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Lula: o remédio contra Bolsonaro é mais democracia

Devemos construir uma aliança!
publicado 06/03/2020
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Nesta sexta-feira 6/III, o jornal francês Le Monde publicou uma entrevista exclusiva de Lula. O Conversa Afiada reproduz a íntegra, com tradução do Instituto Lula:

Ele não mudou, ou talvez pouco. Com seu terno escuro, seu olhar fixo e sua voz rouca, Luiz Inácio Lula da Silva tem sempre sua cabeça erguida. O ex-chefe de estado brasileiro (2003-2011) deixou sua cela em Curitiba em novembro de 2019, após 580 dias de encarceramento por corrupção, com a mesma intenção de influenciar no cenário político de seu país.

Aos 74 anos, o líder da esquerda brasileira diz estar confiante com relação aos seis processos judiciais ainda pendentes contra ele. Ele está de volta, "sereno", como ele repete, e quer que todos o saibam. Após uma primeira viagem ao exterior dedicada a uma visita ao Papa, em Roma, ele deixou Paris na quinta-feira, 5 de março, depois de passar quatro dias encontrando mulheres e homens políticos de vários partidos, intelectuais, muitos apoiadores e diversos meios de comunicação, incluindo o Le Monde.

O presidente Jair Bolsonaro convocou uma manifestação em 15 de março contra seu próprio parlamento. O Brasil está passando por uma crise institucional?

O Brasil está passando por um momento difícil. A democracia corre um perigo real. Acho que Bolsonaro sonha em estabelecer um regime autoritário. É por isso que ele provoca o Congresso Nacional desse jeito. Ele sabe que isso, no Brasil, pega bem com a opinião pública. Ele (Bolsonaro) cria tensões e procura pressionar o STF. Lembro que ele formou um governo apoiado por milicianos. O Executivo nunca foi infiltrado por esses grupos violentos de ex-policiais e militares em nossa história. Tudo isso é muito perigoso.

Quais são os remédios?

O remédio contra Bolsonaro é mais democracia. Ele será candidato novamente nas eleições de 2022. Precisamos impedi-lo. Podemos tentar construir uma aliança política como fizemos anos atrás, antes de vencer as eleições [com partidos de esquerda].

Se o perigo é tão grande, como o senhor diz, por que não lançar uma rede ainda maior e ampliar sua coalizão?

No Brasil, sempre que falamos de uma ampla aliança com outros partidos, isso é feito em detrimento dos trabalhadores. É sistemático! E eu não quero isso. Você sabe, tudo termina com a escolha da população. É ela quem decide. A classe política é o resultado do grau de consciência política da sociedade no dia das eleições. É isso que este Congresso não entende. As pessoas votam em um candidato, em uma pessoa, de acordo com seu ódio ou raiva… E nós, na última votação, não conseguimos fazer os eleitores pensarem de maneira diferente.

Veja o Emmanuel Macron. Ele não é o tipo ideal, mas ele ganhou a eleição. Ele se apresentou como "moderno", como o candidato da novidade e da inovação. Mas a novidade não existe! A única novidade que vale é a de cuidar das pessoas. O resto é apenas a gestão cotidiana.

A ex-presidente Dilma Rousseff disse que "a democracia no Brasil passa pela eleição de Lula a presidente". O que o senhor acha disso?

Não! O remédio para a democracia brasileira é que o povo chegue ao poder para poder cuidar do país. Lula é apenas um dente da engrenagem. Eu tenho consciência de minha importância política, mas eu meço também a totalidade dos problemas da sociedade e a contingência das forças políticas. Eu creio na democracia que sempre encontrará as soluções para resolver os problemas do país.

O senhor declarou que o Partido dos Trabalhadores (PT) e o senhor mesmo deveriam "assumir suas responsabilidades". O senhor inclui aí uma dose de autocrítica?

Eu não tenho nenhum problema com isso. O problema é que a questão da autocrítica não foi colocada ao Brasil como um todo, mas exclusivamente ao PT. Ninguém jamais cobrou esta questão, por exemplo, ao [ex-presidente] Fernando Henrique Cardoso. Certamente o PT cometeu erros. Certamente cometeu erros e certamente falhou em fazer as coisas! É por esta razão que eu queria voltar em 2018, pra fazer as coisas que eu não consegui fazer por falta de experiência ou porque era preciso fazer escolhas.

Por exemplo, a reforma da regulamentação das organizações de comunicação. Eu não queria instaurar um sistema como aquele que está em vigor em Cuba, mas algo mais próximo da França ou da Alemanha, onde existe uma liberdade de imprensa, uma certa regulamentação e o reconhecimento do direito de resposta. No Brasil existe uma censura: uma censura de classe. E aqueles que possuem os jornais são aqueles que querem governar o país. Todo o problema está aí.

E que tal uma reforma política?

Nós não faremos reforma política no Brasil com aquele Congresso. Qual partido é capaz de assumir esse compromisso? Nenhum! Eles não querem uma reforma política. Tarso Genro, que foi meu ministro da Justiça, tentou fazer com que algumas modificações fossem adotadas, mas nada foi aprovado. Isso porque os eleitos se acomodam dentro das instituições. Os partidos não querem acordo e não mudarão nada.

Sim, nós não fizemos tudo aquilo que gostaríamos de ter feito. Como, por exemplo, colocar mais pessoas na universidade ou ainda mais gente nas escolas técnicas. Dito isto, aqueles que querem ver nossa autocrítica se recusam a reconhecer aquilo que fizemos de bom. Veja isto: quando houve a crise de 2008, cerca de 100 milhões de pessoas perderam o emprego nos países desenvolvidos. Nós, no Brasil, criamos 20 milhões de empregos.

Comparemos com os democratas norte-americanos, que também perderam as eleições para um nacionalista populista como Trump. Eles não fizeram uma autocrítica.  Eles tentaram exatamente o contrário, se parecer mais e mais com os republicanos! Esse não é o caso do PT. Ok, o Trump é maluco, ele não tem cérebro. Mas qual é a diferença profunda, de um ponto de vista econômico, entre Joe Biden e ele? Eu fico triste que Bernie Sanders não conseguiu ganhar vantagem na Super Terça [dia mais importante das primárias do Partido Democrata nos EUA]. Ele era meu favorito e ficou difícil para ele.

Eu sempre me pergunto a mesma coisa: para que o PT foi criado? Eu o criei porque eu queria construir um instrumento político para dar visibilidade e voz àqueles que não as têm. Hoje, sou forçado a reconhecer que isso não aconteceu.

Acesse o material original, em francês, na página do Le Monde