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Na Argentina, até a direita conclui que a política de Bolsonaro conduz à morte

Rejeição ao "presidente" brasileiro é majoritária
publicado 09/05/2020
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(Redes Sociais)

Via Rede Brasil Atual - Em entrevista à Rádio Con Vos, de Buenos Aires, na quarta-feira (6), o presidente argentino, Alberto Fernández, afirmou que o Brasil governado por Jair Bolsonaro representa um “risco muito grande” para a América do Sul em relação à disseminação da pandemia de coronavírus, especialmente para os países com os quais tem fronteiras, como a própria Argentina.

Fernández revelou que tem dialogado sobre a crise sanitária com presidentes de países vizinhos. “Conversei com (Sebastián) Piñera, com o Lacalle (Pou) (respectivamente presidentes de Chile e Uruguai). Obviamente que é um risco muito grande. O Brasil faz fronteira com toda a América do Sul, a não ser por dois países, Chile e Equador”, disse o presidente argentino.

O governo de Fernández anunciou, na noite desta sexta-feira (8), que a capital Buenos Aires permanecerá sob rigorosa quarentena até 24 de maio. Mas a população do resto do país entra em nova fase de relaxamento para “avançar” a uma reabertura progressiva, segundo o jornal La Nacion. Mais de 60% dos casos de coronavírus estão em Buenos Aires e entorno, de acordo com a mídia argentina.

A cientista política Mariana Gainza, da faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires, pesquisadora do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (Conicet), explica que o sistema de saúde argentino se divide em público, privado e uma terceira vertente chamada “obras sociais”, um sistema misto dirigido pelos sindicatos, financiado por aportes dos trabalhadores e empregadores.

As “obras sociais” se originaram no peronismo, na segunda metade do século 20. Por meio delas, o cidadão pode ser atendido tanto em hospitais públicos (de acesso universal) quanto nos privados.

“Agora, estamos entrando numa fase de flexibilização da quarentena. Mas isso só é assim porque se comprovou que os resultados perseguidos foram alcançados”, diz Mariana, doutora em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Segundo ela, a população argentina respeitou e acompanhou as medidas estritas estabelecidas pelo governo desde março.

Apesar da bem-sucedida política de Fernández, o governo brasileiro não tem perdido a oportunidade de tecer críticas sem conteúdo e apenas ideológicas ao país vizinho.

De acordo com a pesquisadora, a rejeição a Bolsonaro é majoritária na Argentina. “Fica evidente, inclusive para a direita argentina, que essa política do governo brasileiro conduz à morte. Ninguém quer a morte. Esse senso comum básico, elementar, basta para perceber que há uma questão de saúde pública que transcende os embates ideológicos”, diz, em entrevista à RBA.

Até esta sexta-feira, a Argentina tinha contabilizado 5.371 casos da covid-19  (doença causada pelo novo coronavírus), com 282 mortes. Oficialmente, o Brasil registrou 136.519 casos, com 9.265 mortes.

Você concorda com o presidente Fernández ao afirmar que o Brasil põe os países vizinhos em risco?

A Argentina tem uma política de controle estrito dos contágios. Por isso, desde cedo foram estabelecidas medidas de fechamento de fronteiras, de cancelamento de todos os voos internacionais e nacionais e de isolamento obrigatório da população. Claramente, o modelo que o governo federal assumiu, no Brasil, é o oposto: relativizar a gravidade da pandemia, e boicotar as tentativas dos governos estaduais de avançar com as medidas de proteção da população sugeridas pela OMS. Me parece que os efeitos divergentes dessas duas linhas de conduta frente à pandemia hoje saltam à vista.

Como a população argentina está reagindo a essas determinações estritas?

A população argentina respeitou e acompanhou as medidas estritas estabelecidas pelo governo. Todos os comércios fecharam, todas as atividades, a não ser as essenciais, muito claramente definidas pelos decretos presidenciais, pararam. Isso só aconteceu porque houve uma “autorização social” às ações do governo. A população, afortunadamente, estava ciente dos riscos inéditos que representa essa pandemia, e majoritariamente respeitou as restrições, apesar das óbvias dificuldades que elas implicam.

