Jango merece um Memorial em Brasília!
O memorial para João Goulart, projetado por Oscar Niemeyer (Reprodução)
O Conversa Afiada publica a nova edição do Correio Saturnino, do ex-Senador Saturnino Braga:
JOÃO BELCHIOR MARQUES GOULART
A versão que ainda predomina sobre e figura humana e política do ex-Presidente João Goulart não faz justiça, nem de longe faz justiça à grandeza do seu verdadeiro significado histórico. A entrevista recentemente concedida por seu filho João Vicente ao jornalista Paulo Amorim recupera aspectos e pontos importantíssimos da gestão de Jango, culminando com a sua decisão, difícil e profundamente patriótica, de deixar o País e evitar, assim, sua transformação em campo de guerra internacional, com quase certa divisão em Brasil do Norte e Brasil do Sul, que era e será sempre o projeto do Grande Império para diminuir a importância do nosso País.
Eu era um jovem e bisonho deputado federal do Partido Socialista Brasileiro, com um ano apenas de mandato, que vinha do BNDE cheio de ideias desenvolvimentistas e distributivistas das reformas de base, e observava atônito o tiroteio interno, intenso e barulhento, provocado por potências mundiais que se enfrentavam no auge da guerra fria, tiroteio que dominou a política brasileira desde a posse de Jango.
Cuba tinha realizado sua revolução socialista, nas barbas do grande Império, com um êxito surpreendente que assombrava o mundo inteiro; e animava, e excitava, e impelia à luta a esquerda brasileira: se a pequenina Cuba tinha conseguido, quem poderia conter o ímpeto da grande revolução brasileira?
Kruschev, o grande líder soviético, radicalizava suas posições e provocava abertamente Kennedy, o grande líder americano: chegou a enviar a Cuba mísseis com ogivas nucleares!! Oh Deus, como a humanidade esteve perto da sua extinção!
O PCB, o velho, o experiente, o cauteloso e grande Partidão, recebeu, com certeza, instruções de Moscou para também radicalizar. E jogou-se de frente no ativismo radicalizador, foi uma das forças mais influentes no avanço desordenado e pretensamente imbatível das forças revolucionárias brasileiras. Era o momento histórico: o Presidente da República, comandante-chefe das Forças Armadas, era um velho e confiável companheiro de lutas!
Obviamente, a oposição conservadora e udenista (golpista), conseguiu mais que dobrar sua força política, com a adesão do velho, poderoso e apavorado PSD (incluindo seu grande líder Kubitschek), e partiu para a articulação com os chefes militares, contando com a colaboração sempre presente e eficaz do Embaixador Lincoln Gordon.
Neste confronto revolucionário-golpista ninguém parecia interessado em Democracia. Entre os grandes brasileiros da política do momento, só um parecia prezar a Democracia e tentava trabalhar por reformas democráticas de cunho social, as Reformas de Base: era o Presidente João Goulart!
Compôs um Ministério impecável, uma verdadeira Seleção Nacional de figuras respeitáveis e reformistas: San Tiago Dantas, Walter Moreira Sales, Celso Furtado, Antonio Balbino, José Ermírio de Moraes, Jair Dantas Ribeiro, Eliezer Batista, Armando Monteiro, Hélio de Almeida, Araujo Castro, Almino Afonso, Darcy Ribeiro e o sempre presente Tancredo Neves.
Acreditava; Jango acreditava; parecia o único a acreditar nas reformas; o tiroteio crescia; o padre Deputado mineiro Pedro Vidigal gritou na Câmara: ”Armai-vos uns aos outros!” Eu ouvi, estava lá. Perplexo. Encontrei meu antigo professor Celso Furtado, que me disse discreta mas afirmativamente: Está muito difícil... Compreendi.
Caiu o Ministério-Seleção e veio outro. Que por sua vez caiu e veio outro. Que também caiu. E o tiroteio crescia sempre.
Até que o Governador Mineiro, sempre os mineiros, políticos sensíveis e competentes, o Governador Magalhães Pinto, percebeu que o golpe era inevitável mas seria dado pelos militares e, o mais grave, se transformaria numa ditadura militar que desprezaria os políticos. Tentou, então, evitar este futuro autoritário e tomou a iniciativa do golpe político, convocando o General Mourão, de Juiz de Fora, conhecido depois como “vaca fardada”, uma autodefinição.
Mas acabou mesmo nas mãos dos militares por 20 anos; e não houve reação nenhuma. Líderes esquerdistas presos, cassados, exilados, Congresso Nacional castrado funcionando, opinião da classe média apoiando.
João Goulart, ainda Presidente, foi a Porto Alegre conversar com o General Comandante do Terceiro Exército. E ouviu dele o relato militar da realidade. Obedeceriam à ordem de resistência, se o Presidente assim determinasse, mas seria uma luta fratricida muito difícil de vencer e, mais, nesta luta interna, logo o Brasil se transformaria num sangrento campo de batalha internacional, com grande possibilidade de se dividir em Brasil do Norte e Brasil do Sul.
Jango ouviu, mediu, pensou nos brasileiros e, maduramente, patrioticamente, resolveu renunciar e abandonar o Brasil.
Pessoalmente, conheci pouco João Goulart. Mas acompanhei-o sempre, com admiração pela sua história de homem simples e líder verdadeiramente trabalhista, de companheiro autêntico dos trabalhadores em todas as horas; de seguidor de Getúlio Vargas e de seu projeto de Brasil soberano; de democrata convicto e lúcido em busca de reformas que melhorassem a condição dos trabalhadores.
Foi um dos nossos grandes presidentes, pela grandeza do seu projeto de Brasil, vitimado pela guerra fria entre os dois gigantes mundiais que quase acabaram com a Humanidade.
João Goulart, sem dúvida, é merecedor de um justo e destacado monumento-memorial de sua grandeza em Brasília.
Roberto Saturnino Braga
Gostou desse conteúdo? Saiba mais sobre a importância de fortalecer a luta pela liberdade de expressão e apoie o Conversa Afiada! Clique aqui e conheça! |