deal e apoiado pelos Estados Unidos em sua rivalidade global com o comunismo: dois partidos centristas, um de centro-esquerda e outro de centro-direita, eleições razoavelmente livres, sindicatos fortes e dissídios coletivos institucionalizados, políticas industriais nacionais protegendo os cidadãos de mudanças econômicas muito rápidas, Estado do Bem-Estar Social, desigualdade relativamente baixa, uma imprensa livre consciente de sua responsabilidade pública etc. Grande parte disso desapareceu na revolução neoliberal que começou nos anos 70, então os cidadãos procuram novas forças políticas que proporcionem o que as velhas não entregam mais ou se recusam a entregar.

2. A preferência dos eleitores por políticos direitistas é frequentemente descrita como irracional. O senhor parece discordar. Por quê?
Streeck: O voto não é uma questão só de demanda, mas também de oferta. Os eleitores só podem escolher dentro do que está sendo oferecido. Se a esquerda tem pouco ou nada a oferecer, seus eleitores potenciais podem escolher não votar ou votar em outros partidos. Sem uma esquerda com credibilidade, os eleitores das classes trabalhadoras ou mais pobres são e sempre foram vulneráveis à demagogia direitista, especialmente hoje, com os novos meios de comunicação. O que é ou não “irracional” é uma questão de definição. O fato é que a esquerda não desenvolveu uma resposta política convincente para o que é chamado de “globalização”. Enquanto não houver essa resposta, não deveríamos ficar surpresos ao ver as coisas sair politicamente do controle.

3. Os partidos social-democratas estão encolhendo na Europa. A social-democracia está morta ou pode ser ressuscitada?
Streeck: Historicamente, a social-democracia significou uma tentativa de administrar as economias nacionais segundo suas tradições específicas, instituições e capacidades, com o objetivo de tornar o capitalismo moderno mais democrático e igualitário do que seria se deixado por conta própria. Desde a terceira via dos anos 90, quando os partidos social-democratas do mundo todo abraçaram a “globalização”, esse programa perdeu o contato com a realidade e foi quase completamente abandonado. Uma exceção podem ser os países escandinavos, com sua rica tradição de bens públicos e igualitarismo político. Ao abrir mão da capacidade de governo do Estado-nação, a centro-esquerda descobriu que é impossível construir uma sociedade global democrático-solidária, por muitas razões. Isso a coloca em competição com movimentos “populistas” de direita no que diz respeito a como restaurar a capacidade política do Estado-nação, o único lugar em que há potencial para a política democrática. Em consequência, isso chama a atenção para a necessidade de uma ordem internacional nova e pós-liberal que garanta a paz internacional, ao mesmo tempo que os Estados-nações democráticos tenham mais espaço para um desenvolvimento autônomo de sua vida social, econômica e política — pós-liberal aqui significando menos dependente do poder militar de um grande Estado hegemônico, os Estados Unidos, que pode escolher a qualquer hora entre multilateralismo, bilateralismo e unilateralismo em suas relações exteriores.

4. O nacionalismo — protecionismo —, tal como defendido por Trump e alguns líderes de direita na Europa, pode funcionar?
Streeck: O livre mercado nunca foi completamente livre, e a ideia de um mercado global completamente liberalizado foi desacreditada muito antes de Trump. Algumas formas de proteção nacional sempre existiram, e as demandas por isso cresceram desde a crise de 2008. Não é apenas a extrema-direita que acredita que o livre-comércio foi muito longe. Se os partidos de centro-esquerda não aprenderem rápido que a globalização econômica não é mais uma proposta vencedora, eles vão mesmo desaparecer do cenário político, e isso não vai levar muito tempo.