Agora, estamos entrando numa fase de flexibilização da quarentena. Mas isso só é assim porque se comprovou que os resultados perseguidos foram alcançados. A curva de contágios e mortes pela doença foi controlada, de acordo com as expectativas, e entretanto os esforços públicos se dirigiram a preparar o sistema de saúde: novos hospitais – obras que o macrismo (referência ao ex-presidente neoliberal Mauricio Macri) tinha paralisado – foram postos em funcionamento, e diversos prédios foram preparados para receber pessoas afetadas, caso o sistema hospitalar não fosse suficiente.

Como você conhece o Brasil, como vê o comportamento do presidente brasileiro diante da crise?

Como quase todo o mundo reconhece, a irresponsabilidade de Bolsonaro frente à pandemia é assustadora. Não somente o despreparo, mas a falta de critério, a absoluta falta de sensibilidade. Parece, de fato, uma conduta homicida. Se percebem, também, as contradições entre a “irracionalidade” selvagem do chefe de governo e as tentativas de “controlar” essa conduta por parcelas da direita “racional” que dividem o governo com ele.

Qual a visão dos argentinos sobre Bolsonaro?

Aqui, a rejeição a Bolsonaro é majoritária. Pense que 80% da população argentina está de acordo com a postura que nosso governo assumiu, nessa conjuntura tão dramática. Fica evidente, inclusive para a direita argentina, que essa política do governo brasileiro conduz à morte. Ninguém quer a morte. Com esse senso comum básico, elementar, basta para perceber que há uma questão de saúde pública que transcende os embates ideológicos. Mas, a partir desse patamar, se relançam as brigas. Veja: aqui recomeçaram os panelaços, de cunho anti-kirchnerista. Entretanto, ninguém, nem os mais furibundos opositores da direita argentina, conseguem atentar nesse momento contra a quarentena.

De que estrato social da população argentina vêm esses panelaços anti-kirchneristas? São significativos ou expressam uma minoria?

Os panelaços têm como foco a cidade de Buenos Aires, e sobretudo alguns bairros de classe alta e classe média, como Barrio Norte e Belgrano. Eles foram muito bem “representados” por quatro anos (por Mauricio Macri). Parece que já passou muito tempo, pois esse novo tempo da quarentena é bem estranho! Mas há que lembrar que Macri foi derrotado nas eleições de 2019.

Logicamente, esses setores sociais estão aí. Eles têm a sorte de que Macri já não governa o país, pois eles estariam em risco também, e isso dizem as enquetes. Mais de 60% da população acha que Macri teria sido ruim lidando com a pandemia. Mas essa oposição deles hoje se manifesta como no Brasil e no resto do mundo, com uma demanda de retorno às atividades normais das empresas e dos bancos, e obrigação de que os trabalhadores trabalhem, para eles.

Na Argentina esses setores são poderosos. Atrás das panelas, estão os grandes grupos econômicos transnacionalizados, a grande mídia e os setores da política que trabalham para eles: Macri acaba de firmar (em abril), junto com outras figuras da direita global, como o espanhol José María Aznar e o peruano Mario Vargas Llosa, um documento pedindo o fim da quarentena. Aguardam a popularidade do presidente cair.

Ela está bem mais alta do que no momento em que ele ganhou as eleições. Organizam todo tipo de operações, como espalhar a ideia de que Fernández pretende soltar presos por homicídios e estupros das cadeias, para fomentar o medo que surge na população em situações de emergência.  Algo que já conhecemos, o “perigo populista”, o “perigo comunista” que visa destruir não só a economia mas todos os valores ocidentais…

Curioso que, na América do Sul, aparentemente, o Paraguai do conservador Benítez tem sucesso no combate à pandemia. Pelo menos oficialmente, houve até agora 462 casos no Paraguai, com dez mortes apenas

Pois é. Porque a divisória, de fato, não é entre esquerda e direita, progressistas e conservadores. É entre a mínima racionalidade e senso comum, que sabe que mandar a população morrer não é uma opção, assim como não é opção a entrega ao mandamento de Guedes ou Bolsonaro: servir aos ricos do mundo como única política.