Brasil: cem dias de solidão
O Conversa Afiada reproduz artigo sereno (sempre!) de seu colUnista exclusivo Joaquim Xavier:
Peço desculpas póstumas a Gabriel García Márquez, o Gabo, prêmio Nobel e autor de um dos livros mais importantes da literatura mundial: Cem Anos de Solidão. Mas a paráfrase com o título me atraiu. Apenas isso. A obra magistral de Gabo não tem nada a ver com o desastre que vivemos no Brasil. Se vivo, ele estaria tão revoltado como nós.
Quando falo nós, falo do povo brasileiro. Assistimos nestes cem dias do governo Bolsonaro a um espetáculo de extermínio em todos os terrenos. Economia destroçada, multiplicação de miseráveis, direitos humanos e sociais fulminados na base de 80 tiros, agressões a mulheres a céu aberto, vulgaridades ilimitadas em tuítes, pedaços do território nacional entregues à privacidade de militares americanos (Alcântara virou nossa Guantánamo!), riquezas nacionais doadas ao grande capital mundial. E o principal líder popular da história nativa, Lula, confinado numa solitária com a conivência infame do Supremo Tribunal Federal.
Nada disso tem a ver com o realismo mágico de Gabo. Tem a ver com realismo trágico. O Brasil experimenta um processo de genocídio silencioso de milhões e milhões de trabalhadoras e trabalhadores, mulheres, jovens, crianças, desvalidos. Tudo vem sendo destroçado. Presenciamos uma ditadura de fato, dirigida por uma famiglia de malfeitores travestida de poderes constitucionais que tomou o poder de modo fraudulento.
Numa coluna anterior, tratei da contraofensiva de Bolsonaro. Foi enquadrado pela turma do tchutchuca Paulo Guedes para cumprir o seu papel principal. Retroceder o Brasil aos tempos de colônia ou cair fora. O Congresso de chupins, com exceções de sempre, aplaudiu de pé, a começar de Rodrigo Botafogo Maia.
O recado foi entendido. O tenente agora posa de amigo da grande mídia, recebe cúmplices de roubalheira com abraços, risos e boas-vindas. Entra com tudo na briga para incinerar a aposentadoria.
Nem tudo, porém.
Exemplo: o novo ministro da Educação mostra-se pior do que o anterior (no Brasil, tudo que é ruim, pode piorar). É um vassalo do mercado financeiro. Acha que os estudantes do Nordeste não devem estudar sociologia, filosofia. Têm que aprender a cortar cana até morrer ou se prestar a mão de obra barata para os coronéis da região. É contra o “marxismo cultural”, seja lá o que isto quer dizer.
Já a Empresa Brasil de Comunicação, criada como empresa pública, acaba de nomear um coronel para diretor-geral.
Cem dias de solidão. É assim que o povo se sente desde primeiro de janeiro. E vai ser assim enquanto a canoa não virar.
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