5. O senhor foi um crítico de esquerda à decisão de Angela Merkel de abrir as fronteiras para 1 milhão de refugiados em 2015. Realmente acredita que eles poderiam fazer baixar o valor do trabalho na Alemanha? Havia uma alternativa?
Streeck: Politicamente, a abertura das fronteiras foi um desastre, como se pôde ver pelo subsequente crescimento dos ultradireitistas da Alternativa para a Alemanha (AfD) e pela divisão que causou na União Europeia. Economicamente, ela criou uma pressão grande e duradoura sobre o mercado imobiliário, o sistema educacional e os benefícios sociais e aumentou ainda mais o tamanho do mercado de trabalho de baixos salários e empregos precários, formado em sua maioria por imigrantes de primeira e segunda gerações. A imigração em massa inevitavelmente divide as sociedades de chegada. Na medida em que os imigrantes vieram da Síria, buscando refúgio da guerra, é bom notar o fracasso do governo alemão em dizer a seus amigos americanos que uma “mudança de regime” sem tropas no terreno é impossível. Também seria mais efetivo, embora menos espetacular, tomar conta dos refugiados civis e vítimas da guerra perto de seu país, em cooperação com as Nações Unidas. Muito mais pessoas poderiam ter sido atendidas com o mesmo gasto público. Veja que, pouco antes de os imigrantes tomarem o caminho da Europa no verão de 2015, os governos europeus haviam cortado pela metade sua contribuição ao programa de entrega de alimentos do Acnur, a agência de refugiados da ONU, na Jordânia e em países próximos.

6. O presidente da França, Emmanuel Macron, passou algum tempo tentando convencer os alemães a aceitar políticas financeiras mais integradas na União Europeia, a presença de um ministro das Finanças do bloco e de um Fundo Monetário Europeu. Ele parece ter fracassado. Esse poderia ser um caminho positivo?
Streeck: Não acredito. O problema básico com a união monetária europeia é que não é uma união soberana. Todos os países que são membros, a França em particular, tomam conta zelosamente de sua soberania nacional, inclusive a Grécia. Há uma razão para isso, uma vez que o Estado-nação, como eu disse, é até agora a única formação política que pode, se tudo correr bem, ser democrática. Democracia sem soberania não é possível, porém. Nem uma moeda em comum sem uma soberania em comum. Com soberanias separadas, não pode haver transferências fiscais entre os países, com exceção de algumas simbólicas, porque os eleitores não apoiariam. Diante da atual crise italiana, orçamento do país foi rejeitado pelo bloco), isso pode e provavelmente resultará no fim — ou numa importante modificação — do euro.

7. Como suas teorias sobre o atual estado do capitalismo, sufocado pela própria força excessiva, se aplicam a países como o Brasil, que não estão no centro do sistema?
Streeck:
Se o centro tem uma gripe, a periferia facilmente desenvolve uma pneumonia. Parece que a financeirização leva ao baixo crescimento e ao aumento da desigualdade no centro, entre classes e regiões, enquanto oferece ao capital oportunidades mais atrativas de investimento no setor financeiro, deixando os países da periferia de fora, especialmente se eles aspiram a algum tipo de democracia redistributiva.

8. Como o senhor vê a ascensão no Brasil de Jair Bolsonaro e que mensagem isso envia ao mundo?
Streeck
: Assim como a natureza, a política não tolera o vácuo. Se a centro-esquerda não pode mais entregar progresso social, em especial segurança econômica e igualdade, por sua própria culpa ou devido a circunstâncias desafortunadas — como os efeitos da crise financeira de 2008 —, outros chegam para tentar conquistar o poder. Além disso, se o internacionalismo, em particular o livre-comércio, beneficia apenas os ricos à custa dos pobres, então forças nacionalistas têm uma oportunidade de prometer que farão melhor.

Em tempo: depois de "Tempo comprado", Streeck lançou livro ainda mais devastador e inquietante: "How will Capitalism end? - ensaios sobre um sistema que faliu", Verso, London, New York, 2016. - PHA

Em tempo2: para acompanhar sua produção, vale a pena visitar www.wolfgangstreeck.com - PHA