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O Gilmar do Temer não é o Gilmar da Dilma

Maierovitch: TSE do Gilmar cassou a credibilidade da Justiça
publicado 19/06/2017
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O Conversa Afiada reproduz afiado artigo de Walter Maierovitch na Carta Capital:

Gilmar 1 e Gimar 2


O nosso sistema eleitoral é composto de quatro fases, com a última destinada à diplomação dos vencedores. Mas o diploma na mão, entregue em ato solene da Justiça Eleitoral, pode não significar questão encerrada. A nossa Constituição, a lei complementar e o Código Eleitoral permitem, em face de indicativos de abusos de poder econômico e político, a propositura de (1) ação constitucional de impugnação de mandato eletivo. Seu prazo é de 15 dias contados da efetivação da diplomação e (2) ação de investigação judicial eleitoral. Esta deve ser requerida até a data da sessão de diplomação. Para ambas, os prazos são fatais, decadenciais. O legislador, no entanto, esqueceu de estabelecer prazo para o julgamento de tais ações.

A longa indefinição pela Justiça passa a ser uma espada de Dâmocles sobre as cabeças do presidente e do vice, consoante à parábola ético-moral desenvolvida por Cícero. Os dois instrumentos constitucionais, ambos conhecidos no mundo civilizado, têm por objetivo a observância da fundamental regra republicana da igualdade: par condictio. Numa competição eleitoral, a fraude engendrada por poderosos (políticos) e potentes (empresários) gera um “doping” eleitoral: superioridade em armas. Para quem tem olhos de ver, houve desvirtuamento das quatro ações reunidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), recém-julgadas improcedentes pelo placar de 4x3 votos.

Um passo atrás. A ministra Maria Thereza de Assis Moura havia determinado o arquivamento das referidas ações por estarem baseadas em presunções. À época, a presidenta da República era Dilma Rousseff e a ação de impugnação de mandato havia sido requerida pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), presidido por Aécio Neves, candidato perdedor: “Para encher o saco de Dilma”, teria dito Aécio a Joesley, da JBS. O arquivamento não prevaleceu em face da oposição do ministro Gilmar Mendes, com sua conhecida toga de coloração político-partidária. Com efeito, passou-se a ter, ao lado do impeachment de Dilma no Parlamento, as ações reunidas no TSE, com uma enxurrada de provas de abuso do poder econômico, evidenciadas pela Lava Jato e a partir dos desfalques gigantescos na Petrobras.

Na condição de amigo e habitual conviva de Temer, o ministro Gilmar, guindado à presidência do TSE, abandonou sua tese anterior. Dois Gilmares, um ao tempo do mandato de Dilma e outro no mandato de Temer. O ministro mudou da água para o vinho e passou a sustentar a insustentável tese da precariedade das provas e da mudança da “causa de pedir” original. No particular, até os reprovados no exame de habilitação profissional da OAB sabem que a juntada de documentos novos, como delações e provas periciais, representa questão de prova processual e não de “causa de pedir”.

Nem os sólidos argumentos e a abundância de provas do abuso de poder econômico relatadas pelo ministro Herman Benjamin inibiram Gilmar. Durante o julgamento, Benjamin recordou a anterior decisão de Gilmar, que, apontando provas dadas como incontestes, se opôs a Maria Thereza. Como esperado, e nenhum bookmaker de Brasília aceitava apostas de 4x3 pela chamada “absolvição” de Temer, o voto de Gilmar acompanhou o do folclórico ministro Napoleão Nunes Maia e dos dois ministros – Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira – escolhidos por Temer para ocupar no TSE a classe reservada aos advogados. Sem atenção à “prova oceânica” dos abusos ressaltados por Benjamin, os ministros escolhidos por Temer e tirados da classe dos advogados – um deles estava impedido por ter sido advogado de Dilma no primeiro mandato – voltaram a repetir a tese do alargamento da “causa de pedir”, que já havia sido superada em exame de defesa processual e preliminar.

Na ocasião, concluiu-se pela impossibilidade de valoração da delação de membros da empreiteira Odebrecht e do casal de marqueteiros João Santana e Mônica Moura. O incrível é que, por determinação do TSE, sob compromisso e como testemunhas da Justiça, foram ouvidos Marcelo Odebrecht, João Santana e Mônica Moura. As delações emprestadas aos autos tiveram uso valorativo proibidos. Só que os testemunhos colhidos pelo TSE eram válidos e podiam ser valorados. Apesar de não proibidos, os testemunhos de Marcelo Odebrecht e do casal de marqueteiros foram ignorados pelo quarteto Gilmar, Napoleão, Admar e Tarcísio. Na verdade, o TSE, por Gilmar e os três outros ministros vencedores, trocou o julgamento técnico pelo político. De acordo com as conveniências de quatro ministros.

Assim, o TSE, por maioria, desviou-se da sua função constitucional, técnica e isenta. Isso tudo foi possível pela estranha composição do TSE. Em vez de participação popular, com jurado eleito pelos seus pares, o constituinte deu preferência à classe dos advogados: passam os dias nos seus escritórios a advogar e, à noite, participam e votam no TSE questões eleitorais. Pano rápido. Temer não foi cassado pelo TSE. Cassada foi a credibilidade na Justiça, pela quase unanimidade dos cidadãos brasileiros.